quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Como Deus é Delicioso em Tudo e Sobretudo a Quem O Ama

 Thomas à Kempis - A Imitação de Cristo


CAPÍTULO 34

Como Deus é Delicioso em Tudo e Sobretudo a Quem O Ama


A alma: Vós sois meu Deus e meu tudo! Que mais quero eu e que dita maior posso desejar? Ó palavra suave e deliciosa! Mas só para quem ama a Deus, e não o mundo nem as suas coisas.

Meu Deus e meu tudo! Para quem a entende basta esta palavra, e quem ama acha delícia em repeti-la a miúdo. Porque, quando estais presente tudo é aprazível, mas, se vos ausentais, tudo enfastia. Vós dais ao coração sossego, grande paz e jubilosa alegria. Vós fazeis que julguemos bem de todos e em tudo vos bendigamos; nem pode, sem vós, coisa alguma agradar-nos por muito tempo, mas, para ser agradável e saborosa, é necessário que lhe assista a vossa graça e a tempere o condimento da vossa sabedoria. A quem saboreia vossa doçura, que coisa não lhe saberá bem? Mas a quem em vós não se deleita, que coisa lhe poderá ser gostosa?

Diante da vossa sabedoria[1] desaparecem os sábios do mundo e os amadores da carne, porque nos primeiros se acha muita vaidade, nos últimos, a morte; os que, porém, vos seguem pelo desprezo do mundo e pela mortificação da carne, esses são verdadeiramente sábios, porque trocam a vaidade pela verdade, e a carne pelo espírito. Esses acham gosto nas coisas de Deus, e tudo quanto se acha de bom nas criaturas, referem-no à glória do seu Criador. Diferente, porém, e mui diferente, é o gosto que se encontra em Deus e na criatura, na eternidade e no tempo, na luz incriada e na luz criada.

2. Ó luz eterna, superior a toda luz criada, lançai do alto um raio[2]  que penetre todo o íntimo do meu coração. Purificai, alegrai, iluminai e vivificai a minha alma com todas as suas potências, para que a vós se una em transportes de alegria. Oh! Quando virá aquela ditosa e almejada hora, em que haveis de saciar-me com a vossa presença, e ser-me tudo em todas as coisas? Enquanto isso não me for concedido, minha alegria não será perfeita.

Mas ai! Que ainda vive em mim o homem velho,[3]  não de todo crucificado nem inteiramente morto. Ainda se revolta fortemente contra o espírito e move guerras interiores; nem consente em que reine tranquilidade na alma.

Mas vós, que dominais a impetuosidade do mar e aplacais o furor das ondas,[4]  levantai-vos e socorrei-me! Dissipai os poderes que procuram guerras,[5]  esmagai-os com o vosso braço. Manifestai, Senhor, as vossas maravilhas, e seja glorificada a vossa destra, pois não tenho outro refúgio senão em vós, meu Senhor e meu Deus![6]

______________

[1]  1Co 1.26; Rm 8.5; Jo 2.16.

[2]  Sl 144.6.

[3]  Rm 7.

[4]  Sl 89.9.

[5]  Sl 68.30.

[6]  Sl 31.14.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O Apologista, a administração do Tempo e a Leitura

 

Por Walson Sales


Douglas Groothuis diz no curso de Apologetics 101 da Credo House que a meta da apologética é tentar tornar conhecidas as realidades de Deus por meio da razão e das evidências. Ou seja, ele propõe uma apologética a favor da apologética para tentar discutir as razões pelas quais podemos crer e também contrastar a visão de mundo cristã com outras visões de mundo. 

A única coisa que oculta a existência de Deus para os incrédulos é o pecado. Deus tem se revelado a raça humana por meio da natureza, da escritura, e por meio de Cristo, mas a rebelião e a pecaminosidade humana suprime a verdade nas consciências humanas. O apologista que visa proclamar e defender o cristianismo como verdadeiro e racional vai de encontro a ignorância e a tudo o que se levante contra o conhecimento de Deus (II Co 10:5). Para considerarmos a possibilidade de adentrarmos os portais da defesa da fé, devemos mergulhar neste mundo de resistência, desinformação e distorções para tentarmos retirar todos os obstáculos que fazem com que as pessoas não considerem a fé cristã como uma visão de mundo válida, viva, pujante, acessível e verdadeira, para podermos honrar e glorificar a Deus a medida que as pessoas possam ter um relacionamento de salvação com Deus por meio do evangelho e, de fato, com a Bíblia por inteiro. 

O propósito deste curso como um todo e do texto escrito, bem como com o meu interesse com o tema é o de preparar pessoas para o diálogo entre cosmovisões e enfatizar a missão de Deus sobre a terra, a saber, enfatizar o evangelismo e a defesa da fé. Pense comigo: se o propósito de Deus é que cada pessoa na terra escute o evangelho e a vontade de Deus é que cada pessoa no globo ouça sobre Jesus, e se diante disso, você não se preocupa com o evangelismo e com a defesa da fé, principalmente diante de um fenômeno cultural de nossos dias que é a hostilidade com que o cristianismo é visto, então você precisa se engajar mais na missão principal de Deus. Digo isto, porque não há mais como dissociar o evangelismo da defesa da fé. Não devemos negligenciar o fato de que deveríamos ser um santuário do conhecimento bíblico, teológico, lógico, histórico e cultural. O conhecimento é algo que gera medo nas pessoas em nossa cultura, principalmente o conhecimento do que realmente é importante, diante de uma geração fraca, emocionalista, sensível, politicamente correta, pluralista e relativista, o que é realmente estranho, pois vivemos na era da informação. Contudo, informação não é a mesma coisa que conhecimento. Conhecimento tem relação com crenças bem fundamentadas que são verdadeiras, então se pretendemos reestabelecer o conhecimento de Deus na nossa cultura, teremos que enfrentar todos os tipos de distorções e distrações. Tenho a esperança de que os cristãos atuais possam se consagrar como verdadeiros santuários do conhecimento, dedicando seriamente o nosso tempo, esforços e recursos para pensarmos sobre as coisas de Deus e sobre as críticas contra as coisas de Deus. A melhor forma de perseguir essa meta é tentar unificar todos os esforços em uma tarefa de cada vez. Pense numa pessoa meio que polivalente, ou seja, alguém que faz muitas coisas ao mesmo tempo, ouvir música, assistir tv, falar com um interlocutor, atender o celular, assinar um documento, etc., este é um exemplo bem útil para mostrar o que quero dizer. Em se tratando de estudar, ler, pesquisar em áreas da filosofia e teologia, mais detidamente aqui em nosso propósito, fazer apologética, a melhor forma de angariar conhecimento consistente, de forma paulatina e contínua, é focar em tarefas isoladas por vez. Focar no tópico de estudo, mergulhar fundo no tema e tentar juntar e internalizar o máximo de informações. Lembro-me de ter lido um dos livros de Josh McDowell sobre a ressurreição de Jesus e ele diz na introdução do livro que leu durante 700 horas para escrever aquele livro. Pense comigo. Josh McDowell é uma das maiores autoridades no assunto, junto a outros apologistas e ele diz que leu e catalogou em um banco de dados, tudo catalogado em um banco de horas de 700 horas e se tornou um especialista em um assunto específico. 

Um dos grandes problemas da sociedade contemporânea é a questão do tempo. A vida é tão corrida que ninguém tem tempo para mais nada, não é verdade? Mas se você se dedicar em ler sobre um tema específico, como por exemplo, a Divindade de Jesus, ou sobre Teologia Natural, ou ainda sobre os Argumentos Naturalistas para a existência de Deus, ou mais ainda, especificamente sobre apenas um dos argumentos, seja o Cosmológico, Ontológico ou outro qualquer, você se tornaria um especialista no assunto, em apenas dois anos, lendo apenas uma hora por dia! Agora é o momento que você se lamenta por ter perdido tanto tempo conversando nas esquinas, ou assistindo tv ou vendo coisas nas redes sociais. A cultura das redes sociais foi estabelecida com a intenção principal de fazer com que as pessoas desperdicem tempo com passatempos sem importância, jogando nossa capacidade de raciocínio e de interpretação pelo ralo.[1] O afastamento da prática da leitura e a aproximação das características imediatistas das redes sociais está formando uma geração de zumbis que se apresentam como presas fáceis do argumento tosco, por causa da falta de capacidade de raciocínio, interpretação e concentração. 

Então, imergir em uma leitura de um determinado tópico para escrutiná-lo devagar, com cuidado, com aprofundamento, olhando as nuances, detalhes e implicações, e não apenas ficar na superfície de um incontável número de tópicos e não ser profundo ou especialista em nada, ou seja, ser superficial em todos. Caso a obra ou tema que você está debruçado esteja em uma linguagem ou conteúdo um pouco inacessível para você, não desista, corra para os principais especialistas na área e não desista enquanto não se apropriar com conteúdo. Nunca devemos deixar de depender de Deus como também não podemos negligenciar as mentes privilegiadas do passado e do presente. Um fato ocorrido com o filósofo persa Ibn Sīnā,[2] mais conhecido como Avicena é bem esclarecedor. É conhecido que Avicena, ávido por conhecer e internalizar a Metafísica de Aristóteles, leu 40 vezes a Metafísica, até sabê-la de cor, e não entendeu nada do conteúdo nem o objetivo da obra. Mas certo dia, ao passar por um mercado, um homem lhe ofereceu um pequeno livro. A princípio Avicena não se interessou. No entanto, dada a insistência do vendedor, acabou comprando-o: era o livro de al-Fārābī Sobre o objetivo da Metafísica de Aristóteles. De imediato Avicena foi para casa e leu a pequena obra. A partir daí, então, entendeu a Metafísica de Aristóteles. “Fiquei contente com isto”, afirmou Avicena. No outro dia distribuiu esmolas aos pobres para agradecer a Deus pelo ocorrido.[3] Há um debate muito intenso entre os escolásticos Católicos e Muçulmanos se os persas e árabes entenderam corretamente a metafísica, mas isto não vem ao caso aqui. o que chama a atenção é a pujança do interesse em Avicena em aprender e internalizar determinado assunto. 

Então, apologética é a arte de defender e recomendar a fé cristã como uma visão de mundo racional, verdadeira, confiável em todos os aspectos da vida, agora, para levar a cabo tal tarefa, teremos que treinar a nossa mente com os melhores argumentos. Para tal, é importante sabermos o que é uma disputa ou debate. Em um sentido filosófico, uma disputa não é apenas discordar de alguém ou ganhar um debate ou discussão no grito. Este sentido falso vem dos filmes, novelas, programas de televisão, programas de debates onde as pessoas são rudes e agressivas umas com as outras. Para mim, uma disputa é uma discussão fundamentada de uma questão importante. Então, a tarefa do apologista é fornecer um argumento persuasivo, convincente em defesa da fé cristã. Devemos fornecer argumentos, razões para crer no cristianismo e razões para não crer nas visões de mundo concorrentes. Qualquer defensor do cristianismo precisa ter clareza do que é um argumento e conhecer também os diferentes tipos de argumentos que existem. Trataremos sobre alguns tipos de argumentos mais adiante e tentarei apresentá-los da forma mais clara e simples possível. Entraremos um pouco na tradição da filosofia analítica ao analisarmos os diferentes tipos de argumentos para aprendermos como funcionam as premissas e as conclusões de um argumento, com suas formas e possíveis refutações. Essa tarefa mental de antecipação de uma possível refutação é muito importante para o apologista. 


Notas:

[1] Apenas para termos uma ideia, pense em quantas pessoas estão a nossa volta há tantos anos e nunca leram a Bíblia toda. Esse número cai drasticamente se procurarmos pessoas que leram a Bíblia toda mais de uma vez. Outro ponto importante, as leituras clássicas. Quantos jovens são incentivados nas escolas ou pelos pais em casa a lerem os clássicos da literatura? Livros de leitura recreativa que mobilizam as emoções e despertam a criatividade, elevam a capacidade de raciocínio, de articulação e de expressão, além de aumentar e afinar consideravelmente o vocabulário em erudição. Livros como A Ilíada e a Odisséia de Homero, Moby Dick de Herman Melville, As Aventuras de Robinson Crusué de Daniel Dafoe, A Volta ao Mundo em 80 Dias, Viagem ao Centro da Terra, Vinte Mil Léguas Submarinas de Júlio Verne, As Roupas Novas do Imperador, A Garota Judia de Hans Christian Andersen, bem como dos clássicos cristãos como As Crônicas de Nárnia de C. S. Lewis, O Véu Rasgado de Gulshan Esther, O Refúgio Secreto de Corrie ten Boon, O Contrabandista de Deus do irmão André, Fundador da Missão Portas Abertas, Por Esta Cruz te Matarei de Bruce Olson, O Peregrino de John Bunyan, entre outros. Ainda me recordo com emoção e as vezes com lágrimas nos olhos de trechos desses livros que li há muitos anos. Meu coração ainda treme quando me recordo de Odisseu entrando em sua casa anos depois, como um mendigo desconhecido e sendo zombado por todos no desafio do arco, e fico petrificado quando ele pega o arco e o domina com maestria, para a surpresa e desespero de todos. Poderia resumir cada um desses livros citados acima, livros que saíram da minha biblioteca, passaram pelas mãos de minha filha e agora estão em posse de meu filho caçula. Temos que incentivar os nossos filhos a leitura e os nossos jovens na igreja também.

[2] Abu Ali Huceine ibne Abdala ibne Sina (lugar de nascimento, Afshana, atual Uzbequistão c. 980 – Hamadan, Irã, e faleceu em junho de 1037), conhecido como Ibn Sīnā ou por seu nome latinizado Avicena, foi um polímata persa que escreveu tratados sobre variado conjunto de assuntos, dos quais aproximadamente 240 chegaram aos nossos dias. Em particular, 150 destes tratados se concentram em filosofia e 40 em medicina. Para mais curiosidades, assista ao filme O Físico.

[3] ISKANDAR, J. I. Introdução. In: AVICENA (IBN SĪNĀ). A origem e o retorno Introdução e aparelho crítico: Jamil Ibrahim Iskandar. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. XXIII-XXXIII.

sábado, 24 de dezembro de 2022

Randal Rauser - Por Que Eu Nunca, Jamais, Jamais, Jamais Poderia Ser Calvinista (Penso Eu)

 

Calvinismo. Aquele apoio principal da tradição protestante. Algumas vezes batido, mas muitas vezes empolgante, como nos extensos sistemas intelectuais de um Edwards ou um Turretin. E agora recentemente ressurgente segundo Collin Hansen em seu livro  Young, Restless, Reformed  (Wheaton, IL: Crossway, 2008). A essência do Calvinismo – a eleição incondicional de Deus de algumas pessoas e não outras para a salvação – é encontrado desde Agostinho e, se você acredita nos calvinistas, na própria Bíblia.

Mas, tal como está, eu não consigo me ver sendo calvinista. E a razão é simples. O Calvinismo limita a graça de Deus, e fazendo isso, ele limita o seu amor. No Calvinismo Deus poderia salvar todas as pessoas, mas ele escolhe não salvar. Antes, ele abandona algumas para que elas encarem a condenação. Esta é a limitação de sua graça, que nenhum calvinista pode contestar.

Por que Deus permite que algumas pessoas sejam condenadas? Os calvinistas, desde o próprio João Calvino até John Piper atualmente, vem dando uma razão que eles creem estar expresso em Romanos 9.22-23:

 

“E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição; ara que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou...”

 

De acordo com os calvinistas, isto significa que a razão para Deus escolher condenar algumas pessoas é que isso resulta num brilho mais pleno de sua glória, e a glória de Deus é a suprema preocupação de Deus. Escolhendo enviar algumas criaturas às mais assustadoras punições eternas, Deus manifesta sua ira, justiça e seu ódio eterno do pecado. E escolhendo outros para a graça, Deus manifesta sua bondade, misericórdia e amor permanente.

Assim, estes dois resultados bem diferentes fornecem ocasião para Deus demonstrar mais de seus atributos ao mesmo tempo, o que faz com que ele pareça mais glorioso às suas criaturas. Isso ilustra o que os psicólogos chamam de “efeito contraste”, por meio do qual a experiência de uma pessoa de um resultado particular é intensificado pelo contraste com um outro resultado. (Por exemplo, você aprecia a sua casa muito mais depois de ver a casa do seu vizinho ser destruída em um tornado. Você aprecia o seu sanduíche de presunto mais depois de visitar um campo de refugiados famintos.)

Então, de acordo com o calvinista, aqueles que Deus salva têm uma compreensão mais completa de sua graça em virtude da condenação de outros. Não é que a condenação dos outros seja boa em si mesma, mas é um bem de segunda ordem para servir a uma assimilação mais plena da glória de Deus.

Neste cenário, os perdidos são como um peru de Natal. Ninguém, exceto um sádico, acha que matar o peru seja uma coisa boa em si mesma. Mas a sua morte é um bem de segunda ordem a fim de que possamos desfrutar a carne no jantar de Natal. Similarmente, a condenação não é em si mesma uma coisa boa. Mas é um bem de segunda ordem pela satisfação que a condenação dos perdidos proporciona aos escolhidos de Deus.

Por mais que eu tento (e eu tento), não posso pensar em Deus dessa forma. Cheguei a conseguir por um tempo. Na verdade, fui calvinista por cerca de três anos. Então eu me envolvi num tipo de interpretação de papeis. E se eu fui escolhido e minha filha condenada, em parte para que eu pudesse ter um prazer maior na glória de Deus? Nesse mesmo momento o Calvinismo me perdeu. E com todo o devido respeito, eu tenho que dizer “já foi tarde”.

 

Fonte: http://blogs.christianpost.com/tentativeapologist/why-i-could-never-ever-ever-be-a-calvinist-i-think-560/

 

Tradução: Paulo Cesar Antunes

Conversa com uma Cética

 

Por Walson Sales


Em se tratando de pessoas ávidas para dialogar, aqui eu me recordo do encontro que tive com uma cética durante um projeto de evangelismo. Quando estava perto de concluir meu curso de teologia em 2008 pela Esteadeb – Escola de Teologia das Assembleias de Deus no Brasil, realizamos um estágio prático e curricular em evangelismo. O líder da nossa equipe, na época o Diácono Edvaldo Carmelo, elaborou um projeto e resolvemos aplicar no projeto o estudo de evangelismo conhecido como As Quatro Leis Espirituais. 

O projeto consistia no seguinte, escolhemos uma congregação em Peixinhos, Olinda para desenvolver e aos domingos saíamos ao campo para evangelizar. A meta era entrar nos lares e aplicar o estudo para famílias inteiras e ver o resultado. Sempre lográvamos êxito e algumas pessoas começaram a se entregar a Jesus. Porém, em uma tarde percebi que uma irmã, que sempre participava do evangelismo, estava inquieta me olhando. Perguntei se ela tinha alguma sugestão de alguma casa para irmos evangelizar. Ela disse que sim. E relatou que no bairro havia uma senhora muito questionadora que ficava a tarde esperando os irmãos do evangelismo passar para debater. Outra irmã disse que era melhor deixar quieto e evitar, pois outros irmãos evitavam essa mulher. Então eu propus: “vamos fazer o seguinte, vamos direto na casa dessa senhora e se ela estiver lá, dedicaremos a tarde inteira aos questionamentos dela”. Todos de acordo, seguimos direto. Entramos na rua e a senhora estava no muro da residência, esperando. Saudamos com uma boa tarde, ela respondeu gentilmente e disse que seria um prazer nos receber. Pediu para esperarmos enquanto ela preparava o “tribunal de inquisição” no terraço da casa. Depois nos chamou e entramos. Ela havia colocado 6 cadeiras em linha, uma mesa e uma cadeira para ela atrás da mesa. Sentamos. Sentei na frente dela, pois seria o principal interlocutor. No canto do terraço havia uma enorme estante de vidro feito de uma madeira antiga e de boa qualidade, abarrotada de livros de filosofia.

Bem, comecei explicando que se tratava de um projeto de evangelismo e que seria um prazer tratar com ela sobre as 4 leis espirituais. Ela me permitiu começar e dei início. Terminado o estudo, ela disse que teria uma série de perguntas e eu disse que tudo bem, ela poderia perguntar o que desejasse. Então ela perguntou sobre a crença na vida após a morte e no fato de que os crentes choram quando perdem seus entes queridos e que isso era um contrassenso. Respondi que os crentes choravam pela dor da separação, pelo fato da morte ser um intruso na esfera humana, mas que era também um contrassenso um cético chorar por seus entes se tudo se acaba com a morte, em uma perspectiva de vida e morte sem condenação eterna. Expliquei ainda que existia uma diferença abissal entre a morte de um crente e a morte de um cético, pois no primeiro, apesar da dor e do choro, haviam muitos louvores e esperança final e que no sepultamento do cético só havia desespero e desesperança. Percebi que ela não gostou muito.

Ampliei minha resposta e falei sobre os cinco maiores questionamentos da existência humana: Origem, de onde viemos? Identidade, quem somos? Propósito, porque estamos aqui? Moralidade, como devemos viver? Destino, para onde vamos? Isso causou um impacto bem forte nela, mas até aí ela ficou sem muitas chances de contra argumentar, pois sempre se enredilhava em contradições. Então, depois de fugir do desafio dos maiores questionamentos da existência humana, ela fez um desafio de 1 milhão de dólares: “me prove, com uma palavra, que Deus existe.” Deu um estalo na minha mente e respondi: “Essa é fácil”. Ela me olhou assustada e disse que todos fugiam desse desafio. Respondi: “Israel”. Ela disse, “Israel, o país de Israel?” Eu disse, sim e continuei. Disse que o povo de Israel é mencionado na profecia bíblica milhares de anos antes dos eventos. Por exemplo, Deus prometeu a terra a Abraão e quando o povo estava para possuir a terra, Deus os advertiu que eles virariam as costas para Deus (no contexto de Deuteronômio 4 e outros textos) e que se eles se desviassem da lei, o Senhor soltaria atrás deles os quatro maus juízos, a saber, a fome, a peste, a espada e as bestas da terra e os espalharia por todas as nações e eles seriam odiados por causa do nome do Senhor. Mas que nos últimos dias eles se arrependeriam, clamariam a Deus dentre as nações onde estavam sendo perseguidos e mortos e Deus estenderia as mãos poderosas e os faria voltar de todas as nações. Então perguntei a ela: “qual foi a única nação que foi tão perseguida, expulsa da sua terra três vezes (Cativeiro Assírio, Babilônico e expulsão pelo General Romano Tito no ano 70 d.C.), torturados, mortos, mas que mantiveram a identidade étnica e nacional? Qual foi o único povo que voltou a ser nação em um só dia (14 de Maio de 1948)? Isso não aconteceu com os alemães, nem com os portugueses, nem com os americanos, nem com os brasileiros, nem com nenhum outro povo, isso não aconteceu com nenhuma outra nação, mas apenas com Israel. 

Disse ainda que quando o partido nazista se organizava na Alemanha em 1929, o movimento antissemita já mostrava sua força e alguns teólogos Batistas, Assembleianos, bem como o fundador da Obra Missionária Chamada da Meia-Noite, Wim Malgo e a teóloga holandesa Corrie ten Boom dizia que Israel voltaria a ser nação depois de um grande morticínio de Judeus em cumprimento a maravilhosa profecia de Ezequiel 37, o vale de ossos secos. Depois da Segunda Guerra Mundial, 6 milhões de Judeus mortos, nasce o Estado de Israel como um milagre e em um único dia (Isaias 66:8). 

Ela estava sentada com os olhos vermelhos e fiz o convite. Ela disse que ninguém havia falado com ela desta forma e que não aceitaria Jesus ali, mas que estava disposta a frequentar os estudos bíblicos e os cultos para, talvez, se decidir depois. Aquela foi uma tarde gloriosa. As irmãs estavam eufóricas e pulando de alegria. Aqui fica um alerta para nós: apologética não é vencer debates. Apologética não é vingança. Se o amor de Deus, a veracidade das Escrituras e as almas perdidas não forem o nosso foco, o nosso trabalho será em vão. O apologista nunca depende do lado racional apenas, mas sempre depende do poder do Espírito e oferece a razão e o conhecimento para que sejam usados a serviço do Espírito, como o que Lutero chamou de uso ministerial da razão, ou seja, a razão a serviço da fé. Achei que seria legal apresentar essa experiência. Outras virão neste trabalho.

A IMPORTÂNCIA DA COSMOVISÃO

 

Por Dyêgo Alves 


A maneira como se vê as coisas, as concepções construídas sobre algo, a ótica sobre princípios tem uma influência grandiosa sobre a vida das pessoas. A forma como enxergamos o que nos cerca causa fortes consequências em todo nosso ser, algumas até inamovíveis. Esse conjunto de características nada mais é que uma visão de mundo; conhecido pelos estudiosos como cosmovisão.

Uma cosmovisão é necessária para toda e qualquer pessoa. Caso não haja uma visão de mundo a pessoa estará perdida na vida, sem sentido. Pode se considerar que uma cosmovisão está estritamente ligada a identidade das pessoas. Sendo assim, se quiser conhecer sobre uma pessoa procure qual seja sua visão de mundo. Mas o que é cosmovisão?

  Para Kenneth Richard Samples (2018, p. 398):


Em termos bem simples, cosmovisão pode ser definida como alguém vê a vida e o mundo como um todo. Uma cosmovisão funciona como um par de óculos, como uma lente interpretativa através da qual se dá sentido à vida e se compreende o mundo ao seu redor. ...

Em termos mais técnicos, uma cosmovisão é uma estrutura mental que se organiza como a mais completa. Essa estratégia é uma visão abrangente do que uma pessoa considera real, verdadeiro, racional, bom, valioso e belo.


Ao avaliar a citação acima, é perceptível que uma cosmovisão atende a todas as demandas, quer seja nas questões mais usuais, operativas do cotidiano, como também as mais complexas, as que tem uma dedicação mais bem elaborada para se compreender. Tal abrangência é notada através da assimilação que é feita sobre um referido tema, ideologia ou doutrina; levando aquele portador da cosmovisão a se posicionar sobre algo de acordo com a mesma. 

A abrangência da compreensão do que está relacionado a si, faz com que a pessoa aplique essa compreensão na sua vida. Isso é um tanto quanto comprometedor, uma vez que constrói uma identidade, um conjunto de opiniões sobre o que for apresentado, partindo de princípios tidos como essenciais à vida. Quando é destacado sobre o verdadeiro, racional, bom, valioso e belo; observa-se que a forma que considera esses pontos, traz consequências incisivas à vida de qualquer pessoa.

Ainda sobre o conceito de cosmovisão, para Norman Geisler (2002 p.188) cosmovisão é:


Modo pelo qual a pessoa vê ou interpreta a realidade. A palavra alemã e Weltanschau-ung, que significa um “mundo e uma visão de vida”, ou “um paradigma”. É a estrutura por meio da qual a pessoa entende os dados da vida. Uma cosmovisão influencia muito a maneira em que a pessoa vê Deus, origens, mal, natureza humana, valores e destino.


A realidade é um fato inevitável na vida. O imaginário pode ser desejável, levando a pessoa a buscar sua realização, mas é incerto uma vez que depende de fatos e acontecimentos. A realidade é verdadeira, certa, verídica isso tem uma importância distinta no que tange a cosmovisão, pois ela fará com que se observe a realidade sobre uma direção, não dando espaço para ilações descabidas ou assuntos que não promovem impacto na vida das pessoas. Por isso a cosmovisão observa a realidade como um todo na vida, gerando por sua vez paradigmas que embasam a existência das pessoas.

Os paradigmas como diz Dr. Geisler são direções que se tem na vida tanto no entendimento quanto na conduta; sendo assim, a cosmovisão pode ser um conjunto de paradigmas em sintonia no que diz respeito a questões importantes. Essa sintonia faz com que as questões de suma importância estejam estritamente relacionadas e sejam coerentes, para se manterem firmes diante das demandas que possam ser apresentadas. Nesse sentido, há muita importância em ter uma visão correta sobre leis, Deus, moral, mal, educação, valores, propósito, destino; pois tais questões influenciam diretamente na vida do ser.

A visão de mundo deve ser consistente em fazer com que seus pressupostos uma vez associados, solidifique a vida de quem a vive. Isso se dá pelo fato de que as questões que se apresentam nessa vida como um todo, requer uma razão de ser, estar e permanecer. Caso seus paradigmas não forem eficientes para tratar as questões da vida, a cosmovisão perderá força na conduta do ser humano, deixando o mesmo sem rumo nas veredas da vida.

A cosmovisão deve responder e dá sentido as questões mais intrigantes da vida. A humanidade se sente preocupada diante de fatos comprometedores e busca para tanto uma razão de ser, uma palavra que seja um bálsamo em suas vidas. Nessa linha de raciocínio, a escolha de uma visão de mundo é um divisor de águas na vida de qualquer pessoa, logo, qual visão de mundo seria a mais completa?

O FINAL DO EVANGELHO DE MARCOS (16.9-20) É AUTÊNTICO?

 

Leandro Mendonça Justino [1]


INTRODUÇÃO


Depois de ter comentado uma imagem compartilhada por meu professor, Walson Sales, em uma lista de transmissão pelo WhatsApp, fui convidado por ele a escrever sobre um dos assuntos teológicos contido naquela imagem. O assunto era crítica textual. Na imagem um pastor da Igreja Batista Redenção[2] estava sendo questionado por uma pessoa sobre a atualidade dos dons espirituais (é o que dá a entender), essa pessoa cita um texto que se encontra no final do evangelho de Marcos (16.17,18) e questiona ao pastor se ele acreditava nas palavras de Jesus registradas naqueles versículos. Uma das coisas respondida pelo pastor é que Jesus não falou aquelas palavras e que esse texto é uma inserção feita no texto bíblico no século dois, e que ele acreditava em um texto falso. Então o rapaz questiona: “esse texto não deveria estar na bíblia?” O pastor responde: “esse texto não está na bíblia, alguém colocou lá”. Essas são algumas das informações relevantes daquela imagem.

Por conseguinte, temos por finalidade responder essa pergunta: o final do evangelho de Marcos (16.9-20) não deveria estar na Bíblia? Esse questionamento surgiu “desde que Tischendorf descobriu o Códice Sinaítico, em meados do século dezenove” (PAROSCHI, 2012, p. 208), onde essa passagem não se encontra registrada nele. Esse manuscrito é considerado um dos melhores manuscritos que possuímos pela maioria dos críticos textuais. 

Vamos iniciar essa pesquisa tentando entender a problemática.


ENTENDENDO A QUESTÃO


Para entendermos essa questão da não autenticidade de um texto bíblico do Novo Testamento, o que é para muitos uma dificuldade intelectual, se faz necessário entender como o texto em português que possuímos e utilizamos é produzido. As nossas Bíblias são uma tradução. Acredito que todos saibam que o Novo Testamento não foi escrito originalmente em português. De fato, ele foi escrito em Grego em uma época onde a imprensa ainda não tinha sido inventada e muito menos a foto cópia. No primeiro século, quando o Novo Testamento foi escrito a única maneira de preservar um documento era copiando a mão. E, o que acontece quando tentamos copiar as palavras de um livro à mão? Certamente, erros são cometidos, uma palavra é escrita errada, uma palavra é omitida, uma linha pode ser pulada, pode ser acrescentado uma palavra, etc., e quando nós analisamos as mais de 5.800 cópias do Novo Testamento que possuímos espalhadas pelo mundo é exatamente isso o que observamos, nenhum manuscrito concorda com outro em todos os lugares. Mas, isso não seria um problema se tivéssemos os livros originais do Novo Testamento, pois bastaria comparar as cópias com os documentos originais, identificar os erros e corrigir. Entretanto, nós não possuímos nenhum documento original do Novo Testamento. Temos apenas suas cópias. Isso é um fato e não tem como se esquivar disso. Todavia, não ter os livros originais do Novo Testamento não quer dizer necessariamente que não temos o texto original, vale a pena ter isso em mente, o importante é o texto e não o documento físico.[3]

Dessa forma, para produzir um texto grego do Novo Testamento precisamos de uma disciplina especial que tem por objetivo reconstruir o texto de um documento cujo o original foi perdido ou destruído e que suas cópias sobreviventes possuem divergências entre si – a crítica textual. A crítica textual não deve ser entendida como um apontamento de defeitos do texto do Novo Testamento, mas como um exercício de julgamento. Visto que não temos os documentos originais do Novo Testamento e suas cópias que sobreviveram possuem diferenças entre si, então precisamos avaliar e tentar descobrir qual é o texto correto que o autor escreveu e qual é o texto errado acrescentado ou omitido por aquele que o copiou. E, para isso precisamos de uma metodologia. Não podemos simplesmente escolher os textos que gostamos, e excluir os que não queremos, como as Testemunhas de Jeová fazem com sua bíblia mutilada, a Tradução do Novo Mundo. Precisamos de uma metodologia e precisamos ser consistentes em sua utilização.


EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA


Aqui está a chave para entender porque algumas pessoas defendem que o final do evangelho de Marcos (16.9-20) é autêntico e outras não – a metodologia. Existem mais de 5.800 manuscritos Gregos do Novo Testamento, e ninguém até hoje foi capaz de contar quantas diferenças há entre esses manuscritos. O Novo Testamento em Grego, segundo Wallace (2009) tem 138.162 palavras.[4] Uma estimativa dada por Komoszewski, Sawyer e Wallace (2006, p. 54) é que existem 400.000 diferenças ou erros entre os manuscritos gregos, sem contar as versões[5], poderíamos dizer que em média para cada palavra do Novo Testamento em Grego temos três opções. Porém, não devemos nos assustar com esses números, pois apenas mais ou menos 1% do texto Grego do Novo Testamento é afetado por esses erros, de modo a alterá-los de alguma forma significativa e possuindo alguma chance de ser o texto original, os outros 99% do texto os estudiosos não possuem duvidas, pois os erros que aparecem nos manuscritos são fáceis de serem identificados e corrigidos, ou não possuem chance de serem o texto original. Chamamos tecnicamente esses erros entre os manuscritos de variantes textuais.[6] E onde estão essas variantes que alteram o sentido do texto de alguma forma significativa e possuem alguma possibilidade de serem o texto original do Novo Testamento? Esses 1% (1.438)[7] do texto em Grego e suas variantes se encontram nas notas de roda pé (aparato crítico) da Bíblia em Grego da Sociedade Bíblica do Brasil, o GNT (The Greek New Testament), você também pode ver com mais facilidade todas essas variantes e quais as passagens bíblicas que são afetadas no livro: Variantes Textuais do Novo Testamento, do autor: Roger L. Omanson.[8]

São os críticos textuais que trabalham com essas variantes, eles utilizam vários argumentos textuais para dizer qual variante é mais provável de ser o texto original. Isso eles fazem se baseando nas evidências. As evidências são classificadas como sendo de natureza interna e externa. De acordo com Blomberg (2014) a evidência externa se refere ao número e à natureza dos manuscritos que apoiam cada leitura variante. E a evidência interna é a avaliação das mudanças que um copista provavelmente faria, intencionalmente ou não, bem como o que o autor original provavelmente teria escrito. 

Conforme Porter e Pitts (2015), existem diversas metodologias utilizadas para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento e entre elas estão: a abordagem genealógica, a do texto majoritário, os métodos ecléticos e o modelo de texto único. Cada metodologia dá uma certa ênfase as evidências e dessa forma dependendo da metodologia adotada teremos um texto diferente. 

Apesar de ter mencionado quatro metodologias que podem ser adotadas na reconstrução do texto Grego do Novo Testamento, nessa pesquisa defendo o ecletismo ponderado, pois, ela é a metodologia mais coerente e adequada para o Novo Testamento, porque ela dá a mesma importância as evidências (interna e externa). O método eclético possui duas categorias, o ecletismo rigoroso e o ponderado. O motivo pelo qual eu não adoto o ecletismo rigoroso é porque ele não dá muita importância as evidências externas, um crítico textual que se considera um eclético rigoroso é Keith Elliott, o seu posicionamento é que o final do evangelho de Marcos foi perdido.[9] E ao dar ênfase as evidências internas ele não leva em consideração ao tomar esse posicionamento o fato de que provavelmente o evangelho de Marcos foi escrito em formato de rolo, e nesse tipo de manuscrito o final é o mais protegido, então o último texto que poderia ser perdido é justamente o final, mas o ecletismo rigoroso ao dar ênfase as evidências internas, não leva em consideração essas informações das evidências externas. 

O ecletismo rigoroso é um extremo, do outro lado, na outra extremidade se encontra os defensores do texto majoritário, dando ênfase as evidências externas. Esse extremo também deve ser evitado por uma questão simples de logica. Os defensores do texto majoritário advogam a causa de que o texto original do Novo Testamento está preservado na maioria dos manuscritos, porém, se um texto falso foi copiado mais vezes do que o texto original isso faria o texto falso se tornar o texto original? Claro que não, uma mentira contada milhares de vezes não se torna verdade, por esse motivo a maioria dos críticos textuais rejeitam a abordagem do texto majoritário. A questão aqui não é poucos manuscritos versus milhares de manuscritos, mas é um texto preservado em poucos manuscritos contra um texto preservado em milhares de manuscritos. É um contra um. Qual é o mais provável de ser o texto original? Onde as evidências nos levam? A crítica textual é mais complexa do que simplesmente contar manuscritos como os defensores do texto Majoritário fazem. 

E, é justamente essa complexidade que faz com que o método genealógico se torne inadequado para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento. Diferente do Alcorão, o Novo Testamento não teve sua distribuição controlada. Quando Paulo escreveu a carta aos Romanos, ele a enviou por meio de uma irmã chamada Febe, e depois disso, ele não tinha mais controle sobre o texto de sua carta. Cada cristão quando podia, sempre estava fazendo uma cópia do seu livro para preservar para a posteridade o texto das Escrituras. Dessa forma, é muito difícil dizer de que manuscrito um manuscrito do Novo Testamento foi copiado, dificultando a reconstrução de uma árvore genealógica.

Enquanto os defensores do texto majoritário dão ênfase as evidências externas, o modelo de texto único utiliza apenas as evidências externas e não dá valor algum as evidências internas. Em conformidade com Porter e Pitts (2015), o modelo de texto único propõe o uso de um único manuscrito antigo, tendo por objetivo apresentar um texto que era realmente usado pela igreja antiga, deixando as responsabilidades críticas do texto com os editores antigos, que teriam acesso a manuscritos anteriores e melhores do que os editores modernos. O problema desse método é que ele não leva em consideração as evidências internas. Existem erros ortográficos claros nos manuscritos antigos, mas esse método consideraria o erro gráfico, como o texto mais provável a ser o original, isso é incoerente.

Portanto, vamos analisar o final do evangelho de Marcos utilizando o ecletismo ponderado, método que como eu já exprimi é o mais apropriado para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento. 


O FINAL DO EVANGELHO DE MARCOS, AUTÊNTICO OU NÃO?


Poderíamos dizer que o final do evangelho de Marcos (16.9-20) tem um problema textual um pouco complexo. Pois, a questão não é simplesmente se o final faz ou não faz parte do evangelho, como se tivéssemos apenas duas opções, na verdade, entre os manuscritos Grego do Novo Testamento que sobreviveram existem quatro opções, de uma forma simplista são essas opções informada por Omanson (2010, pp. 103, 104):


1. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 8.

2. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20.

3. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20, mas antes do versículo 9 há o seguinte acréscimo: “Elas narraram brevemente a Pedro e seus companheiros o que lhes havia sido anunciado. E, depois dessas coisas, o próprio Jesus enviou por meio deles, do Oriente ao Ocidente, a sagrada e incorruptível proclamação da salvação eterna. Amém”.

4. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20, mas depois do versículo 14 há o seguinte acréscimo: “E eles alegaram em sua defesa: ‘Este tempo de iniquidade e incredulidade está sob o domínio de Satanás, que não permite que a verdade e o poder de Deus prevaleçam sobre as coisas impuras dos espíritos [ou, que não permite que quem está sob o poder dos espíritos imundos apreenda a verdade e o poder de Deus]. Por isso, revela agora a tua justiça’. Foi o que disseram a Cristo, e Cristo lhes respondeu: ‘O fim dos anos do poder de Satanás se cumpriu, mas outros acontecimentos terríveis se aproximam. E eu fui entregue à morte por aqueles que pecaram, para que retornem à verdade e não pequem mais, a fim de que sejam herdeiros da glória de justiça espiritual e incorruptível que está no céu”.


Como bem sabemos a verdade é absoluta e não relativa, então as quatro opções não podem estar corretas, apenas uma está e as outras três não. Dessas quatro opções duas tem possibilidade real de serem o texto original, que são as opções 1 e 2, as evidências textuais em favor das opções 3 e 4 são pobres, dificilmente você encontraria alguém defendendo-as como sendo provável de ser o texto original. Por outro lado, encontramos estudiosos defendendo as opções 1 e 2, a maioria dos críticos textuais estão convencidos de que a opção 1 é a mais provável de ser a correta, os motivos alistados por Omanson (2010, pp. 102, 103) para chegarmos a essa conclusão são as seguintes:


1. Os doze últimos versículos (16.9-20) não aparecem nos dois mais antigos manuscritos Grego, no manuscrito Bobiense da Antiga Latina, no manuscrito da siríaca sinaítica, em mais ou menos cem manuscritos armênios, e nos dois mais antigos manuscritos georgianos.

2. Os pais da igreja Clemente de Alexandria (segundo século) e Orígenes (terceiro século) não dão mostras de que sabiam da existência desses doze versículos. Eusébio (quarto século) e Jerônimo (quinto século) afirmam que esses versículos estavam ausentes de quase todas as cópias gregas de Marcos que eles conheciam.

3. Vários manuscritos que contêm esses versículos trazem notas de copistas dando conta de que cópias gregas mais antigas não tinham esse texto. Em outros manuscritos, essa passagem traz sinais que os copistas colocavam no texto para indicar que se tratava de um acréscimo ao documento.

4. O vocabulário e o estilo desse final mais longo diferem do resto do Evangelho de Marcos, e isto sugere que os versículos 9-20 não são originais. Existem também certas incoerências entre os versículos 1-8 e os versículos 9-20. Um exemplo de incoerência é a reaparição de Maria Madalena, no versículo 9, onde ela já tinha sido mencionada em 15.47 e 16.1, outra coisa a chamar a atenção é o fato das outras mulheres não serem também mencionada no versículo 9.


Essas e outras razões fazem quem entende sobre crítica textual acreditar que o final do evangelho de Marcos não é autêntico. Porém, embora o final do evangelho de Marcos (9-20) provavelmente não seja autêntico, no entanto, precisamos reconhecer que essa variante textual é antiga, pois, concordando com Omanson (2010), os pais da igreja Irineu, Diatessarão e provavelmente também Justino Mártir (todos do segundo século) conheciam ou dão a entender que conheciam esse final mais longo em seus escritos. Provavelmente, o final do evangelho de Marcos (9-20) foi adicionado por volta da primeira metade do segundo século para dar ao Evangelho um final mais apropriado. Esse final ficou conhecido popularmente a partir da King James Version e outras traduções do textus receptus, como a tradução de João Ferreira de Almeida.

Os defensores do texto majoritário consideram esse final (9-20) como sendo autêntico porque eles se encontram na maioria dos manuscritos Grego, entretanto, as evidências são esmagadoramente contraria a essa ideia, como já foi demonstrado.


COMO OS CRISTÃO DEVEM LIDAR COM ESSAS INFORMAÇÕES?


A pesar desses versículos (9-20) não poderem ser considerados como fazendo parte do Evangelho de Marcos, nenhum cristão deveria hesitar em lê-los como Sagrada Escritura, essa é a conclusão de F. F. Bruce[10] (1945, pp. 180, 181) em um de seus artigos, o motivo disso é bem simples: os ensinos que aparecem nesses versículos (9-20) são encontrados em outras partes da Bíblia. 

Esses são os paralelos que Bruce (1945) apresenta: os versículos 9 e 10 com João 20.11-18; versículo 11 com Lucas 24.11; versículos 12 e 13 com Lucas 24.13-35; versículo 14 com João 20.19; os versículos 15 e 16 com Mateus 28.16-20; versículo 19 com Lucas 24.50; os versículos 17, 18 e 20 possuem paralelos com as atividades dos apóstolos no livro de Atos.

A forma como os cristãos devem tratar essa questão pode ser ilustrada com o que acontece frequentemente nos círculos de oração de muitas igrejas evangélicas. Quem nunca foi a um círculo de oração e ouviu um irmão ou irmã citando Jó 14.7-9 trazendo uma mensagem de esperança para causas perdidas? Quando esse capítulo do livro de Jó não ensina nada sobre isso, na verdade o capítulo 14 do livro Jó é uma suplica de Jó a Deus, dizendo que a vida do homem é breve (Jó 14.1, 2), pedindo descanso de seu sofrimento porque até um trabalhador no final do dia tem descanso (Jó 14.6), e que embora uma arvore possa voltar a viver com um pouco de água (Jó 14.7-9), o homem não (Jó 14.10), o homem morre e não volta a viver (Jó 14.12), se os seus filhos estão em honra ele não sabe, se minguados ele não percebe (Jó 14.21). Pregar mensagem de esperança para causas perdidas se baseando em Jó 14.7-9 está errado no sentido que o texto não ensina isso, porém não está errado no sentido de que a Bíblia não ensina isso, a pessoa apenas está escolhendo o texto errado para trazer aquela mensagem, demonstrando não saber sobre o que está falando.[11]

De forma semelhante é assim que os cristãos devem lidar com o final do evangelho de Marcos (16.9-20). Esse final mais longo provavelmente não faz parte do evangelho de Marcos, mas se alguém prega sobre ele não há problemas, porque os ensinos encontrados nesses versículos podem ser encontrados em outras partes da Bíblia.


CONCLUSÃO


Para muitos é difícil compreender como um texto bíblico conhecido não faz parte das Escrituras. Mas, o importante a se ter em mente é que todas essas questões não alteram o essencial do Cristianismo. Então, nenhum cristão deveria se escandalizar ao tomar conhecimento acerca das variantes textuais da Bíblia, na verdade os cristãos que tem contato com essas informações deveriam se sentir privilegiados por Deus e se tornarem cristãos mais fortes e maduros, com uma consciência solida e sóbria acerca dessas questões bíblicas.


NOTAS: 


[1] Formado no Curso Livre em Teologia da ESTEADEB (Escola de Teologia das Assembleias de Deus no Brasil). Atualmente estudando teologia no IALTH (Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades), e Grego no curso de extensão da UFC (Universidade Federal do Ceará). E-mail: Leandro.m.j.1991@gmail.com

[2] A Igreja Batista Redenção não acredita na atualidade dos dons espirituais, principalmente no batismo do Espírito Santo com a evidência do falar em línguas. Confira o decimo ponto dos seus traços distintivos, disponível em: <http://www.igrejaredencao.org.br/ibr/index.php?option=com_content&view=article&id=31&Itemid=107>. Acesso em: 09 set. 2022.

[3] A preservação do texto do Novo Testamento não é o tema dessa pesquisa, mas é minha convicção que o texto do Novo Testamento foi preservado. E, há boas razões para se acreditar nisso, você pode ler algumas delas na parte dois do livro: Reinventing Jesus: how contemporary skeptics miss the real Jesus and mislead popular culture (Reinventando Jesus: como os céticos contemporâneos deixa escapa o Jesus real e enganam a cultura popular), livro publicado pela Kregel Publications, cujo os autores são: J. Ed Komoszewski; M. James Sawyer; e Daniel B. Wallace.

[4] Essa é a quantidade de palavras da quarta edição do The Greek New Testament, hoje ele está na sua quinta edição, porém, só houve alterações em 30 palavras das epistolas católicas. A quinta edição foi publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil com prefácio em português.

[5] As versões são as traduções do Novo Testamento em grego para os outros idiomas.

[6] Uma variante textual é simplesmente qualquer diferença de um texto padrão (por exemplo, um texto impresso, um manuscrito específico, etc.) que envolve ortografia, ordem de palavras, omissão, adição, substituição ou uma reescrita total do texto. Essa é a definição dada por Wallace, disponível em: <https://danielbwallace.com/2013/09/09/the-number-of-textual-variants-an-evangelical-miscalculation/>. Acesso em 09 set. 2022.

[7] Esse é o número de variantes tratadas no Novo Testamento Grego editado por Barbara Aland, Kurt Aland, Johannes Karavidopoulos, Carlos M. Martini e Bruce M. Metzger, esse número se encontra no prefácio da quarta edição.

[8] Esses 1% das variantes que alteraram o texto de alguma forma significativa elas não afetam as doutrinas essenciais do cristianismo, como por exemplo: a divindade de Jesus, seu nascimento virginal, sua ressureição corpórea, e a trindade.


[9] Você pode entender melhor a visão de Keith Elliott no livro: Perspectives on the Ending of Mark: Four Views, publicado pela editora: B&H Academic, cujo os autores são: Maurice Robinson, Darrell L. Bock, Keith Elliott e Daniel B. Wallace, o editor do livro é: David Alan Black.

[10] Teólogo escocês formado pelas universidades de Alberdeen, Cambridge e Viena. Depois de ensinar Grego durante vários anos, primeiro na Universidade de Edimburgo e depois na Universidade de Leeds, assumiu o departamento de história e literatura bíblica na Universidade de Sheffield, em 1947. Em 1959, mudou-se para a Universidade de Manchester (Inglaterra), onde permaneceu como professor de crítica e exegese bíblica até o dia de sua aposentadoria em 1978.

[11] Por exemplo, para se trazer uma mensagem de esperança para causas perdidas poderia ser escolhido a história da ressurreição de Lázaro (João 11.1-45), ou a convicção de Abraão considerando que Deus era poderoso para até dos mortos ressuscitar seu filho (Hebreus 11.18), para nós a morte é como o ponto final, o fim da história, mas para Deus a morte, de um ponto final, Ele pode transforma em uma virgula e dar continuidade a história do homem. Dessa forma, podemos ter esperança mesmo quando as esperanças se acabam, porque para Deus todas as coisas são possíveis (Marcos 10.27).


REFERÊNCIAS:


BLOMBERG, Craig L. Can We Still Believe the Bible? An evangelical engagement with contemporary questions. Brazos Press, 2014.


BRUCE, F. F. The End of the Second Gospel. The Evangelical Quarterly (1945): 169-181.


KOMOSZEWSKI, J. Ed. Reinventing Jesus: how contemporary skeptics miss the real Jesus and mislead popular culture. Kregel Publications, 2006.


OMANSON, Roger L. Variantes Textuais do Novo Testamento: Análise e avaliação do aparato Crítico de “O Novo Testamento Grego”. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010.


PAROSCHI, Wilson. Origem e Transmissão do Texto do Novo Testamento. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.


PORTER, Stanley E.; PITTS, Andrew. Fundamentals of New Testament Textual Criticism. Wm. B. Eerdmans Publishing Co, 2015.


WALLACE, Daniel B. Gramática Grega: uma sintaxe exegética do Novo Testamento. São Paulo: Editora Batista Regular do Brasil, 2009.

EXPLICANDO O INCLUSIVISMO

Se Jesus é o único caminho, como Deus vai julgar os que nunca ouviram o evangelho? 


Resolvi abordar esse tema por causa da publicação que um amigo fez no Facebook sobre o perigo do inclusivismo. Contudo, quando fui avaliar a citação que ele fez de um teólogo pentescostal sobre a definição de inclusivismo, percebi que a suposta definição não corresponde ao conceito de inclusivismo propriamente dito, mas o conceito que ele apresentou representa mais o pluralismo religioso e não o inclusivismo. Aqui fica um grande alerta para nós: quando formos debater ideias, é obrigatório definir os termos corretamente por diversos motivos, primeiro, para não deturparmos o conceito abordado, criando um argumento do espantalho; segundo, para sermos coerentes e fiéis aos nossos princípios e comprometimento com a verdade e, terceiro, para não demonizarmos os cristãos que são inclusivistas. Vamos observar a citação:


Menzies também destaca um movimento preocupante em direção aos inclusivismo entre alguns teólogos pentecostais. O que é inclusivismo? É, nas palavras de seus defensores pentecostais: “As religiões não são acidentes da história nem usurpações da providência divina, mas são, de várias maneiras, instrumentos do Espírito Santo realizando os propósitos divinos no mundo e os não evangelizados, se forem salvos, são salvos por meio da obra de Cristo pelo Espírito (mesmo se mediados por meio das crenças e práticas disponíveis a eles)”. O que preocupa Menzies, e o que também me preocupa, é que o inclusivismo é, em última análise, incompatível com a missão da igreja em Marcos 16: 15. É incompatível com o evangelho.


O que o autor do livro faz? Mistura Inclusivismo com Pluralismo. O Pluralismo Religioso defende que todas as religiões levam a Deus, o que é flagrantemente falso. Para sermos fiéis ao conceito, o inclusivismo NÃO DEFENDE que todas as religiões levam a Deus, pois a lei da não contradição na lógica estabelece que as afirmações que se contradizem não podem ser verdadeiras no mesmo sentido, direção ou intensidade; DEUS NÃO usa as religiões como meio da providência para alcançar os não evangelizados no inclusivismo; o inclusivismo NÃO É INCOMPATÍVEL com a missão da igreja; Por fim, sim é verdade que no inclusivismo, se alguém for salvo entre os não evangelizados, essa pessoa será alcançada pela obra meritória de Cristo. Mas em que sentido? Qual o problema que os inclusivistas tentam resolver? Eles tentam resolver o problema dos que nunca escutaram o evangelho. Deixemos o inclusivismo falar por si mesmo.

A primeira coisa que diria em primeiro lugar, e o inclusivismo defende, é que não existe solução para o problema do pecado humano a parte da morte expiatória de Cristo. Está muito claro no N.T. que todos caíram, estão separados de Deus, são moralmente culpados diante de Deus e precisam do perdão dos pecados e a morte expiatória de Jesus na cruz é a solução de Deus para o pecado humano, então, a parte da cruz de Cristo não existe nenhuma provisão para a expiação do pecado humano, nem para a reconciliação.

A garantia de que o sacrifício de Jesus na cruz é a solução para o pecado humano é a ressurreição de Jesus. O fato de Deus ressuscitar Jesus dos mortos, vindicou publicamente, de forma inequívoca, todas as blasfêmias pelas quais Jesus foi crucificado. Então, é a ressurreição de Jesus que nos faz acreditar na eficácia do sacrifício de Jesus na cruz e é por isso que apenas Cristo, e apenas ele, é o meio pelo qual as pessoas podem receber o perdão dos pecados e a salvação e não a crença no conteúdo doutrinário de outras religiões.

Agora, isso levanta outras questões importantes e polêmicas, questões teológicas profundas e difíceis como, por exemplo, o problema daqueles que nunca ouviram o evangelho, ou seja, como eles serão julgados de forma justa? Pois seria injusto Deus os julgar e condenar por não terem crido em Jesus, apesar de nunca terem ouvido o evangelho, e Deus é justo, então o que você faria com aquelas pessoas? Então, o inclusivista crê e defende que a resposta do N.T. é que Deus julgará as pessoas com base da luz que receberam, pois aqueles que receberam apenas a luz da revelação geral – revelação natural – na natureza e na consciência, serão julgados sobre a base da resposta que deram a essa revelação, e aqueles que receberam a luz da revelação especial e do evangelho, serão julgados sobre a base da resposta que darão a essa revelação. Agora, isso não significa que essas pessoas serão salvas a parte da morte expiatória de Cristo, isso apenas significa que uma pessoa que nunca ouviu o evangelho pode ser beneficiária da morte expiatória de Cristo, mesmo sem ter uma consciência ou conhecimento de Cristo. Essa pessoa seria como alguém que descobre de repente que tem um benfeitor ou que herdou uma grande fortuna de herança de um tio que ele não tinha consciência que existia. Portanto, uma pessoa pode ser beneficiária da morte expiatória de Cristo sem uma consciência ou conhecimento de Cristo, segundo o inclusivismo. Existe paralelo bíblico para fundamentar essa afirmação ousada? Os inclusivistas pensam que sim.

Os inclusivistas afirmam que existem certas pessoas no A.T., como por exemplo, Jó, que não tinha nenhum conhecimento de Cristo, ele nem mesmo era israelita, ele nem mesmo era da linhagem abraâmica e está bem claro que Jó teve um relacionamento pessoal e real com Deus. Então, dizem os inclusivistas, parece que Deus vai julgar as pessoas com base na resposta que eles darão a luz que receberam, e que qualquer pessoa que for salva, só será salva por meio do sacrifício de Cristo. Perceba que neste contexto, o particularismo cristão é oposto ao pluralismo religioso e não necessariamente ao inclusivismo e o inclusivismo tenta responder o motivo pelo qual Jesus é o único meio de salvação (particularismo cristão) e como Deus não é injusto ao julgar as pessoas QUE NUNCA OUVIRAM FALAR DE CRISTO. Então, a salvação está disponível a todos, não há injustiça da parte de Deus nesse julgamento e a missão da igreja está mantida. Onde a igreja falhar na missão de evangelizar o mundo não evangelizado, Deus julgará os não evangelizados com base na resposta que darão a luz natural que receberam (como no exemplo de Jó - na revelação geral e na consciência e não nas outras religiões) e julgará (no que diz respeito aos galardões) os que receberam a Grande Comissão e a negligenciaram por completo. 

E sobre Romanos 10.9 que diz que as pessoas têm que confessar a Cristo para serem salvas? O inclusivismo afirma que essa é uma condição suficiente e não uma condição estritamente necessária para a salvação, ou seja, se você confessar a Cristo como Senhor e crer que Deus ressuscitou a Jesus dentre os mortos, você será salvo, mas Jó não fez isso, Moisés não fez isso, Nabucodonossor não fez isso, Melquesedeque não fez isso, então essa não é uma condição necessária com respeito aos que nunca ouviram falar sobre Cristo e isso segundo o inclusivismo, mas seria apenas uma condição suficiente para a salvação. 

Apesar de eu, Walson Sales, reconhecer que o inclusivismo tem um ponto importante, estou mais inclinado ao exclusivismo e ao particularismo cristão, ou seja, é a missão precípua da igreja, evangelizar o mundo inteiro e isso traz um peso enorme para aqueles que exercem autoridade para enviar missionários aos campos não evangelizados e não o fazem. Contudo, minha meta ao escrever este artigo não foi o de me posicionar, mas o de esclarecer o verdadeiro conceito do que é o inclusivismo. Portanto, leia sobre os verbetes Pluralismo Religioso, Universalismo, Inclusivismo e Particularismo Cristão para ter uma visão geral do significado de cada termo e não ser engolido por definições distorcidas que mais confundem que esclarecem.


Traduzido, adaptado e ampliado por Walson Sales


Referências:


William Lane Craig - Q&A - Is Jesus the only way? What about those who never heard the Gospel? https://www.youtube.com/watch?v=OQqTiNQk9Fc


Norman Geisler – Enciclopédia de Apologética


Norman Geisler – Teologia Sistemática

Prefácio ao livro do professor Wellington Galindo

 

"Por que devemos aprender sobre o Islã?" Primeiro, os números. O islamismo é a segunda maior religião na história (após o Cristianismo). Existem cerca de 1,6 bilhões de muçulmanos no mundo. Isso é mais de um quinto da população mundial. Atualmente existem mais de 1.200 mesquitas nos Estados Unidos e mais de 6.000 na Europa. E de acordo com muitas fontes, o Islã é a religião de mais rápido crescimento no mundo. Segundo, os Cristãos não podem comunicar o Evangelho claramente aos muçulmanos sem entender o que os muçulmanos acreditam, porque o Alcorão distorce o significado das reivindicações Cristãs. Em terceiro lugar, o Islã prospera em uma atmosfera de ignorância. Conheço o testemunho de convertidos ao Islã. Mas nunca conheci uma única pessoa que se converteu ao Islã depois de estudar cuidadosamente sua história e doutrina. A razão pela qual tantas pessoas se apaixonam pela propaganda islâmica é que existe uma atmosfera geral de ignorância sobre o Islã entre nós, cristãos, que permite que os pregadores muçulmanos digam praticamente tudo o que eles querem, porque ninguém vai corrigi-los. Em quarto lugar, muitos muçulmanos são tão confiantes de que o Islã é verdadeiro (porque lhes foi dito toda a vida que é indiscutivelmente a verdade) que eles não podem considerar seriamente quaisquer alternativas ao Islamismo. Em quinto lugar, os muçulmanos são treinados a desafiar as principais doutrinas do Cristianismo. Jesus ensinou aos seus seguidores muitas coisas, mas quando pregavam o Evangelho no Livro de Atos, eles pregavam que Jesus é o divino Filho de Deus, que morreu na cruz pelos pecados e ressuscitou da morte - deidade, morte e ressurreição. Estes são os três ensinamentos fundamentais do Evangelho Cristão. O Islã nega todos os três, e assim os muçulmanos são ensinados a desafiar os Cristãos nessas questões.

O Islã ensina o Monoteísmo, enfatiza a necessidade de se adorar a Deus (neste caso específico, Allah), mas qual o ponto principal entre a relação do Islã com o Cristianismo? O Islã fala de forma substancial sobre Jesus (Jesus é citado 93 vezes no Alcorão), com implicações doutrinárias profundas. Por exemplo, o Islã nega a crucificação de Jesus (Alcorão 4: 157), onde é dito que Jesus nem foi morto, nem crucificado. Resumindo, Jesus não morreu na cruz, de acordo com o Islã e, se Jesus não morreu na cruz, ele não poderia ter ressuscitado dos mortos. Logo, por implicação clara e direta, a ressurreição de Jesus é negada pelo islã, doutrina que é o pilar central da fé Cristã. 

No capítulo 5:72, 73 do Alcorão é dito que se você crer que Jesus é Deus ou crer na Trindade, então você será lançado no inferno. No capítulo 5:116 do Alcorão, Jesus nega qualquer afirmação de ser divino (está explícito também neste verso que Maria fazia parte da Trindade). Então, o que temos ainda? No capítulo 3 do Alcorão você pode crer que Jesus curou os leprosos, restaurou a vista aos cegos, curou os surdos e ressuscitou os mortos. Lá também Jesus é o Messias nascido de uma virgem, filho de Maria e aquele que voltará no fim dos tempos. Ora, você pode crer nisso tudo, mas não pode crer que Jesus morreu na cruz, que ele ressuscitou dos mortos ou que Jesus é Deus. Agora, perceba o que afirma Romanos 10:9:


Se, com a tua boca, confessares Jesus como Senhor e, em teu coração, creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. (Romanos 10:9 – grifos meus).


Perceba que a condição necessária para a salvação no Cristianismo é confessar e crer que Jesus é Deus (primeiro grifo) e que Jesus morreu e ressuscitou dentre os mortos (segundo grifo). Perceba também que são exatamente estas mesmas coisas que o Islã nega doutrinariamente. Isto não é uma coincidência. Constate que a principal polêmica do islã contra o Cristianismo diz respeito a divindade de Jesus na Cristologia, ou seja, a principal pergunta para ambas revelações é “Quem é Jesus?” (Mateus 16: 13, 15). Ele morreu na cruz? Ele afirmou ser Deus? 

Outro ponto da narrativa do Islã sobre Jesus são as afirmações que negam fatos históricos amplamente conhecidos sobre a vida de Jesus. O Islã nega pontos históricos cardeais para a fé Cristã, pontos estes que são reconhecidos pelas testemunhas oculares dos fatos do Novo Testamento e pelos próprios inimigos do Cristianismo, as chamadas testemunhas hostis. Temos então dois conjuntos de fatos sobre o Jesus histórico, a saber, os fatos amplamente divulgados na história antes da formação do Islã no século sétimo d. C., fatos nunca negados pelos inimigos da fé cristã e os pretensos “fatos” do Islã em negar uma gama inumerável de fontes que apoiam o Novo Testamento. Para se ter uma ideia, apenas abordando 10 fontes antigas não cristãs e algumas até inimigas, saberíamos que Jesus: 1 – Viveu durante o tempo de Tibério César; 2 – Viveu uma vida virtuosa; 3 – Realizou Maravilhas; 4 - Teve um irmão chamado Tiago; 5 – Foi aclamado como Messias; 6 – Foi crucificado a mando de Pôncio Pilatos; 7 – Foi crucificado na véspera da Páscoa Judaica; 8 – Trevas e um terremoto aconteceram quando ele morreu; 9 – Seus discípulos acreditaram que ele ressuscitara dos mortos; 10 – Seus discípulos estavam dispostos a morrer por sua crença; 11 – O cristianismo espalhou-se rapidamente, chegando até Roma; 12 – Seus discípulos negavam os deuses romanos e adoravam Jesus como Deus. FONTES: Josefo; Tácito; Plínio, o jovem; Flegon; Talo; Suetônio; Luciano; Celso; Mara Bar-Serapião; e o Talmude de Babilônia.

Está claro que os quatro pontos grifados são negados categoricamente no Alcorão exatamente porque no século sétimo, no centro do deserto da Arábia, um homem entra em uma caverna, recebe supostamente a visita de um anjo que lhe diz que Jesus era muçulmano (centenas de anos antes do Islã existir), que Jesus não morreu na cruz e que, por implicação, Jesus não ressuscitou dos mortos. 

Historicamente, ninguém ousou dizer, antes do surgimento do Islã, que Jesus não morreu por crucificação ou que ele sobreviveu a crucificação. O que a apologética muçulmana responde a todas estas testemunhas da história? Baseados nos versos do Alcorão citados acima, eles afirmam que Jesus nem foi morto, nem foi crucificado, é a chamada Teoria da Substituição. Os muçulmanos teorizam que Jesus sequer foi colocado na cruz e o verso diz que pareceu para eles que era Jesus. Eles dizem que Allah fez parecer que era Jesus na cruz. Mas, como Allah fez isso? As mais antigas explicações muçulmanas para esse detalhe é que Allah supostamente colocou o rosto de Jesus em outra pessoa e essa outra pessoa foi crucificada no lugar de Jesus. Mas quem? Judas é um dos que os muçulmanos dizem que foi colocado na cruz no lugar de Jesus e o outro é Simão Cireneu, pois foi a pessoa que conduziu a cruz no lugar de Jesus e, segunda a narrativa da apologética muçulmana, ao chegar no lugar da crucificação, foi confundido com Jesus e crucificado no lugar dele. Estes são os argumentos da substituição que são usados. Mas aqui temos um dilema para o Islã. No capítulo 3:55 do Alcorão é dito que Allah enganou as pessoas que estavam na cena da crucificação, fazendo com que outra pessoa fosse crucificada no lugar de Jesus, contribuindo assim com o próprio surgimento do Cristianismo. Neste caso, sendo verdadeira esta teoria, Allah é o responsável pelo engano que é o Cristianismo. Este é um dos grandes problemas para os apologistas muçulmanos. É aqui que agradeço a oportunidade de prefaciar o livro do professor Wellington Galindo que, dotado de um espírito investigativo, se aventurou nos caminhos do orientalismo e se debruçou para ler, pesquisar e escrever sobre o islã. Espero que Deus levante outros pesquisadores e escritores sobre o tema e que muitos apologistas cristãos e evangelistas aos muçulmanos sejam encorajados a saírem de suas posições de timidez e se arvorem a confrontar as doutrinas equivocadas do islã sobre a fé cristã.


Recife, 24 de julho de 2022.


Walson Sales é Presbítero da IEADPE, Teólogo (UMESP), Filósofo (UFPE), Tradutor e Escritor.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Como o arminiano responde a 2Ts 3.2, “a fé não é de todos”?

 

A cláusula final,  porque a fé não é de todos, visa ser uma explicação da conduta hostil dalguns.  Fé  aqui pode ser entendida no sentido de confiança (nem todos os homens exercem fé) ou, menos provavelmente, como o corpo da fé (nem todos os homens aceitam a fé). As versões oferecidas por Frame, pág. 292, “pois a fé não é para todos” e “não são todos que são atraídos pela fé,” são menos prováveis que a de “porque nem todos os homens têm fé” (RSV), que entende a cláusula como espelho de experiência de Paulo. A declaração talvez pareça um pouco banal e desnecessária. Terá maior relevância se for visto não tanto como conclusão daquilo que acaba de ser dito quanto como introdução ao versículo seguinte; ou seja, Paulo a escreveu para servir de ligação com o versículo seguinte ao invés de ser uma declaração importante isoladamente. Ao mesmo tempo, a cláusula transmite o reconhecimento de Paulo de que, embora a oração seja em prol da pregação bem-sucedida da palavra, nem todos creem nem crerão.


I. Howard Marshall,  I e II Tessalonicenses: Introdução e Comentário, p. 250