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terça-feira, 22 de abril de 2025

A Bíblia: O Livro que Muitos Ignoram, Mas que Moldou o Mundo - Um adendo

Por Walson Sales

A Bíblia é um dos textos mais influentes e amplamente distribuídos da história, mas, paradoxalmente, também é um dos mais ignorados. Seja por indiferença, desconhecimento ou rejeição deliberada, muitos deixam de explorar seu conteúdo e subestimam seu impacto. No entanto, a Bíblia não é apenas um livro de regras religiosas ou uma coletânea de histórias antigas; ela é um testemunho da história humana, um alicerce da moralidade e uma fonte de esperança para bilhões de pessoas ao longo dos séculos.

Ignorar a Bíblia não muda o fato de que ela moldou civilizações, inspirou leis, influenciou a arte e a literatura, e ofereceu respostas a perguntas que continuam desafiando a humanidade. Neste artigo, exploraremos a importância da Bíblia, suas implicações lógicas e o que se perde ao ignorá-la.

1. A Bíblia: Um Livro que Vai Além da Religião

1.1. Uma Coleção de Livros, Não Apenas Um Livro

Diferente do que muitos pensam, a Bíblia não é um único volume escrito por um único autor, mas uma biblioteca de sessenta e seis livros (ou mais, dependendo do cânone adotado). Escrita em três idiomas – hebraico, aramaico e grego – ao longo de aproximadamente 1.500 anos, ela reúne gêneros literários diversos:

- Literatura sapiencial (Provérbios, Eclesiastes)  

- Poesia (Salmos)  

- Narrativas históricas (Reis, Crônicas)  

- Profecias e escritos apocalípticos (Isaías, Apocalipse)  

- Biografias e cartas (Evangelhos, Epístolas Paulinas) 

A diversidade de autores e estilos torna a Bíblia um fenômeno literário singular. Se fosse apenas um conjunto aleatório de escritos religiosos, não deveria haver tanta coerência temática ao longo dos séculos.

1.2. A Coerência Temática ao Longo dos Séculos

Apesar da multiplicidade de autores e contextos históricos, a Bíblia apresenta um enredo coeso:

1. Criação – Um Deus único cria um mundo bom.

2. Queda – A humanidade se rebela e corrompe essa criação.

3. Redenção – Deus escolhe um povo (Israel) para trazer restauração.

4. Cumprimento – Jesus Cristo vem como o Messias, cumprindo as promessas.

5. Consumação – A esperança de uma nova criação, onde Deus restaurará todas as coisas.  

Se fosse apenas uma coleção de mitos e lendas, como explicar essa continuidade lógica?  

2. O Impacto da Bíblia na Sociedade

2.1. A Base das Leis e dos Direitos Humanos

Os princípios bíblicos influenciaram profundamente a formação das leis ocidentais. O conceito de dignidade humana, a ideia de justiça imparcial, a valorização da liberdade individual e a noção de direitos humanos universais têm raízes na visão bíblica do homem como imagem de Deus (Gênesis 1:27).

As sociedades que mais prosperaram em liberdade e justiça foram aquelas moldadas por esses valores. Ignorar a Bíblia significa ignorar os fundamentos de muitas das liberdades que hoje são tomadas como garantidas.

2.2. A Influência na Arte, Literatura e Cultura

A Bíblia foi uma das maiores inspirações para a arte e a literatura. Obras como A Divina Comédia (Dante), O Paraíso Perdido (Milton) e até filmes contemporâneos são permeados por temas bíblicos.

Mesmo aqueles que rejeitam a fé não podem negar que a Bíblia influenciou profundamente a cultura humana. Ao ignorá-la, perde-se a compreensão de grande parte da produção artística e literária da humanidade. 

3. O Que Se Perde ao Ignorar a Bíblia?

3.1. O Conhecimento da História Humana

A Bíblia é também um documento histórico. Eventos, cidades e personagens bíblicos foram confirmados por achados arqueológicos.

Quem ignora a Bíblia ignora uma peça essencial da compreensão do passado humano.

3.2. Respostas a Questões Fundamentais

A Bíblia lida com as grandes perguntas da existência:

De onde viemos?

Por que há sofrimento no mundo?

O que acontece depois da morte?

Existe um propósito na vida?

Seja para aceitar ou refutar suas respostas, é preciso conhecê-las primeiro. Muitos rejeitam a Bíblia sem sequer estudá-la profundamente.

Conclusão: Um Livro que Não Pode Ser Ignorado

A Bíblia não é apenas um livro religioso; é um documento histórico, cultural e filosófico de importância inquestionável. Negligenciá-la é negligenciar uma parte fundamental da identidade humana.

Mesmo que alguém não acredite em sua mensagem espiritual, ignorar seu conteúdo significa perder uma fonte riquíssima de sabedoria, história e cultura.

Seja para criticar ou para compreender, a única posição intelectualmente honesta é conhecê-la antes de descartá-la.

Este artigo foi inspirado em reflexões contidas no livro The Surprising Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers Are Considering Christianity Again, de Justin Brierley. A obra explora como muitos pensadores contemporâneos, mesmo fora do contexto religioso, têm reconsiderado o Cristianismo e sua influência na cultura, na moralidade e na visão de mundo. A partir dessa perspectiva, analisamos a importância da Bíblia não apenas como um texto religioso, mas como um fundamento essencial para a civilização ocidental e um dos livros mais influentes da história.

Questionário para Quem Ignora a Bíblia

1. Se a Bíblia é irrelevante, por que continua sendo o livro mais influente da história?

2. Como explicar a coerência temática da Bíblia, considerando que foi escrita por dezenas de autores em diferentes épocas e culturas? 

3. Se a moralidade não tivesse sido moldada pelos princípios bíblicos, como seriam as sociedades modernas?

4. Por que tantos regimes totalitários tentaram erradicar a Bíblia? O que eles temiam?

5. Se a Bíblia não tivesse existido, o que teria preenchido seu lugar na construção da civilização?

6. Como a Bíblia sobreviveu a séculos de perseguição, censura e tentativas de destruição?

7. Se a Bíblia fosse apenas um livro de mitos, por que tantas pessoas continuam sendo transformadas por sua mensagem?

8. Por que a Bíblia é um dos livros mais lidos e estudados no mundo, mesmo em sociedades secularizadas?

9. Se a Bíblia fosse apenas um texto religioso ultrapassado, por que seu impacto na cultura, na arte e na filosofia continua tão evidente?

10. Você já leu a Bíblia completamente antes de decidir que ela não tem valor?

A indiferença à Bíblia não muda o fato de que ela moldou a humanidade. A verdadeira questão não é se a Bíblia é importante, mas se estamos dispostos a reconhecê-la e aprender com ela.

A Bíblia: O Livro que Moldou o Mundo

Por Walson Sales

Durante o feriado, aproveitei para mergulhar em algumas leituras e revisitar obras que me marcaram. Uma delas foi _The Surprising Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers are Considering Christianity Again, de Justin Brierley. No capítulo 4, deparei-me com um trecho fascinante sobre a importância e a atualidade da Bíblia, um tema que continua relevante mesmo diante do secularismo crescente.

Por muitos anos, o Novo Ateísmo tentou desacreditar a Bíblia, classificando-a como um livro antiquado, repleto de mitos e irrelevante para o mundo moderno. No entanto, o que estamos testemunhando é um movimento contrário: pensadores seculares estão reconsiderando o Cristianismo, e a Bíblia continua a demonstrar sua força e influência cultural.

Ao longo da história, poucos livros tiveram um impacto tão profundo e abrangente quanto a Bíblia. Mesmo entre os mais ferrenhos críticos do cristianismo, há um reconhecimento inegável de sua influência moral e cultural. Desde a formação das línguas e literaturas até os fundamentos de leis e princípios de justiça, as Escrituras serviram como alicerce para o desenvolvimento de sociedades. Longe de ser um documento ultrapassado, a Bíblia continua a moldar o pensamento, inspirar movimentos sociais e influenciar o debate sobre os grandes dilemas da humanidade.

Este artigo explora como a Bíblia influenciou a cultura, a linguagem, a literatura e a sociedade, desafiando aqueles que negam sua importância a refletirem sobre sua relevância inquestionável.

1. A Bíblia e a Construção da Cultura Ocidental

Mesmo os chamados "Novos Ateus", como Christopher Hitchens e Richard Dawkins, reconhecem a influência cultural da Bíblia. Hitchens admitiu que a versão do Rei Tiago (King James Version) forneceu "um estoque comum de referências e alusões" comparável apenas a Shakespeare. Da mesma forma, Dawkins financiou um projeto para disponibilizar essa versão em todas as escolas do Reino Unido, não por motivos religiosos, mas porque a via como uma grande obra literária.

A Bíblia influenciou profundamente a literatura ocidental, dando origem a expressões que fazem parte do vocabulário cotidiano, como "sal da terra", "bom samaritano" e "andar a segunda milha". Até mesmo o termo "os quatro cavaleiros", adotado por Hitchens, Dawkins, Sam Harris e Daniel Dennett para descrever sua cruzada ateísta, vem diretamente do livro de Apocalipse.

2. A Influência na Literatura e na Educação

Grandes escritores, como Dante, Milton e Shakespeare, foram fortemente influenciados pela Bíblia. Shakespeare, por exemplo, baseou-se fortemente na tradução de William Tyndale do Novo Testamento. Além disso, a cadência e a beleza dos textos bíblicos moldaram a poesia e a literatura subsequente.

A escritora Marilynne Robinson descreveu a Bíblia como "O Livro dos Livros", argumentando que mesmo quando as referências bíblicas na literatura moderna são usadas de forma decorativa ou inconsciente, elas ainda são um reflexo da persistência dessa tradição literária poderosa.

A exclusão da Bíblia dos currículos educacionais modernos tem sido motivo de indignação para muitos intelectuais. O comunicador Melvyn Bragg lamenta que a Bíblia tenha sido relegada ao estudo religioso, enquanto Shakespeare continua a ser um pilar da educação. Segundo ele, ao removermos a Bíblia do ensino, estamos destruindo "catedrais da linguagem que são únicas no mundo".

3. O Impacto Social e Moral da Bíblia

O impacto da Bíblia não se limita ao mundo ocidental. O reformador social Vishal Mangalwadi argumenta que a influência bíblica trouxe progresso e libertação para diversas culturas. Na Índia, por exemplo, os missionários cristãos que traduziram a Bíblia para línguas locais acabaram por estabelecer as bases para a alfabetização e o desenvolvimento cultural.

Além disso, a cosmovisão bíblica ajudou a abolir práticas desumanas, como a queima de viúvas e o infanticídio de meninas. Mangalwadi vai além, afirmando que a independência da Índia foi, em grande parte, um fruto dos valores cristãos introduzidos pelos missionários.

4. A Beleza Intrínseca da Mensagem Bíblica

A influência da Bíblia não se deve apenas à sua grandiosidade literária, mas também à verdade e à beleza das ideias que ela expressa. A força do texto bíblico reside no fato de que ele não apenas moldou a cultura, mas continua a oferecer respostas e orientações para questões universais sobre moralidade, justiça e propósito de vida.

O Novo Ateísmo Está Perdendo Força?

O que torna essa discussão ainda mais interessante é que o próprio Novo Ateísmo, tão influente nas últimas décadas, está em declínio. Muitos de seus principais expoentes já não exercem o mesmo impacto, e novos pensadores estão reconsiderando a relevância do cristianismo. Filósofos e cientistas seculares começaram a admitir que o materialismo puro não fornece respostas satisfatórias para questões fundamentais da existência, como a origem da moralidade, da consciência e do próprio universo.

A redescoberta da importância da Bíblia faz parte desse movimento. Não se trata apenas de um livro antigo, mas de um texto que continua a desafiar e moldar a humanidade.

Conclusão

Ao revisitar The Surprising Rebirth of Belief in God, tornou-se ainda mais evidente que a Bíblia não é um vestígio ultrapassado do passado, mas um livro vivo, com implicações para o presente e o futuro. A tentativa de relegá-la à irrelevância fracassou e, ironicamente, até mesmo aqueles que a criticaram no passado começam a reconhecer sua importância cultural e filosófica.

Talvez a questão não seja se a Bíblia ainda é relevante, mas por que tantas pessoas continuam voltando a ela, mesmo após tentativas incansáveis de desacreditá-la. O que há nesse livro que resiste ao tempo e transforma vidas geração após geração? Essa é uma pergunta que nenhum cético pode ignorar.

Mais do que um texto religioso, a Bíblia é um pilar da civilização. Seu impacto na cultura, na moralidade, na literatura e na formação de nações é inquestionável. Mesmo aqueles que rejeitam sua mensagem espiritual não podem negar sua influência na construção do mundo em que vivemos.

Se a Bíblia for completamente removida da sociedade moderna, o que restará? Como preencher o vazio deixado pela ausência de seus princípios de justiça, compaixão e verdade? A história já demonstrou que sociedades que tentam eliminar sua influência acabam substituindo-a por sistemas autoritários e desumanos.

A Bíblia moldou o mundo — e continua a transformar aqueles que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir.

Questionário

1. Se a Bíblia fosse apenas um livro comum, por que teria sido um dos textos mais perseguidos e banidos ao longo da história?

2. Se a Bíblia não tivesse influência, por que até mesmo críticos do cristianismo, como Hitchens e Dawkins, a reconhecem como um dos pilares culturais do Ocidente?

3. Como você explica o fato de que a moralidade e os direitos humanos modernos são fundamentados em princípios que a Bíblia estabeleceu há milênios? 

4. Se a Bíblia não tem importância, por que sua exclusão dos currículos escolares causa tanto impacto e indignação entre estudiosos e intelectuais?

5. Se a Bíblia fosse irrelevante, por que tantas pessoas ao longo da história arriscaram suas vidas para preservá-la e compartilhá-la?

Esse questionário desafia aqueles que negam a importância da Bíblia a refletirem com mais profundidade sobre seu impacto no mundo. Afinal, negar a influência das Escrituras é negar um dos pilares fundamentais da civilização.

sábado, 12 de abril de 2025

A Bíblia: Um Livro Único e Inquestionável

Por Walson Sales

Antes de iniciar a introdução deste artigo, gostaria de destacar que me baseei no texto do Richard M. Fales, Ph.D., presente na The Evidence Study Bible: All You Need to Understand and Defend Your Faith, uma Bíblia de grande relevância. Esta obra se destaca não apenas pela clareza de sua linguagem, que é acessível e evangelística, mas também por sua defesa da teoria da criação bem popular, uma posição defendida por muitos pentecostais no Brasil. 

Essa Bíblia é uma excelente ferramenta para fortalecer a fé e proporcionar uma compreensão mais profunda da Escritura, aliando uma visão apologética com a defesa das evidências científicas que confirmam a veracidade da Bíblia. Considero que esta obra merece ser traduzida e publicada no Brasil, pois será um recurso valioso para cristãos de diferentes contextos, principalmente em um país como o Brasil, onde muitos se deparam com desafios relacionados à fé e à ciência.

Nenhum outro livro antigo é tão atacado, questionado e submetido a escrutínio como a Bíblia. Críticos se esforçam para desacreditá-la, apontando supostas lacunas entre os eventos registrados e as cópias mais antigas que possuímos. Alegam que as Escrituras foram manipuladas ao longo dos séculos e que os relatos nelas contidos não são confiáveis. No entanto, ao contrário dessas alegações infundadas, as evidências históricas, arqueológicas e manuscritas mostram que a Bíblia é um documento confiável e imutável ao longo do tempo.

Se aplicarmos à Bíblia os mesmos critérios de confiabilidade que usamos para outros textos históricos, sua autenticidade se mostrará indiscutível. Então, por que esse duplo padrão? Por que documentos históricos com muito menos evidências são aceitos sem questionamento, enquanto a Bíblia é constantemente alvo de ataques? Vamos analisar as evidências que sustentam sua confiabilidade e importância.

1. Evidências Manuscritas: A Confiabilidade Textual da Bíblia

Uma das objeções mais comuns contra a Bíblia é a suposta falta de confiabilidade dos manuscritos que chegaram até nós. Os críticos frequentemente alegam que há um grande intervalo de tempo entre os eventos descritos na Bíblia e a redação dos primeiros manuscritos, sugerindo que isso comprometeria a precisão e autenticidade do texto bíblico. No entanto, uma análise criteriosa dos manuscritos da Bíblia, especialmente do Novo Testamento, revela que essas alegações não se sustentam.

Para entender melhor essa questão, podemos comparar a transmissão dos textos bíblicos com outras obras da antiguidade amplamente aceitas. Por exemplo:

- A "Ode à Poética" de Aristóteles foi escrita entre 384 e 322 a.C., mas o manuscrito mais antigo disponível hoje data do ano 1100 d.C. o que significa um intervalo de aproximadamente 1.400 anos entre o original e as cópias mais antigas que possuímos. Além disso, existem apenas 49 manuscritos conhecidos dessa obra.

- As "Tetrálogias" de Platão foram escritas entre 427 e 347 a.C., e o manuscrito mais antigo conhecido é de 900 d.C., um intervalo de mais de 1.200 ano, com apenas sete cópias sobreviventes.

Agora, comparemos esses números com a transmissão dos manuscritos do Novo Testamento:

- Jesus foi crucificado por volta do ano 30 d.C.

- O Novo Testamento foi escrito entre 48 e 95 d.C., ou seja, dentro de uma única geração dos eventos descritos.

- Os manuscritos mais antigos datam da última parte do primeiro século e o segundo mais antigo é de 125 d.C., representando um intervalo de apenas 35 a 40 anos entre os eventos originais e os primeiros manuscritos preservados. 

- Atualmente, existem 5.300 manuscritos gregos do Novo Testamento e, se incluirmos traduções antigas em síriaco, latim, copta e aramaico, esse número salta para impressionantes 24.633 manuscritos!

Isso significa que a Bíblia não apenas supera todas as outras obras antigas em número de cópias manuscritas, mas também apresenta um intervalo de tempo entre o original e as cópias mais antigas muito menor do que qualquer outro documento histórico. Essa grande quantidade de manuscritos possibilita uma reconstrução altamente precisa do texto original, com um grau de confiabilidade sem precedentes.

Portanto, a alegação de que houve um grande intervalo de tempo entre os eventos do Novo Testamento e sua escrita não tem fundamento. A vasta evidência manuscrita prova, além de qualquer dúvida razoável, que o Novo Testamento que temos hoje é essencialmente o mesmo que foi escrito há quase 2.000 anos.

2. O Cânon Bíblico: Fatos vs. Mitos

Outro argumento frequentemente levantado contra a Bíblia é a ideia de que os livros do Novo Testamento foram escolhidos arbitrariamente em concílios da Igreja, como o de Nicéia (325 d.C.). No entanto, esse argumento carece de fundamento histórico. 

Os livros do Novo Testamento não foram escolhidos por decisão humana em um concílio. Pelo contrário, os cristãos desde o século I já reconheciam os escritos apostólicos como inspirados e os preservavam cuidadosamente. Os concílios apenas confirmaram o que a Igreja já acreditava e utilizava.

Além disso, o Antigo Testamento já estava consolidado muito antes da era cristã. O próprio Jesus reconheceu a autoridade das Escrituras judaicas (Lucas 24:44). Portanto, a ideia de que o Imperador Constantino "decidiu" quais livros fariam parte da Bíblia é um mito popular sem respaldo histórico.

3. Profecias Cumpridas: A Assinatura de Deus na História

Outro fator que atesta a autenticidade da Bíblia é o cumprimento impressionante de profecias feitas séculos antes de sua realização. Nenhum outro livro da história faz previsões tão específicas e detalhadas sobre eventos futuros com tamanha precisão.

Profecias sobre Nações e Cidades

A Bíblia não apenas menciona impérios e cidades da antiguidade, mas também previu o ascensão e queda de grandes impérios, como a Grécia e Roma:

- Em Daniel 2:39-40, foi profetizado que após o Império Babilônico surgiriam impérios sucessivos que dominariam o mundo. Isso foi cumprido na ordem exata: o Império Medo-Persa, seguido pelo Império Grego sob Alexandre, e posteriormente pelo Império Romano.

Outro exemplo impressionante é a profecia sobre a destruição da cidade de Tiro (Isaías 23). A Bíblia previu que Tiro seria destruída e seus escombros seriam jogados ao mar. O cumprimento dessa profecia é registrado pela história: 

- Nabucodonosor, rei da Babilônia, tentou tomar a cidade de Tiro em 573 a.C. e falhou em destruí-la completamente, pois a maior parte da população fugiu para uma ilha próxima.

- Alexandre, o Grande, em 332 a.C., completou a destruição ao construir um caminho artificial sobre o mar, utilizando os destroços da cidade destruída para alcançar e destruir a parte insular de Tiro. Esse evento histórico cumpriu com exatidão o que foi predito em Ezequiel 26:12.  

Profecias sobre Jerusalém e o Templo

Jesus fez uma profecia impressionante sobre a destruição de Jerusalém e do Templo registrada em Mateus 24:1-2 e Lucas 21. Ele previu que não restaria *pedra sobre pedra* do Templo, e que Jerusalém seria invadida e destruída.

Essa profecia se cumpriu no ano 70 d.C. quando Tito, o general romano, sitiou Jerusalém e destruiu completamente o Templo, exatamente como Jesus havia predito. Além disso, os judeus foram dispersos pelo mundo, cumprindo a profecia da diáspora judaica.

4. Profecias Messiânicas: A Identidade de Jesus

O Antigo Testamento contém mais de 300 profecias messiânicas, muitas das quais foram cumpridas na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Algumas das mais notáveis incluem:

- Nascimento em Belém – Profetizado em Miquéias 5:2, cumprido em Mateus 2:1.  

- Nascimento de uma virgem – Profetizado em Isaías 7:14, cumprido em Mateus 1:23.  

- Traição por 30 moedas de prata – Profetizado em Zacarias 11:12-13, cumprido em Mateus 26:15.

- Morte por crucificação – Profetizado em Salmos 22 (muito antes da crucificação ser uma prática comum), cumprido em João 19:18.

- Sepultamento em túmulo de um homem rico – Profetizado em Isaías 53:9, cumprido em Mateus 27:57-60.

O impressionante dessas profecias é que elas foram registradas séculos antes do nascimento de Jesus, eliminando qualquer possibilidade de fraude ou manipulação. Não há outro personagem na história que tenha cumprido todas essas profecias além de Jesus de Nazaré.

Se alguém tentasse reunir todas as profecias messiânicas e aplicá-las a uma única pessoa por coincidência, a probabilidade matemática de que elas fossem cumpridas em um único indivíduo seria astronomicamente pequena. O cumprimento dessas profecias atestam, de maneira irrefutável, que a Bíblia não é um livro comum, mas a Palavra inspirada de Deus.

Conclusão

Diante das evidências, a confiabilidade da Bíblia se mostra inegável. Desde sua preservação manuscrita até suas profecias cumpridas, a Escritura Sagrada resiste ao teste do tempo e continua sendo a fonte de verdade para bilhões de pessoas ao longo da história.

Seus críticos aplicam um padrão duplo: aceitam textos com pouca ou nenhuma evidência manuscrita e ignoram as milhares de provas que sustentam a veracidade da Bíblia. Por que essa resistência? O problema não é falta de evidências, mas uma recusa deliberada em aceitar a mensagem que a Bíblia carrega.

Se a Bíblia realmente é a Palavra de Deus, ignorá-la não é apenas irracional, mas pode ter consequências eternas.

Questionário para os Críticos da Bíblia

1. Se confiamos nos escritos de Platão e Aristóteles com tão poucos manuscritos e uma grande lacuna temporal, por que não confiamos na Bíblia, que tem muito mais evidências?

2. Qual outra obra da Antiguidade possui tantas confirmações arqueológicas e manuscritas quanto a Bíblia?

3. Como explicar o cumprimento preciso de centenas de profecias bíblicas sem recorrer à inspiração divina?

4. Se a Bíblia foi "alterada" ao longo dos séculos, por que os milhares de manuscritos encontrados em diferentes épocas e regiões mostram que seu conteúdo permaneceu essencialmente inalterado?

5. Se a Bíblia foi escrita por homens e não tem inspiração divina, como ela conseguiu influenciar profundamente a história, a cultura, o direito e a moral de nações inteiras por milênios?

6. Se a Bíblia fosse apenas um livro humano, por que tantos intelectuais céticos tentam refutá-la incessantemente, ao invés de simplesmente ignorá-la?

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Porque uma interpretação correta das Escrituras torna-se extremamente necessárias nos dias atuais?

Assistimos nos últimos anos o surgimento de várias novas "teologias" que procuram de alguma forma dar novas interpretações aos textos da Bíblia Sagrada mas, qual delas traz um real sentido das Escrituras?

Sobre a autoria da Bíblia Sagrada

Há alguns dias, ouvi uma pessoa afirmar: Creio em Deus, mas não acredito que a Bíblia seja a Palavra de Deus pois foi escrita por homens.

A autoria a Bíblia Sagrada sofre verdadeiros ataques, há alguns pensamentos, não só modernos, mas já algum tempo, de que a autoria da Bíblia pode e deve ser questionada, afinal foi escrita por homens que, por sua vez, são falhos.

Existe pelo menos 3 tipos de pensamentos sobre a Bíblia Sagrada conforme Noman Geisler e William Nix (2006, p.16), entretanto, vamos nos deter no pensamento ortodoxo:

O ensino Ortodoxo, que afirma ser a Bíblia a Palavra de Deus, sendo esta ditada, mas não de forma mecânica e sim de uma forma que Deus respeita a personalidade humana. Ainda levando em consideração do conceito de inspiração conceitual de cada autor, respeitando a forma literária de cada um. 

Sobre inspiração divina

Podemos dizer que a Bíblia Sagrada é um livro singular de autoria divino- humana, pois ela foi inspirada por Deus e da mesma maneira escrita por homens que estiveram sob inspiração e supervisão do Espírito Santo:

Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atende-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vosso coração, sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidas pelo Espírito Santo. (2Pe 1.19-21)

A Teologia Sistemática Pentecostal afirma que: A Bíblia Sagrada é um livro de dupla autoria. Se por um lado, foi inspirada por Deus; por outro, não podemos nos esquecer de ter sido escrita por homens que estiveram sob a inspiração e supervisão do Espírito Santo. (p.20).

A Bíblia Sagrada além de ser a própria Palavra de Deus, ela auxilia o homem para uma melhor compreensão sobre Deus, O Deus Criador, Todo-Poderoso, portanto, concordamos com Heber que diz que “As Escrituras são os óculos através dos quais podemos ver claramente quem está por trás das obras da criação.” (CAMPOS, 2018, p.49, Vl. 01).

A Bíblia é a Palavra de Deus, mas devemos concordar com Thomas Brown ao dizer que “A Palavra de Deu, pois é o que creio serem as Sagras Escrituras; Fosse apenas obra do homem, seria a mais singular e sublime, desde o primeiro instante da criação” (BROWN, 1985 apud GILBERTO, ANDRADE, ZIBORDI, CABRAL, et al, 2008, p.21). A 

Bíblia é um livro incrivelmente singular, por possuir uma dupla natureza em sua autoria a divina e a humana. O que deixa a deixa um tanto quanto interessante em sua leitura é que em nenhum momento essas duas naturezas entram em contradição ou violam-se, pois a inspiração divina é inviolável. Como a Bíblia tem em sua característica ser um livro de coautoria humana, podemos observar que nela contém estilos literários característicos já abordados neste trabalho anteriormente, como podemos observar as poesias, histórias, discursos, profecias e dissertações acerca da pessoa de Deus e de suas relações com o homem e com a natureza contidas em toda a bíblia Sagrada. Como os estilos literários individuais dos homens não foram violados pela inspiração divina, desta forma, é definida a doutrina da inspiração divina dada aos homens na produção da Bíblia Sagrada (2Tm 3.16).

Podemos observar que a Bíblia é um livro humano, foi escrita por autores humanos por isso se fez necessário a preservação das formas literárias, pois, elas são características das produções literárias humanas, sabendo que cada homem em sua individualidade tem uma característica singular podendo esta variar de acordo com a época e ponto de vista, e com a bíblia não poderia ser diferente, existem aproximadamente 45 homens diferentes que foram usados por Deus para escrever Sua Palavra. Ainda em relação a autoria humana a Bíblia foi escrita em línguas humanas: 

“(Hebreu no Antigo Testamento e Grego no Novo Testamento). A Bíblia é expressa em estilos literários humanos (incluindo a elevada poesia de Isaías, as lamentações pesarosas de Jeremias, as parábolas de Jesus registradas nos evangelhos e a apresentação didática de Paulo)” (ZACHARIAS; GEILER, 2016, p.127).

Portanto, a Bíblia além de ser um livro humano, pois foi desenvolvida, sistematizada e preservada por homens através das tradições orais, posteriormente escrita e traduzida por homens igualmente compromissados com Deus em transmitir a sua revelação especial. Entretanto, a autoria da Bíblia não se limita somente aos homens que a escreveram, Deus tornou que esta Revelação Especial fosse possível graças ao que chamamos na teologia de Inspiração.


Por Rafael Félix.

sábado, 24 de dezembro de 2022

O FINAL DO EVANGELHO DE MARCOS (16.9-20) É AUTÊNTICO?

 

Leandro Mendonça Justino [1]


INTRODUÇÃO


Depois de ter comentado uma imagem compartilhada por meu professor, Walson Sales, em uma lista de transmissão pelo WhatsApp, fui convidado por ele a escrever sobre um dos assuntos teológicos contido naquela imagem. O assunto era crítica textual. Na imagem um pastor da Igreja Batista Redenção[2] estava sendo questionado por uma pessoa sobre a atualidade dos dons espirituais (é o que dá a entender), essa pessoa cita um texto que se encontra no final do evangelho de Marcos (16.17,18) e questiona ao pastor se ele acreditava nas palavras de Jesus registradas naqueles versículos. Uma das coisas respondida pelo pastor é que Jesus não falou aquelas palavras e que esse texto é uma inserção feita no texto bíblico no século dois, e que ele acreditava em um texto falso. Então o rapaz questiona: “esse texto não deveria estar na bíblia?” O pastor responde: “esse texto não está na bíblia, alguém colocou lá”. Essas são algumas das informações relevantes daquela imagem.

Por conseguinte, temos por finalidade responder essa pergunta: o final do evangelho de Marcos (16.9-20) não deveria estar na Bíblia? Esse questionamento surgiu “desde que Tischendorf descobriu o Códice Sinaítico, em meados do século dezenove” (PAROSCHI, 2012, p. 208), onde essa passagem não se encontra registrada nele. Esse manuscrito é considerado um dos melhores manuscritos que possuímos pela maioria dos críticos textuais. 

Vamos iniciar essa pesquisa tentando entender a problemática.


ENTENDENDO A QUESTÃO


Para entendermos essa questão da não autenticidade de um texto bíblico do Novo Testamento, o que é para muitos uma dificuldade intelectual, se faz necessário entender como o texto em português que possuímos e utilizamos é produzido. As nossas Bíblias são uma tradução. Acredito que todos saibam que o Novo Testamento não foi escrito originalmente em português. De fato, ele foi escrito em Grego em uma época onde a imprensa ainda não tinha sido inventada e muito menos a foto cópia. No primeiro século, quando o Novo Testamento foi escrito a única maneira de preservar um documento era copiando a mão. E, o que acontece quando tentamos copiar as palavras de um livro à mão? Certamente, erros são cometidos, uma palavra é escrita errada, uma palavra é omitida, uma linha pode ser pulada, pode ser acrescentado uma palavra, etc., e quando nós analisamos as mais de 5.800 cópias do Novo Testamento que possuímos espalhadas pelo mundo é exatamente isso o que observamos, nenhum manuscrito concorda com outro em todos os lugares. Mas, isso não seria um problema se tivéssemos os livros originais do Novo Testamento, pois bastaria comparar as cópias com os documentos originais, identificar os erros e corrigir. Entretanto, nós não possuímos nenhum documento original do Novo Testamento. Temos apenas suas cópias. Isso é um fato e não tem como se esquivar disso. Todavia, não ter os livros originais do Novo Testamento não quer dizer necessariamente que não temos o texto original, vale a pena ter isso em mente, o importante é o texto e não o documento físico.[3]

Dessa forma, para produzir um texto grego do Novo Testamento precisamos de uma disciplina especial que tem por objetivo reconstruir o texto de um documento cujo o original foi perdido ou destruído e que suas cópias sobreviventes possuem divergências entre si – a crítica textual. A crítica textual não deve ser entendida como um apontamento de defeitos do texto do Novo Testamento, mas como um exercício de julgamento. Visto que não temos os documentos originais do Novo Testamento e suas cópias que sobreviveram possuem diferenças entre si, então precisamos avaliar e tentar descobrir qual é o texto correto que o autor escreveu e qual é o texto errado acrescentado ou omitido por aquele que o copiou. E, para isso precisamos de uma metodologia. Não podemos simplesmente escolher os textos que gostamos, e excluir os que não queremos, como as Testemunhas de Jeová fazem com sua bíblia mutilada, a Tradução do Novo Mundo. Precisamos de uma metodologia e precisamos ser consistentes em sua utilização.


EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA


Aqui está a chave para entender porque algumas pessoas defendem que o final do evangelho de Marcos (16.9-20) é autêntico e outras não – a metodologia. Existem mais de 5.800 manuscritos Gregos do Novo Testamento, e ninguém até hoje foi capaz de contar quantas diferenças há entre esses manuscritos. O Novo Testamento em Grego, segundo Wallace (2009) tem 138.162 palavras.[4] Uma estimativa dada por Komoszewski, Sawyer e Wallace (2006, p. 54) é que existem 400.000 diferenças ou erros entre os manuscritos gregos, sem contar as versões[5], poderíamos dizer que em média para cada palavra do Novo Testamento em Grego temos três opções. Porém, não devemos nos assustar com esses números, pois apenas mais ou menos 1% do texto Grego do Novo Testamento é afetado por esses erros, de modo a alterá-los de alguma forma significativa e possuindo alguma chance de ser o texto original, os outros 99% do texto os estudiosos não possuem duvidas, pois os erros que aparecem nos manuscritos são fáceis de serem identificados e corrigidos, ou não possuem chance de serem o texto original. Chamamos tecnicamente esses erros entre os manuscritos de variantes textuais.[6] E onde estão essas variantes que alteram o sentido do texto de alguma forma significativa e possuem alguma possibilidade de serem o texto original do Novo Testamento? Esses 1% (1.438)[7] do texto em Grego e suas variantes se encontram nas notas de roda pé (aparato crítico) da Bíblia em Grego da Sociedade Bíblica do Brasil, o GNT (The Greek New Testament), você também pode ver com mais facilidade todas essas variantes e quais as passagens bíblicas que são afetadas no livro: Variantes Textuais do Novo Testamento, do autor: Roger L. Omanson.[8]

São os críticos textuais que trabalham com essas variantes, eles utilizam vários argumentos textuais para dizer qual variante é mais provável de ser o texto original. Isso eles fazem se baseando nas evidências. As evidências são classificadas como sendo de natureza interna e externa. De acordo com Blomberg (2014) a evidência externa se refere ao número e à natureza dos manuscritos que apoiam cada leitura variante. E a evidência interna é a avaliação das mudanças que um copista provavelmente faria, intencionalmente ou não, bem como o que o autor original provavelmente teria escrito. 

Conforme Porter e Pitts (2015), existem diversas metodologias utilizadas para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento e entre elas estão: a abordagem genealógica, a do texto majoritário, os métodos ecléticos e o modelo de texto único. Cada metodologia dá uma certa ênfase as evidências e dessa forma dependendo da metodologia adotada teremos um texto diferente. 

Apesar de ter mencionado quatro metodologias que podem ser adotadas na reconstrução do texto Grego do Novo Testamento, nessa pesquisa defendo o ecletismo ponderado, pois, ela é a metodologia mais coerente e adequada para o Novo Testamento, porque ela dá a mesma importância as evidências (interna e externa). O método eclético possui duas categorias, o ecletismo rigoroso e o ponderado. O motivo pelo qual eu não adoto o ecletismo rigoroso é porque ele não dá muita importância as evidências externas, um crítico textual que se considera um eclético rigoroso é Keith Elliott, o seu posicionamento é que o final do evangelho de Marcos foi perdido.[9] E ao dar ênfase as evidências internas ele não leva em consideração ao tomar esse posicionamento o fato de que provavelmente o evangelho de Marcos foi escrito em formato de rolo, e nesse tipo de manuscrito o final é o mais protegido, então o último texto que poderia ser perdido é justamente o final, mas o ecletismo rigoroso ao dar ênfase as evidências internas, não leva em consideração essas informações das evidências externas. 

O ecletismo rigoroso é um extremo, do outro lado, na outra extremidade se encontra os defensores do texto majoritário, dando ênfase as evidências externas. Esse extremo também deve ser evitado por uma questão simples de logica. Os defensores do texto majoritário advogam a causa de que o texto original do Novo Testamento está preservado na maioria dos manuscritos, porém, se um texto falso foi copiado mais vezes do que o texto original isso faria o texto falso se tornar o texto original? Claro que não, uma mentira contada milhares de vezes não se torna verdade, por esse motivo a maioria dos críticos textuais rejeitam a abordagem do texto majoritário. A questão aqui não é poucos manuscritos versus milhares de manuscritos, mas é um texto preservado em poucos manuscritos contra um texto preservado em milhares de manuscritos. É um contra um. Qual é o mais provável de ser o texto original? Onde as evidências nos levam? A crítica textual é mais complexa do que simplesmente contar manuscritos como os defensores do texto Majoritário fazem. 

E, é justamente essa complexidade que faz com que o método genealógico se torne inadequado para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento. Diferente do Alcorão, o Novo Testamento não teve sua distribuição controlada. Quando Paulo escreveu a carta aos Romanos, ele a enviou por meio de uma irmã chamada Febe, e depois disso, ele não tinha mais controle sobre o texto de sua carta. Cada cristão quando podia, sempre estava fazendo uma cópia do seu livro para preservar para a posteridade o texto das Escrituras. Dessa forma, é muito difícil dizer de que manuscrito um manuscrito do Novo Testamento foi copiado, dificultando a reconstrução de uma árvore genealógica.

Enquanto os defensores do texto majoritário dão ênfase as evidências externas, o modelo de texto único utiliza apenas as evidências externas e não dá valor algum as evidências internas. Em conformidade com Porter e Pitts (2015), o modelo de texto único propõe o uso de um único manuscrito antigo, tendo por objetivo apresentar um texto que era realmente usado pela igreja antiga, deixando as responsabilidades críticas do texto com os editores antigos, que teriam acesso a manuscritos anteriores e melhores do que os editores modernos. O problema desse método é que ele não leva em consideração as evidências internas. Existem erros ortográficos claros nos manuscritos antigos, mas esse método consideraria o erro gráfico, como o texto mais provável a ser o original, isso é incoerente.

Portanto, vamos analisar o final do evangelho de Marcos utilizando o ecletismo ponderado, método que como eu já exprimi é o mais apropriado para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento. 


O FINAL DO EVANGELHO DE MARCOS, AUTÊNTICO OU NÃO?


Poderíamos dizer que o final do evangelho de Marcos (16.9-20) tem um problema textual um pouco complexo. Pois, a questão não é simplesmente se o final faz ou não faz parte do evangelho, como se tivéssemos apenas duas opções, na verdade, entre os manuscritos Grego do Novo Testamento que sobreviveram existem quatro opções, de uma forma simplista são essas opções informada por Omanson (2010, pp. 103, 104):


1. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 8.

2. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20.

3. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20, mas antes do versículo 9 há o seguinte acréscimo: “Elas narraram brevemente a Pedro e seus companheiros o que lhes havia sido anunciado. E, depois dessas coisas, o próprio Jesus enviou por meio deles, do Oriente ao Ocidente, a sagrada e incorruptível proclamação da salvação eterna. Amém”.

4. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20, mas depois do versículo 14 há o seguinte acréscimo: “E eles alegaram em sua defesa: ‘Este tempo de iniquidade e incredulidade está sob o domínio de Satanás, que não permite que a verdade e o poder de Deus prevaleçam sobre as coisas impuras dos espíritos [ou, que não permite que quem está sob o poder dos espíritos imundos apreenda a verdade e o poder de Deus]. Por isso, revela agora a tua justiça’. Foi o que disseram a Cristo, e Cristo lhes respondeu: ‘O fim dos anos do poder de Satanás se cumpriu, mas outros acontecimentos terríveis se aproximam. E eu fui entregue à morte por aqueles que pecaram, para que retornem à verdade e não pequem mais, a fim de que sejam herdeiros da glória de justiça espiritual e incorruptível que está no céu”.


Como bem sabemos a verdade é absoluta e não relativa, então as quatro opções não podem estar corretas, apenas uma está e as outras três não. Dessas quatro opções duas tem possibilidade real de serem o texto original, que são as opções 1 e 2, as evidências textuais em favor das opções 3 e 4 são pobres, dificilmente você encontraria alguém defendendo-as como sendo provável de ser o texto original. Por outro lado, encontramos estudiosos defendendo as opções 1 e 2, a maioria dos críticos textuais estão convencidos de que a opção 1 é a mais provável de ser a correta, os motivos alistados por Omanson (2010, pp. 102, 103) para chegarmos a essa conclusão são as seguintes:


1. Os doze últimos versículos (16.9-20) não aparecem nos dois mais antigos manuscritos Grego, no manuscrito Bobiense da Antiga Latina, no manuscrito da siríaca sinaítica, em mais ou menos cem manuscritos armênios, e nos dois mais antigos manuscritos georgianos.

2. Os pais da igreja Clemente de Alexandria (segundo século) e Orígenes (terceiro século) não dão mostras de que sabiam da existência desses doze versículos. Eusébio (quarto século) e Jerônimo (quinto século) afirmam que esses versículos estavam ausentes de quase todas as cópias gregas de Marcos que eles conheciam.

3. Vários manuscritos que contêm esses versículos trazem notas de copistas dando conta de que cópias gregas mais antigas não tinham esse texto. Em outros manuscritos, essa passagem traz sinais que os copistas colocavam no texto para indicar que se tratava de um acréscimo ao documento.

4. O vocabulário e o estilo desse final mais longo diferem do resto do Evangelho de Marcos, e isto sugere que os versículos 9-20 não são originais. Existem também certas incoerências entre os versículos 1-8 e os versículos 9-20. Um exemplo de incoerência é a reaparição de Maria Madalena, no versículo 9, onde ela já tinha sido mencionada em 15.47 e 16.1, outra coisa a chamar a atenção é o fato das outras mulheres não serem também mencionada no versículo 9.


Essas e outras razões fazem quem entende sobre crítica textual acreditar que o final do evangelho de Marcos não é autêntico. Porém, embora o final do evangelho de Marcos (9-20) provavelmente não seja autêntico, no entanto, precisamos reconhecer que essa variante textual é antiga, pois, concordando com Omanson (2010), os pais da igreja Irineu, Diatessarão e provavelmente também Justino Mártir (todos do segundo século) conheciam ou dão a entender que conheciam esse final mais longo em seus escritos. Provavelmente, o final do evangelho de Marcos (9-20) foi adicionado por volta da primeira metade do segundo século para dar ao Evangelho um final mais apropriado. Esse final ficou conhecido popularmente a partir da King James Version e outras traduções do textus receptus, como a tradução de João Ferreira de Almeida.

Os defensores do texto majoritário consideram esse final (9-20) como sendo autêntico porque eles se encontram na maioria dos manuscritos Grego, entretanto, as evidências são esmagadoramente contraria a essa ideia, como já foi demonstrado.


COMO OS CRISTÃO DEVEM LIDAR COM ESSAS INFORMAÇÕES?


A pesar desses versículos (9-20) não poderem ser considerados como fazendo parte do Evangelho de Marcos, nenhum cristão deveria hesitar em lê-los como Sagrada Escritura, essa é a conclusão de F. F. Bruce[10] (1945, pp. 180, 181) em um de seus artigos, o motivo disso é bem simples: os ensinos que aparecem nesses versículos (9-20) são encontrados em outras partes da Bíblia. 

Esses são os paralelos que Bruce (1945) apresenta: os versículos 9 e 10 com João 20.11-18; versículo 11 com Lucas 24.11; versículos 12 e 13 com Lucas 24.13-35; versículo 14 com João 20.19; os versículos 15 e 16 com Mateus 28.16-20; versículo 19 com Lucas 24.50; os versículos 17, 18 e 20 possuem paralelos com as atividades dos apóstolos no livro de Atos.

A forma como os cristãos devem tratar essa questão pode ser ilustrada com o que acontece frequentemente nos círculos de oração de muitas igrejas evangélicas. Quem nunca foi a um círculo de oração e ouviu um irmão ou irmã citando Jó 14.7-9 trazendo uma mensagem de esperança para causas perdidas? Quando esse capítulo do livro de Jó não ensina nada sobre isso, na verdade o capítulo 14 do livro Jó é uma suplica de Jó a Deus, dizendo que a vida do homem é breve (Jó 14.1, 2), pedindo descanso de seu sofrimento porque até um trabalhador no final do dia tem descanso (Jó 14.6), e que embora uma arvore possa voltar a viver com um pouco de água (Jó 14.7-9), o homem não (Jó 14.10), o homem morre e não volta a viver (Jó 14.12), se os seus filhos estão em honra ele não sabe, se minguados ele não percebe (Jó 14.21). Pregar mensagem de esperança para causas perdidas se baseando em Jó 14.7-9 está errado no sentido que o texto não ensina isso, porém não está errado no sentido de que a Bíblia não ensina isso, a pessoa apenas está escolhendo o texto errado para trazer aquela mensagem, demonstrando não saber sobre o que está falando.[11]

De forma semelhante é assim que os cristãos devem lidar com o final do evangelho de Marcos (16.9-20). Esse final mais longo provavelmente não faz parte do evangelho de Marcos, mas se alguém prega sobre ele não há problemas, porque os ensinos encontrados nesses versículos podem ser encontrados em outras partes da Bíblia.


CONCLUSÃO


Para muitos é difícil compreender como um texto bíblico conhecido não faz parte das Escrituras. Mas, o importante a se ter em mente é que todas essas questões não alteram o essencial do Cristianismo. Então, nenhum cristão deveria se escandalizar ao tomar conhecimento acerca das variantes textuais da Bíblia, na verdade os cristãos que tem contato com essas informações deveriam se sentir privilegiados por Deus e se tornarem cristãos mais fortes e maduros, com uma consciência solida e sóbria acerca dessas questões bíblicas.


NOTAS: 


[1] Formado no Curso Livre em Teologia da ESTEADEB (Escola de Teologia das Assembleias de Deus no Brasil). Atualmente estudando teologia no IALTH (Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades), e Grego no curso de extensão da UFC (Universidade Federal do Ceará). E-mail: Leandro.m.j.1991@gmail.com

[2] A Igreja Batista Redenção não acredita na atualidade dos dons espirituais, principalmente no batismo do Espírito Santo com a evidência do falar em línguas. Confira o decimo ponto dos seus traços distintivos, disponível em: <http://www.igrejaredencao.org.br/ibr/index.php?option=com_content&view=article&id=31&Itemid=107>. Acesso em: 09 set. 2022.

[3] A preservação do texto do Novo Testamento não é o tema dessa pesquisa, mas é minha convicção que o texto do Novo Testamento foi preservado. E, há boas razões para se acreditar nisso, você pode ler algumas delas na parte dois do livro: Reinventing Jesus: how contemporary skeptics miss the real Jesus and mislead popular culture (Reinventando Jesus: como os céticos contemporâneos deixa escapa o Jesus real e enganam a cultura popular), livro publicado pela Kregel Publications, cujo os autores são: J. Ed Komoszewski; M. James Sawyer; e Daniel B. Wallace.

[4] Essa é a quantidade de palavras da quarta edição do The Greek New Testament, hoje ele está na sua quinta edição, porém, só houve alterações em 30 palavras das epistolas católicas. A quinta edição foi publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil com prefácio em português.

[5] As versões são as traduções do Novo Testamento em grego para os outros idiomas.

[6] Uma variante textual é simplesmente qualquer diferença de um texto padrão (por exemplo, um texto impresso, um manuscrito específico, etc.) que envolve ortografia, ordem de palavras, omissão, adição, substituição ou uma reescrita total do texto. Essa é a definição dada por Wallace, disponível em: <https://danielbwallace.com/2013/09/09/the-number-of-textual-variants-an-evangelical-miscalculation/>. Acesso em 09 set. 2022.

[7] Esse é o número de variantes tratadas no Novo Testamento Grego editado por Barbara Aland, Kurt Aland, Johannes Karavidopoulos, Carlos M. Martini e Bruce M. Metzger, esse número se encontra no prefácio da quarta edição.

[8] Esses 1% das variantes que alteraram o texto de alguma forma significativa elas não afetam as doutrinas essenciais do cristianismo, como por exemplo: a divindade de Jesus, seu nascimento virginal, sua ressureição corpórea, e a trindade.


[9] Você pode entender melhor a visão de Keith Elliott no livro: Perspectives on the Ending of Mark: Four Views, publicado pela editora: B&H Academic, cujo os autores são: Maurice Robinson, Darrell L. Bock, Keith Elliott e Daniel B. Wallace, o editor do livro é: David Alan Black.

[10] Teólogo escocês formado pelas universidades de Alberdeen, Cambridge e Viena. Depois de ensinar Grego durante vários anos, primeiro na Universidade de Edimburgo e depois na Universidade de Leeds, assumiu o departamento de história e literatura bíblica na Universidade de Sheffield, em 1947. Em 1959, mudou-se para a Universidade de Manchester (Inglaterra), onde permaneceu como professor de crítica e exegese bíblica até o dia de sua aposentadoria em 1978.

[11] Por exemplo, para se trazer uma mensagem de esperança para causas perdidas poderia ser escolhido a história da ressurreição de Lázaro (João 11.1-45), ou a convicção de Abraão considerando que Deus era poderoso para até dos mortos ressuscitar seu filho (Hebreus 11.18), para nós a morte é como o ponto final, o fim da história, mas para Deus a morte, de um ponto final, Ele pode transforma em uma virgula e dar continuidade a história do homem. Dessa forma, podemos ter esperança mesmo quando as esperanças se acabam, porque para Deus todas as coisas são possíveis (Marcos 10.27).


REFERÊNCIAS:


BLOMBERG, Craig L. Can We Still Believe the Bible? An evangelical engagement with contemporary questions. Brazos Press, 2014.


BRUCE, F. F. The End of the Second Gospel. The Evangelical Quarterly (1945): 169-181.


KOMOSZEWSKI, J. Ed. Reinventing Jesus: how contemporary skeptics miss the real Jesus and mislead popular culture. Kregel Publications, 2006.


OMANSON, Roger L. Variantes Textuais do Novo Testamento: Análise e avaliação do aparato Crítico de “O Novo Testamento Grego”. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010.


PAROSCHI, Wilson. Origem e Transmissão do Texto do Novo Testamento. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.


PORTER, Stanley E.; PITTS, Andrew. Fundamentals of New Testament Textual Criticism. Wm. B. Eerdmans Publishing Co, 2015.


WALLACE, Daniel B. Gramática Grega: uma sintaxe exegética do Novo Testamento. São Paulo: Editora Batista Regular do Brasil, 2009.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Grant R. Osborne - Provérbio

  

A forma básica e mais proeminente de sabedoria, o “provérbio” (heb. māšal) pode ser definido como a afirmação breve de uma verdade universalmente aceita, formulada de um modo que possa ser memorizada. Os provérbios são encontrados nas Escrituras e não somente no livro de Provérbios (como em Gn 10.9 e 1Sm 24.14). Há muitos tipos diferentes de declarações e vários gêneros são chamados meshallim no AT, como as alegorias (Ez 17.1-10), os aforismos (Ec 9.17-10.20), os ditados populares (Jr 23.28), os discursos (Nm 23.7, 18) ou as similitudes (1Sm 10.11). Há também diversos tipos de provérbios, na verdade, ditos, como a instrução (Pv 22.17-24.22), o provérbio ou o ditado sapiencial (Pv 9.1-6), a advertência ou a proibição (Pv 8.24-31, 33), o provérbio admoestativo ou o conselho (Pv 22.28), o provérbio numérico (Pv 6.16-19), o provérbio sinonímico (Pv 22.22-27) ou antitético (Pv 11.1-31) e as declarações factuais ou de experiência (Pv 17.27).

E o mais importante, não devemos ler na declaração proverbial nada além do que de fato ela afirma. Por sua própria natureza, elas são afirmações genéricas cujo propósito é aconselhar, e não estabelecer códigos rígidos pelos quais Deus opera. Como declara David Hubbard, a sabedoria antiga “tende a enfatizar o sucesso e o bem-estar do indivíduo”, de modo diferente, “os profetas enfatizavam a vida nacional e religiosa da coletividade” (LaSor, Hubbard, Bush 1982:545). Por exemplo. Provérbios 16.3 diz: “Entrega tuas obras ao Senhor, / e teus planos serão bem-sucedidos”. Essa afirmação parece prometer uma generosidade ilimitada de plenitude, mas, como Fee e Stuart demonstram, dificilmente a intenção aqui seria a de incluir algum plano mal concebido diante de Deus: “Um casamento precipitado, uma decisão empresarial apressada, uma decisão vocacional mal refletida – tudo isso pode ser dedicado a Deus, mas podem, consequentemente, resultar em miséria” (1982:198). Conforme Josué 1.8 ou Salmos 1.3, o significado do sucesso ou da prosperidade deve ser compreendido primeiro em afinidade com a vontade divina e apenas em segundo lugar em sentido materialista. O que faz sucesso aos olhos de Deus pode parecer bastante contrário aos padrões mundanos. O intérprete precisa reconhecer a natureza geral das declarações e deve aplicá-las por meio de analogias às Escrituras, o que corresponde a outro ensino bíblico que completa a verdade que é elucidada.

 

Fonte: A Espiral Hermenêutica, 315-316

 

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Dicionários - Richard Watson - Dicionário Bíblico e Teológico - Atos dos Apóstolos

 ATOS DOS APÓSTOLOS.  Este livro, logo no começo, declara ser uma continuação do Evangelho de São Lucas, e seu estilo indica que ele foi escrito pela mesma pessoa. A evidência externa é também muito satisfatória, pois além de alusões em autores primitivos, e particularmente em Clemente Romano, Policarpo e Justino Mártir, os Atos dos Apóstolos não são apenas citados por Irineu, como escritos por Lucas o Evangelista, mas há poucas coisas registradas neste livro que não são mencionadas por esse pai primitivo. Este forte testemunho em favor da genuinidade dos Atos dos Apóstolos é apoiado por Clemente de Alexandria, Tertuliano, Jerônimo, Eusébio, Teodoreto e a maioria dos pais posteriores. Pode ser acrescentado que o nome de São Lucas está prefixado a este livro em muitos manuscritos gregos antigos do Novo Testamento, e também na antiga versão siríaca.

2. Esta é a única obra inspirada que nos dá um relato histórico do progresso do Cristianismo após a ascensão de nosso Salvador. Compreende um período de cerca de trinta anos, mas de forma alguma contém uma história geral da igreja durante esse tempo. Os fatos principais registrados nela são: a escolha de Matias para ser apóstolo no lugar do traidor Judas, a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, a pregação, milagres e sofrimentos dos apóstolos em Jerusalém, a morte de Estevão, o primeiro mártir, a perseguição e dispersão dos cristãos, a pregação do Evangelho em diferentes partes da Palestina, especialmente em Samaria, a conversão de São Paulo, o chamado de Cornélio, o primeiro convertido gentio, a perseguição dos cristãos por Herodes Agripa, a pregação de Paulo e Barnabé aos gentios pelo comando expresso do Espírito Santo, o decreto feito em Jerusalém declarando que a circuncisão, e uma conformidade com outras cerimônias e ritos judaicos não eram necessários nos convertidos gentios, e a última parte do livro se restringe à história de São Paulo, de quem São Lucas foi o companheiro constante por vários anos.

3. Como este relato de São Paulo não vai além de sua prisão de dois anos em Roma, é provável que este livro foi escrito logo após seu lançamento, que ocorreu no ano 63. Podemos por isso considerar os Atos dos Apóstolos como escritos por volta do ano 64.

4. O local de sua publicação é mais duvidoso. A probabilidade parece ser em favor da Grécia, embora alguns afirmam ser Alexandria no Egito. Esta última opinião se apóia nas assinaturas no final de alguns manuscritos gregos, e das cópias da versão siríaca, mas os melhores críticos pensam que estas assinaturas, que também estão anexadas a outros livros do Novo Testamento, merecem pouca importância, e neste caso elas não são apoiadas por qualquer autoridade antiga.

5. Deve ter sido da maior importância nos tempos primitivos do Evangelho, e certamente não de menos importância a toda época subsequente, ter um relato autêntico da descida prometida do Espírito Santo, e do sucesso que acompanhou os primeiros pregadores do Evangelho tanto entre os judeus como entre os gentios. Estes grandes eventos completaram a evidência da missão divina de Cristo, estabeleceram a verdade da religião que ele ensinou, e apontaram da mais clara maneira a natureza abrangente da redenção que ele comprou por sua morte.

Œcumenius chama os Atos de o “Evangelho do Espírito Santo” e São Crisóstomo, o “Evangelho da ressurreição de nosso Salvador,” ou o Evangelho de Jesus Cristo ressurreto dos mortos. Aqui, nas vidas e pregação dos apóstolos, temos os exemplos mais miraculosos do poder do Espírito Santo, e no relato desses que foram os primeiros crentes, recebemos o padrão mais excelente da verdadeira vida cristã.

sábado, 11 de setembro de 2021

Série de verbetes: Pequenos textos, grandes insights - Corinto

 Série de verbetes: Pequenos textos, grandes insights - Corinto.

 

Corinto. UMA DAS PRINCIPAIS CIDADES DA ANTIQUIDADE, ocupada em intervalos desde o quinto milênio a.C., Corinto adquiriu seu nome de habitantes pré-Gregos. Durante a época Micênica, a área estava sujeita aos poderes de Argólida, mas a cidade conhecida na época clássica foi efetivamente fundada por Gregos Dóricos por volta do século X a.C. Suas primeiras figuras históricas reais parecem ser os Bacchíades do século VIII, sob os quais Corinto estabeleceu colônias em Corcira (Corfu) e Siracusa na Sicília. O poder marítimo de Corinto era comercial e também militar na época, e a cerâmica proto-Coríntia é encontrada por todo o Mediterrâneo. Ao derrotar os Bacchíades em cerca de 660 a.C., Kypselos e seu filho Periandro (cerca de 625-585 a.C.; um dos Sete Sábios da Antiguidade) estabeleceram uma sólida prosperidade que floresceu por mais de um século. Os jogos bienais de Isthmian, fundados em cerca de 580 a.C., trouxe prestígio e receitas adicionais para a cidade.

Após a Guerra da Pérsia, Corinto se viu cada vez mais pressionada pela expansão de Atenas e, na maioria das vezes, ao lado de Esparta em conflitos entre as duas grandes potências. Após a vitória Macedônica em Chaironea em 338 a.C., o conselho (Synedrion) de Corinto ratificou o governo de Filipe na Grécia e, mais tarde, o de seu filho Alexandre. Corinto recuperou sua independência como membro da Liga Aqueia após 224 a.C., mas foi arrasada pelas legiões Romanas de Lúcio Múmio em 146 a.C., após sua saída da Liga. Múmio massacrou os homens, vendeu as mulheres e crianças como escravas e deixou a cidade em ruínas, condição em que permaneceu por um século.

A localização comercial estratégica do local, no entanto, com seu Acrocorinto virtualmente inexpugnável (altitude de 1.886 pés), implorava por reabilitação, e em 44 a.C. Júlio César estabeleceu uma colônia de veteranos sob o nome de Colonia Laus Julia Corinthiensis. Foi esse assentamento que, em 27 a.C. já havia se tornado a florescente capital da província Romana da Acaia, que entrou para a história bíblica quase um século depois, com a estada de Paulo na cidade.

Situada no istmo entre o continente Grego ao norte e o Peloponeso ao sul, Corinto controlava efetivamente o tráfego entre os dois. O porto de Lechaion no Golfo de Corinto, conectado à cidade por longas muralhas por volta de 400 a.C., abria-se para o Mar Adriático a oeste; Cencreia, a apenas 11 quilômetros de distância, no Golfo Sarônico do Egeu, a leste, também fazia da área uma importante rota de comércio marítimo leste-oeste. Os diolkos de Periander, uma rampa pavimentada quase paralela ao canal moderno, permitia que navios de carga menores fossem transportados através do istmo em veículos com rodas, evitando assim a perigosa jornada ao redor do Peloponeso; navios maiores teriam que descarregar sua carga e transportá-la através do istmo via Corinto.

Ao ganhar notoriedade e renome na Antiguidade Grega por sua riqueza e suposta licenciosidade, a Corinto Romana logo floresceu por conta própria, e na época de Paulo era tão cosmopolita quanto qualquer porto do Mediterrâneo. A língua oficial era o Latim dos conquistadores, mas a língua comum era o Grego Koiné tanto da área circundante como dos mercadores. A cidade foi reconstruída com instituições Romanas sobre as ruínas Gregas, o centro dominado por fóruns superiores e inferiores (mercados) e o Templo arcaico de Apolo, agora talvez rededicado à família de César, a Gens Julia. Foi a relativa novidade da cidade e de sua classe trabalhadora urbana cosmopolita e imigrante que lhe deu um dinamismo comercial e uma abertura para novas ideias. O culto imperial parece ter sido a principal religião dos latinos locais, com o panteão Greco-Romano em segundo lugar. Como o maior mercado central e capital da Acaia, o coração intelectual e cultural da Grécia, Corinto teve uma imensa influência cultural e econômica nos territórios vizinhos e nas províncias de língua Grega da parte oriental do Império Romano. O estabelecimento do Cristianismo por Paulo ali ofereceu oportunidades para a difusão do evangelho que nenhuma outra cidade poderia oferecer.

As comunidades Judaicas estavam bem estabelecidas no mundo Helenístico e em todo o Império Romano no primeiro século d.C. e, de acordo com Atos 18: 1-3, Paulo encontrou os Cristãos Áquila e Priscila (Prisca) em sua primeira visita a Corinto em cerca do ano 50. Paulo permaneceu ali, pregando na sinagoga, apesar de uma ação movida contra ele por alguns Judeus perante o procônsul Gálio, provavelmente no outono de 51 ou na primavera de 52 (At 18:16). Apolo também visitou Corinto (Atos 18: 27-19: 1; 1 Coríntios 1:12; 3: 4-9; 4: 6), possivelmente contribuindo para o partidarismo e as dificuldades que Paulo aborda em 1 e 2 Coríntios. A Carta de Paulo aos Romanos foi provavelmente escrita em Corinto (Rm. 15: 25-27; cf. Atos 20: 3).

As escavações que se desenvolveram no século XX pela Escola Americana de Estudos Clássicos em Atenas revelaram muito sobre a Corinto do primeiro século. Uma inscrição menciona o nome de Erasto, o edil, um oficial encarregado das obras públicas (possivelmente o "tesoureiro da cidade" de Romanos 16:23; cf. 2 Timóteo 4:20). No centro do fórum foi encontrada uma plataforma (Gk. Bema) construída em cerca de 44 d.C., possivelmente o "tribunal" de Gálio no julgamento de Paulo (Atos 18:12, 17). No Lerna Asclepium e em outros templos da cidade podem ser vistas as ruínas de refeitórios sagrados que lançam luz sobre 1 Coríntios 8 e 10. Uma inscrição em Latim do início do século I refere-se a um macellum, já que Paulo usa o makellon Grego para falar do "mercado de carnes" (1 Co. 10:25). Uma inscrição Grega grosseira e ilegível em uma pedra quebrada do lintel parece anunciar a "Sinagoga dos Hebreus". Novamente, no fórum foram escavadas fileiras de lojas do tipo que Paulo teria compartilhado com seus companheiros fabricantes de tendas Áquila e Priscila (Prisca). Uma villa contemporânea dá uma boa compreensão das limitações do tamanho das "igrejas domésticas", talvez explicando por que surgiram facções em Corinto (várias igrejas domésticas) e por que havia discriminação nas refeições comunitárias da assembleia geral (a sala de jantar só poderia acomodar alguns selecionados, de acordo com o costume Romano de classificar os hóspedes).

 

Bibliografia:

ENGELS, Donald. Roman Corinth: An Alternative Model for the Classical City. Chicago: University of Chicago Press, 1990.

MEEKS, Wayne A. The First Urban Christians: The Social World of the Apostle Paul. New Haven, CT: Yale University Press, 1983.

MURPHY-O'CONNOR, Jerome. St. Paul's Corinth: Texts and Archaeology. Wilmington, DE: Michael Glazier, 1983.

C.H.M.

 

Fonte:

ACHTEMEIER, Paul J. (GENERAL EDITOR) The HarperCollins Bible Dictionary (Revised Edition). New York, NY: Society of Biblical Literature, 1985

 

Tradução Walson Sales

sábado, 28 de agosto de 2021

A Arqueologia e a Bíblia

 A Arqueologia e a Bíblia


Por Steven M. Ortiz


Introdução


A relação entre a arqueologia e a Bíblia tem uma longa história. Hoje, o termo arqueologia bíblica pode se referir a qualquer uma das três abordagens diferentes para a interseção da arqueologia e da Bíblia. A primeira é uma abordagem em que o objetivo é apologético, onde a arqueologia é usada para tentar “provar” a Bíblia. Essa é a visão comumente retratada na mídia ou em relatos populares. Geralmente é praticada por indivíduos com pouco preparo e inclui a busca de lugares ou “achados” mencionados na Bíblia.

A segunda abordagem, popular ao longo da segunda metade do século XX, vê a arqueologia como uma “serva dos estudos bíblicos”. A arqueologia é um dos muitos métodos usados pelos estudiosos da Bíblia para estudar a Bíblia. Livros didáticos sobre interpretação bíblica a listam ao lado de abordagens gramaticais, culturais e teológicas. Mas essa abordagem tende a subordinar a arqueologia às necessidades e à agenda dos estudos bíblicos.

A terceira abordagem vê a arqueologia bíblica como separada da disciplina de estudos bíblicos, mas não sem relação. Deste ponto de vista, a arqueologia bíblica é considerada parte da disciplina maior da arqueologia do antigo Oriente Próximo ou, mais especificamente, a arqueologia do Levante Sul (Israel / Palestina / Jordânia, etc.). Ainda mais especificamente, a arqueologia bíblica é um subconjunto da arqueologia Siro-Palestina. Essa terceira visão é a abordagem preferida neste capítulo.

Arqueologia é a recuperação e análise sistemática multidisciplinar dos objetos materiais sobreviventes da sociedade humana e do contexto ambiental da atividade humana. A arqueologia bíblica é o uso de empreendimentos arqueológicos para esclarecer e iluminar o texto bíblico e o contexto histórico do texto. Portanto, a arqueologia é uma disciplina separada dos estudos bíblicos, mas pode informar e ser muito útil para os estudos bíblicos. No entanto, a arqueologia tem sua própria agenda de pesquisa, métodos e fundamentos teóricos. O ponto de intersecção é que tanto a arqueologia quanto os estudos bíblicos tentam reconstruir o passado. O arqueólogo se concentra na história da cultura, enquanto o estudioso dos estudos bíblicos se concentra na história bíblica. Um arqueólogo bíblico secular não pode desconsiderar o texto bíblico, uma vez que contém muitos dados relativos à história cultural; um estudioso da Bíblia não pode desconsiderar os dados arqueológicos porque eles contêm muitos dados para reconstruir a história bíblica. Este ensaio se concentrará exclusivamente na disciplina da arqueologia.

O Processo Arqueológico

A arqueologia é multidisciplinar. É considerada uma disciplina científica, uma disciplina histórica e, especialmente, um subconjunto da antropologia. Há um debate entre os teóricos sobre se a arqueologia é uma disciplina pertencente às ciências empíricas ou às humanidades. Os arqueólogos trabalham na reconstrução do passado usando os restos materiais do comportamento humano do passado. Assim, o empreendimento arqueológico aborda e usa métodos e teorias das ciências sociais.

História da Disciplina

A arqueologia era inicialmente vista como histórico-cultural, com ênfase na reconstrução de períodos históricos. Na década de 1960, um programa teórico denominado “nova arqueologia” (arqueologia processual) começou a dominar a disciplina. Esse novo foco de pesquisa era ver a cultura como um sistema com vários processos. O processo principal via a cultura como uma adaptação ao seu ambiente externo. A teoria arqueológica tentou definir as leis gerais do comportamento humano em contraste com o particularismo histórico da abordagem histórico-cultural. Pressuposta a esta arqueologia orientada para o processo (processual) estava uma abordagem científica estrita aos dados arqueológicos e um modelo evolucionário implícito. Em reação a esse modelo processual, a década de 1980 produziu uma crítica “pós-processual”. A principal crítica era que a arqueologia processual não enfatizava o ator humano como um participante racional. Relacionado a isso estava o reconhecimento da incapacidade dos arqueólogos de desenvolver leis gerais do comportamento humano. As mudanças teóricas incluíram: (1) ver a arqueologia como uma história de longo prazo; (2) estudar ideologia e como ela influencia o comportamento humano; (3) desenvolver estruturas de significado conforme evidenciado na cultura material; e (4) autocrítica da relação entre a interpretação dos dados e o intérprete. O resultado é que os arqueólogos precisam estudar cada dado arqueológico dentro de seu contexto (geográfico, cronológico, cultural, etc.) e colocar o indivíduo de volta na análise do passado.

Hoje, o método e a teoria arqueológica operam na tensão das abordagens processual e pós-processual. Os teóricos reconhecem o seguinte: (1) o meio ambiente e a ecologia são mais restritivos do que causadores de mudanças; (2) os arqueólogos devem abordar questões históricas e antropológicas; (3) o registro arqueológico resulta dos comportamentos cumulativos de indivíduos e também de sociedades; (4) as esferas cognitivas e físicas do comportamento humano modelam o registro; e (5) interpretações contextuais ao invés de modelos preditivos e leis abrangentes devem ser enfatizadas.


Fonte:

Ortiz, Steven M. Archaeology and the Bible. In HAYS, J. Daniel; DUVALL, J. Scott (ed.). The Baker Illustrated Bible Handbook. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2011


Tradução Walson Sales


[Nota do tradutor: a tradução deste capítulo tem a intenção precípua de buscar editoras interessadas em comprar os direitos autorais e publicar a obra completa em português. Os demais objetivos são para informar os amantes de Teologia e Filosofia sobre assuntos correlatos diversos.]

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

A Palavra de Deus e o Povo de Deus: Romanos 9.1-13


Paul J. Achtemeier

 

“Não que a palavra de Deus haja faltado” (v. 6) é o ponto que Paulo pretende abordar nestes versículos e a conclusão que ele deve demonstrar. Não obstante, o próprio Paulo não mostra indiferença nesta discussão. Percebemos isso do modo como ele inicia a discussão nos versículos 1 a 3. De fato, a angústia pessoal que Paulo expressa lá tem levado alguns equivocadamente a pensar que a discussão nos capítulos 9-11 tem importância apenas por causa da experiência pessoal de Paulo como judeu e tem pouco a contribuir para um mais amplo propósito de sua carta. Ficará evidente conforme seguirmos Paulo que esse não é o caso, mas isto de modo algum diminui a intensidade emocional da aflição de Paulo pela descrença de seus “parentes segundo a carne” (v. 3). Mas essa não é a maior preocupação de Paulo e ele passa de sua própria dor (vv. 1-3) para a incredibilidade histórica de tal rejeição por Israel do plano de Deus em Cristo (vv. 4-5). Ao passar para esse ponto, Paulo retoma a lógica e os temas de uma discussão anterior da infidelidade de Israel ao plano de Deus para ela (3.1-8). Aqui somos informados com maiores detalhes, por exemplo, quais eram as vantagens que os judeus desfrutavam. Em 3.1-2, Paulo mencionou apenas sua posse dos “oráculos de Deus”. Aqui temos relacionada toda a extensão dos elementos redentores que são seus por direito anterior como povo eleito de Deus: adoção, alianças, lei, culto, promessas, patriarcas – e até mesmo Jesus. Se o povo em posição tão privilegiada rejeitou o plano de Deus, isto pode significar outra coisa senão que o plano de Deus que envolvia Israel como povo eleito fracassou?

 

Para responder essa pergunta, Paulo retoma um segundo tema que tinha também discutido anteriormente (2.28-29): A existência de um verdadeiro Israel não é questão de descendência racial como se, sendo biológica, estivesse fora das mãos de Deus. Antes, a existência de um verdadeiro Israel é questão de constante eleição graciosa de Deus. A história de Israel não é, dessa forma, a história de uma raça, é a história de uma escolha, uma escolha feita por Deus que inclui sua intenção de um dia ser gracioso com toda a humanidade através de Israel. Desse modo, ser membro do povo eleito não é questão de biologia ou parentesco (vv. 7-8a), mas de constante promessa graciosa de Deus (8b). É por isso que a linhagem de Abraão continuou através de Isaque, o filho da promessa, antes que através de Ismael, o primogênito de Abraão segundo a carne (vv. 7-8; veja Gn 21.1-18).

 

Essa também é a lógica por trás do uso de Paulo dos filhos de Rebeca nos versículos 10-13. Mais uma vez, o mesmo ponto é enfatizado: A linhagem do verdadeiro Israel é pela escolha de Deus, não pela necessidade biológica. Aqui é particularmente claro porque estamos lidando com gêmeos! Ambos compartilham de uma mesma herança biológica (“de um, de Isaque, nosso pai”, v. 10b). Certamente se o verdadeiro Israel fosse questão de descendência física, a linhagem teria que seguir através de Esaú, porque, novamente, ele era o primogênito. Todavia a linhagem seguiu através de Jacó, pela escolha de Deus, e foi claramente uma escolha feita somente por Deus, visto que ela foi feita antes dos gêmeos terem nascido ou feito algo que merecessem tal tratamento (vv. 11-13). A inferência é clara, como Lutero observou: “Segue irrefutavelmente: ninguém se torna filho de Deus e herdeiro da promessa por descendência mas pela graciosa eleição de Deus” (p. 266).

 

Esse é o ponto que Paulo está fazendo. Paulo está mostrando que o propósito de Deus de abençoar toda a humanidade através de um povo eleito não pode ser frustrado quando alguns que pertencem fisicamente a esse povo rejeitam esse propósito. O curso e destino do povo eleito é questão de eleição de Deus, não de descendência biológica, e de forma que o destino permanece nas mãos de Deus, e não na dele. O que isso implica Paulo irá explicar melhor na próxima passagem.

 

O pregador irá encontrar na mudança do desespero diante do aparente fracasso de Deus para a certeza que ele irá cumprir seus propósitos redentores (cf. 9.13 com 9.6) um tema que regularmente ressoa através da Bíblia. Quão apropriado era a Paulo iniciar uma discussão sobre o destino do povo eleito de Deus desta maneira pode ser ilustrado vendo reflexos desse tema na história do povo de Deus. Ver esses reflexos irá por sua vez nos ajudar a ter perspectiva do problema que Paulo levanta nesta parte de sua carta aos cristãos em Roma.

 

Há o temor dos israelitas diante do aparente fracasso de Deus de libertá-los da perseguição dos exércitos de Faraó (Êx 14.5-12). Esse temor se opõe à segurança de Moisés que Deus não os abandonou e que eles serão ainda libertos (v. 13). Essa segurança torna-se realidade quando eles atravessam o mar e os exércitos que os perseguiam são destruídos (vv. 14-31).

 

Há o desespero de um desamparado Elias no Monte Horebe, perseguido pela rainha má Jezebel, e caçado pelos sacerdotes de Baal (1Re 19.1-10). O restante de Israel abandonou Deus e desistiu da aliança, Elias apenas é deixado, e sua vida está quase no fim. Pode ainda haver esperança? Será que o povo eleito abandonou Deus, ou, mais importante do que isso, Deus abandonou sua tentativa de ter um povo eleito? No meio de tal agonia Elias, sustentado pelo cuidado de Deus (vv. 5-8!), recebe a garantia de que Deus não abandonou sua promessa de manter o seu povo eleito (vv. 11-18).

 

Esse mesmo tema é disposto em forma de história no relato de Jonas, desesperado em sua tentativa de esquivar-se do chamado de Deus. Da barriga de um peixe, um lugar que Jonas compara ao reino dos mortos, ele todavia canta em um salmo sua certeza de que o Deus que o persegue ainda irá resgatá-lo (Jn 2.1-9). É uma certeza que é imediatamente confirmada (v. 10)!

 

As histórias nos Evangelhos falam repetidas vezes do fracasso dos discípulos: fracasso para entender e fracasso para agir. Podemos tomar como ilustrativo deles toda a história em Mateus que diz dos discípulos sozinhos em uma tempestade e Pedro afundando no mar enquanto tenta alcançar Jesus (Mt 14.22-33). Pedro abandonou Jesus, ou mais importante do que isso, Jesus abandonou seus discípulos enquanto eles enfrentavam a tempestade e Pedro afundava no mar? E estes fracassos não são simplesmente uma antecipação, para os seguidores de Jesus, daquele fracasso final da missão de Jesus, quando ele morre em desgraça em uma cruz?

 

Todavia Pedro, apesar de sua falta de fé, é salvo no momento crítico para continuar sua vida de discipulado, enquanto Elias e Jonas são enviados de volta mais uma vez para seus chamados proféticos. O que estas histórias já implicam será mostrado conclusivamente ser o caso quando Jesus levanta da sepultura: o poder de Deus é tal que nenhum fracasso, não importa quão desesperador seja, pode frustrar o seu plano redentor.

 

É nesse contexto que estes versículos de Romanos devem ser compreendidos. Eles nos mostram um pouco do desespero de Paulo diante da incredulidade de Israel, o povo eleito de Deus. Ele prontamente sofreria a condenação que eles merecem se ele pudesse apenas trocar seu destino. Todavia seu desespero, também, é superado pela convicção de que Deus não pode ser derrotado. Desse modo, todas estas passagens giram sobre o tema do Deus que resgatou, e irá resgatar, seu povo do meio do desespero e destruição potencial. Esse tema é útil para soar no meio do povo de Deus que vive num mundo ameaçado por uma destruição atômica total e repentina. Deus permanece no controle e irá todavia cumprir seus propósitos redentores.

 

O professor irá encontrar nestas passagens dicas para o modo como Paulo entende a natureza do “povo eleito” e por conseguinte como Paulo entende a história do Antigo Testamento. A escolha permanece nas mãos de Deus e não é deixada, uma vez feita, às vicissitudes da história ou aos acidentes da biologia. Deus permanece no controle de seu plano, guiando-o, não importa qual possa ser nossa resposta, ao objetivo que estabeleceu para ele.

 

Uma boa ilustração deste ponto será encontrado em Mt 3.7-10, onde João Batista confronta algumas autoridades religiosas. João anuncia que eles também enfrentarão destruição no juízo final se não se arrependerem, e no versículo 9, João antecipa uma afirmação que aquelas autoridades podiam fazer para contrapor o argumento. Eles podiam alegar “Temos por pai a Abraão”, sendo a implicação que, visto que somos filhos de Abraão a quem Deus prometeu a bênção, Deus não pode nos destruir ou ele não terá ninguém com quem cumprir essa promessa. Destruir os filhos de Abraão em julgamento significaria, desse modo, que a promessa de Deus, sua palavra, falharia.  A conclusão: Deus precisa de Israel para cumprir seus propósitos e por isso não pode condená-la no juízo final, tendo ela se arrependido ou não.  A resposta de João: Deus não é dependente dos descendentes físicos de Abraão, uma vez que “mesmo destas pedras, Deus pode suscitar filhos a Abraão”. Porque Deus criou Israel, ele pode recriá-la e não é, dessa forma, dependente dos descendentes biológicos de Israel.

 

Esse é o próprio ponto que Paulo está fazendo sobre a verdadeira natureza e realidade de Israel como povo eleito. Essa realidade continua a ser determinada pela escolha de Deus, não pela herança biológica de Israel. Deus não deu origem ao seu povo eleito com Abraão e então o abandonou às vicissitudes da história. Antes, seus graciosos propósitos continuam em operação por toda a história de Israel. Por essa razão Paulo pode ver uma continuidade entre Israel, que devia sua existência ao propósito gracioso de Deus, e os seguidores de Cristo, que são também constituídos  uma comunidade pela graciosa escolha de Deus. Dessa forma, o plano de Deus envolve uma continuidade entre Israel como povo eleito e a escolha de Deus de Cristo como o instrumento da redenção de sua criação caída.

 

Fonte:  Romans, 155-159

 

Tradução: Paulo Cesar Antunes