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sábado, 14 de junho de 2025

O Dilúvio na Tradição Babilônica: Análise e Comparação com o Relato Bíblico - Parte 3

Por Walson Sales

A história do dilúvio, conforme relatada no Épico de Gilgamesh, é uma das versões mais antigas de uma catástrofe global na literatura humana. Encontrada na 11ª tabuinha da famosa Epopeia assírio-babilônica, ela é uma das narrativas mais impressionantes, revelando detalhes que se assemelham de maneira notável ao relato bíblico. O poema, que originalmente pertence à tradição suméria, foi ampliado na Babilônia e é amplamente reconhecido como um dos maiores exemplos da literatura mesopotâmica.

Este artigo busca explorar a narrativa babilônica do dilúvio, destacando suas semelhanças e diferenças com o relato bíblico, além de apresentar uma análise crítica e apologética sobre a relação entre essas histórias, com ênfase na defesa da autenticidade e veracidade do relato bíblico.

2. O Contexto do Épico de Gilgamesh e a Figura de Utnapishtim

O Épico de Gilgamesh é um poema épico da Mesopotâmia que descreve as aventuras do semi-divino rei Gilgamesh, de Uruk. O ponto culminante da narrativa ocorre na 11ª tabuinha, onde o herói Gilgamesh busca a imortalidade e encontra Utnapishtim, um homem que sobreviveu ao dilúvio enviado pelos deuses. Utnapishtim, uma figura que tem paralelos com Noé da Bíblia, revela a Gilgamesh como obteve a imortalidade, contando-lhe a história do dilúvio e sua própria salvação.

A narrativa de Utnapishtim é rica em detalhes e exibe uma série de semelhanças com o relato bíblico de Noé, incluindo o aviso divino, a construção de um grande barco, a coleta de animais e a salvação de um pequeno grupo de pessoas. Contudo, há significativas diferenças no enredo e nas razões para o dilúvio, assim como nas atitudes dos deuses.

3. As Semelhanças Entre o Relato Babilônico e o Bíblico

Apesar das diferenças, a história de Utnapishtim apresenta elementos notavelmente semelhantes aos encontrados na narrativa bíblica do dilúvio. Algumas dessas semelhanças incluem:

- Aviso Divino e Construção do Barco: Assim como Noé recebe um aviso de Deus para construir uma arca, Utnapishtim é informado do dilúvio iminente e recebe instruções divinas para construir um grande barco, com detalhes precisos sobre sua construção (120 cúbitos em cada direção, seis andares, e calafetamento com betume). Ambos os heróis são instruídos a salvar sua família, animais e "sementes de todas as coisas vivas". 

- A Tempestade e a Arca: Ambos os relatos descrevem uma tempestade cataclísmica que destrói a humanidade. No *Épico de Gilgamesh*, os deuses enviam um dilúvio arrasador, assim como o Deus da Bíblia envia as águas para purificar a Terra.

- A Pomba, a Andorinha e o Corvo: Semelhante ao relato bíblico, onde Noé envia uma pomba para verificar a redução das águas, Utnapishtim também solta uma pomba, uma andorinha e um corvo, que retornam com diferentes resultados, indicando a recuo das águas.

- O Sacrifício Pós-Dilúvio: Após o fim do dilúvio, Utnapishtim oferece um sacrifício aos deuses, um evento que também é registrado na Bíblia, onde Noé oferece sacrifícios a Deus como sinal de gratidão pela salvação.

4. As Diferenças Entre o Relato Babilônico e o Bíblico

Embora a narrativa de Gilgamesh compartilhe várias semelhanças com a história bíblica, existem diferenças cruciais que não podem ser ignoradas:

- Motivação para o Dilúvio: No relato babilônico, o dilúvio é enviado pelos deuses como uma punição pela superpopulação humana, que está perturbando a paz e a ordem divina. Em contraste, a Bíblia apresenta o dilúvio como uma resposta à corrupção moral e ao pecado da humanidade (Gênesis 6:5-7).

- A Natureza dos Deuses: No Épico de Gilgamesh, os deuses são retratados como caprichosos, com sentimentos humanos e muitas vezes em desacordo entre si. Eles não têm um plano divino claro e, no final, as decisões de punição e misericórdia são tomadas com base em disputas entre eles. No entanto, o Deus bíblico é mostrado como soberano e justo, com um propósito claro e eterno para a humanidade, incluindo a promessa de preservação por meio de Noé.

- Imortalidade e a Visão do Fim:Utnapishtim recebe a imortalidade como uma recompensa por sua sobrevivência ao dilúvio, sendo transformado em um ser divino. Por outro lado, o relato bíblico não sugere que Noé ou seus descendentes sejam imortalizados, mas que, por sua fé, receberam a promessa de preservação e um novo começo para a humanidade.

5. Análise Apologética e Crítica

A alegação de que o relato bíblico do dilúvio é um "plágio" do Épico de Gilgamesh ignora várias questões importantes:

- Datação e Origem das Narrativas: Embora o Épico de Gilgamesh seja mais antigo em termos de registro escrito, o dilúvio bíblico, conforme apresentado na tradição hebraica, é considerado por muitos estudiosos como uma versão mais antiga da história. A tradição oral que precedeu os registros escritos pode ser muito mais antiga e compartilhar origens comuns com a tradição babilônica, sem que a Bíblia tenha "plagiado" a história. A explicação mais plausível é que ambas as culturas preservaram uma história ancestral comum, que foi transmitida e adaptada ao longo do tempo.

-A Perspectiva Teológica Diferente: A grande diferença na teologia das duas histórias – a natureza moral e a justiça de Deus no relato bíblico, versus os caprichos dos deuses no Épico de Gilgamesh – sugere que, embora ambas as narrativas compartilhem uma base comum, elas têm intenções e propósitos muito diferentes. A Bíblia transmite uma mensagem de redenção e justiça divina, enquanto o Épico de Gilgamesh oferece uma visão mais fatalista e desorganizada da divindade.

-Relevância Histórica e Literária: Não podemos subestimar a importância do relato bíblico do dilúvio. O fato de existirem várias versões dessa história ao redor do mundo, incluindo as civilizações mesopotâmicas, não diminui a veracidade da narrativa bíblica, mas a coloca dentro de um contexto mais amplo de relatos antigos, que compartilhavam uma memória coletiva de um evento catastrófico global.

6. Conclusão

O Épico de Gilgamesh e a narrativa bíblica do dilúvio compartilham semelhanças impressionantes, mas também apresentam diferenças significativas que refletem as distintas perspectivas teológicas de cada tradição. A acusação de que a Bíblia plagiou a história babilônica ignora o fato de que tanto o relato bíblico quanto o babilônico podem ter raízes comuns em uma tradição mais antiga, com a versão bíblica preservando uma interpretação teológica única e mais coesa.

Através de uma análise cuidadosa, é possível defender a autenticidade do relato bíblico, não como uma adaptação ou cópia de mitos antigos, mas como um testemunho fiel de um evento histórico de importância cósmica. A versão bíblica do dilúvio não é meramente um mito, mas uma narrativa teológica que reflete a justiça e misericórdia divinas, com a promessa de um novo começo para a humanidade.

Referências:

- Dalley, S. (2008). Myths from Mesopotamia: Creation, the Flood, Gilgamesh, and Others. Oxford University Press.

- Finkel, I. L. (1998). The Ark Before Noah: Decoding the Story of the Flood. Hodder & Stoughton.

- Geisler, N. (2002). Enciclopédia de Apologética, Editora Vida.

- George, A. (2003). The Epic of Gilgamesh. Penguin Classics.

- Unger, Merril F. (1980). A arqueologia do Velho Testamento, Imprensa Batista Regular.

- Tigay, J. H. (1996). The Evolution of the Gilgamesh Epic. The University of Pennsylvania Press.

O Dilúvio na Tradição Suméria: Análise e Comparação com o Relato Bíblico

Parte 2 da Série sobre o Épico de Gilgamesh

Por Walson Sales

O relato do dilúvio é uma das narrativas mais antigas da humanidade e aparece em diversas culturas ao redor do mundo. Dentre essas tradições, a versão suméria é considerada a mais antiga encontrada em registros escritos, precedendo os relatos babilônicos e o próprio texto bíblico. Críticos da Bíblia frequentemente argumentam que a semelhança entre a narrativa suméria e o relato bíblico do dilúvio sugere que o livro de Gênesis teria tomado emprestado ou plagiado essa tradição.

Neste artigo, analisaremos a narrativa suméria do dilúvio, explorando seu conteúdo, as semelhanças e diferenças com o relato bíblico e as respostas apologéticas a essa crítica.

1. A Narrativa Suméria do Dilúvio

A mais antiga versão do Dilúvio conhecida foi encontrada em fragmentos de uma placa na antiga cidade de Nipur, localizada na Babilônia norte-central. Essa placa, escrita em sumério, remonta a *cerca de 2000 a.C. ou antes*, sendo uma das mais antigas evidências escritas da história do dilúvio (Kramer, 1981, p. 148).

Principais Elementos da Narrativa Suméria

I. Destruição e Criação

A placa começa relatando uma destruição anterior da humanidade e a subsequente criação dos seres humanos e animais.   

II. Fundação das Cidades pela Divindade  

Um dos deuses principais estabelece cinco cidades, como Eridu, Sipar e Churupaque, designando deuses tutelares para cada uma.

III. A Deusa Istar (Ninhursague) e o Rei Ziusudra

A deusa Istar lamenta a destruição iminente da humanidade.

Ziusudra, um rei-sacerdote, recebe uma revelação sobre o desastre iminente (Tigay, Jeffrey H. - The Evolution of the Gilgamesh Epic, 2002, p. 75).

Ele constrói um ídolo de madeira e o adora diariamente. 

IV. A Comunicação Divina e a Chegada do Dilúvio 

Ziusudra recebe uma ordem divina para se posicionar perto de uma parede e escutar a revelação do propósito dos deuses de destruir a humanidade.  

O dilúvio começa, trazendo chuvas tempestuosas e ventos fortes* que duram sete dias e sete noites (Lambert, W. G. & Millard, A. R. - Atra-Hasis: The Babylonian Story of the Flood, 1969, p. 23).  

A embarcação de Ziusudra é levada pelas águas, e quando o sol reaparece, ele faz um sacrifício aos deuses.

V. O Dom da Imortalidade

Como recompensa, Ziusudra recebe *vida eterna* e é levado à “Montanha de Dilmum”, um local paradisíaco (Heidel, Alexander - The Gilgamesh Epic and Old Testament Parallels, 1946, p. 102).

2. Comparação com o Relato Bíblico

Embora existam semelhanças superficiais entre a narrativa suméria e o relato bíblico do dilúvio em Gênesis 6–9, as diferenças são significativas e sugerem que as duas tradições possuem origens e propósitos distintos.

2.1 Semelhanças

I. Tema do Dilúvio– Ambas as narrativas descrevem um grande dilúvio que destrói a humanidade.

II. Personagem Central – Tanto Noé (Bíblia) quanto Ziusudra (Sumério) são personagens que sobrevivem ao dilúvio.

III. Arca/Navio– Nos dois relatos, o protagonista constrói um grande barco para sobreviver.  

IV. Sacrifício após o Dilúvio – Ambos realizam sacrifícios aos deuses ou a Deus depois da tempestade.  

2.2 Diferenças Fundamentais

No trecho 2.2, intitulado Diferenças Fundamentais, podemos observar um contraste claro entre a narrativa suméria do dilúvio e o relato bíblico. A tabela a seguir resume essas diferenças:

A narrativa suméria do dilúvio não apresenta um motivo moral claro para a destruição. O dilúvio é apresentado como um capricho dos deuses, sem uma explicação ética por trás do evento. Já o relato bíblico de Gênesis destaca que o dilúvio ocorreu como uma resposta ao pecado e à corrupção da humanidade, sendo um ato divino justificado por razões morais, conforme descrito em Gênesis 6:5-7.

Outra diferença relevante é a natureza dos deuses envolvidos. Na narrativa suméria, os deuses são politeístas e frequentemente estão em conflito entre si, o que reflete uma visão de mundo mais fragmentada. Em contraste, o relato bíblico é monoteísta, com Deus descrito como soberano e justo, tendo um controle absoluto sobre os eventos da criação e da destruição.

A maneira como a revelação ocorre também diverge. No épico Sumério, Ziusudra, o sobrevivente do dilúvio, recebe a ordem divina de forma indireta, por meio de um sonho ou mensagem de um deus. No relato bíblico, Noé recebe instruções diretas de Deus, o que estabelece uma relação mais clara e imediata entre o homem e o Criador.

A moralidade também se distingue: na narrativa suméria, não há uma razão ética clara para a destruição ou a salvação. A salvação de Ziusudra parece ser arbitrária, enquanto na Bíblia, Noé é descrito como um homem justo e íntegro, o que justifica sua preservação (Gênesis 6:9).

Por fim, o destino dos sobreviventes também apresenta contrastes significativos. Após o dilúvio, Ziusudra recebe a imortalidade e é levado a um paraíso, um prêmio pela sua sobrevivência. Noé, por outro lado, continua sua vida na Terra, sendo responsável por gerar novas gerações e civilizações, refletindo o plano contínuo de Deus para a humanidade.

Essas diferenças fundamentais entre as duas narrativas ajudam a estabelecer a originalidade e a profundidade teológica do relato bíblico em comparação com a versão suméria do dilúvio.

Essas diferenças demonstram que a cosmovisão teológica e moral do relato bíblico é muito mais elaborada e estruturada do que a tradição suméria, que apresenta um caráter mítico e antropomórfico dos deuses.

3. O Relato Bíblico é um Plágio da Tradição Suméria?

Os críticos alegam que, pelo fato de a narrativa suméria ser mais antiga, o relato bíblico seria um plágio ou adaptação posterior. No entanto, essa tese apresenta sérios problemas:

3.1 Idade do Registro Não Define a Origem da Tradição

Apenas porque a versão escrita suméria é mais antiga, isso não significa que a história do dilúvio tenha se originado com os sumérios. Se o dilúvio foi um evento real, é natural que diferentes povos o registrassem em suas tradições, cada um com sua própria interpretação cultural (Sarfati, Jonathan - The Genesis Account, 2015, p. 211).

3.2 Diferenças Estruturais e Teológicas

Se Moisés tivesse plagiado os sumérios, esperava-se que o relato bíblico contivesse os mesmos elementos míticos e politeístas. Mas o texto de Gênesis apresenta um Deus único, moralmente justo e soberano, algo totalmente distinto da tradição suméria e babilônica (Walton, John H. - Ancient Near Eastern Thought and the Old Testament, 2009, p. 83).

3.3 Origem Oral e a Tradição de Transmissão 

Muitos estudiosos cristãos sugerem que a tradição do dilúvio era preservada oralmente por gerações desde Noé, sendo posteriormente registrada por diferentes culturas com variações. O relato bíblico, portanto, não depende da versão suméria, mas preserva a tradição original de forma mais precisa (Finkel, Irving - The Ark Before Noah: Decoding the Story of the Flood, 2014, p. 67). 

Conclusão

A análise da narrativa suméria do dilúvio mostra que embora existam semelhanças com o relato bíblico, as diferenças são profundas e essenciais. O relato bíblico do dilúvio *não depende* da tradição mesopotâmica, mas se encaixa na cosmovisão judaico-cristã de um Deus justo e soberano.

No próximo artigo (Parte 3), analisaremos a narrativa babilônica do dilúvio, encontrada na Epopeia de Gilgamesh, e veremos como suas diferenças com o relato bíblico reforçam a singularidade e autenticidade da história registrada em Gênesis.

O Épico de Enuma Elish e o Relato Bíblico da Criação: Uma Análise Comparativa – Parte 1

Por Walson Sales

A narrativa da criação no livro de Gênesis tem sido alvo de intensos debates acadêmicos, especialmente no contexto dos estudos sobre o Antigo Oriente Próximo. Alguns críticos argumentam que o relato bíblico teria sido influenciado ou até mesmo derivado do Épico de Enuma Elish, um mito babilônico sobre a origem do mundo e dos deuses. Para esses estudiosos, as semelhanças entre as duas narrativas indicariam que os hebreus simplesmente adaptaram uma tradição mitológica mais antiga.

No entanto, essa alegação precisa ser cuidadosamente analisada à luz da arqueologia, da história e da teologia. A descoberta das tábuas do Enuma Elish, seu contexto histórico e suas características literárias revelam um caráter distinto da narrativa bíblica. Enquanto o relato mesopotâmico está imerso em um politeísmo mitológico e em uma estrutura de propaganda política, o relato bíblico se destaca por sua clareza monoteísta e por sua abordagem teológica única.

Neste primeiro artigo da série, analisaremos a descoberta do Enuma Elish, sua estrutura e seu contexto histórico, preparando o terreno para uma análise mais profunda das semelhanças e diferenças entre essa narrativa e o relato de Gênesis.

1. A Descoberta do Épico de Enuma Elish

A compreensão moderna do Épico de Enuma Elish deve muito às escavações arqueológicas realizadas no século XIX. Antes da decifração da escrita cuneiforme, a Mesopotâmia era um vasto cemitério de civilizações enterradas. No entanto, com a descoberta da Inscrição de Behistun, em 1835, os estudiosos começaram a desvendar os segredos dessa antiga cultura.

1.1 Achados em Nínive

Entre os anos de 1848 e 1876, os arqueólogos Austen H. Layard, Hormuzd Rassam e George Smith realizaram escavações na antiga cidade de Nínive, capital do Império Assírio. Entre os achados mais significativos estava a biblioteca do rei Assurbanípal (668-626 a.C.), onde foram recuperadas diversas tábuas e fragmentos de tábuas que continham o Épico de Enuma Elish.

Essa epopeia, escrita em caracteres cuneiformes, está registrada em sete tábuas de barro e contém aproximadamente mil linhas. Seu título provém das palavras iniciais do texto, Enuma Elish ("Quando nas alturas"), uma prática comum nos textos do Antigo Oriente Próximo.

1.2 Outros Fragmentos e Datação

Desde a descoberta inicial, arqueólogos encontraram fragmentos adicionais do Enuma Elish, permitindo a reconstrução quase completa do texto. A versão mais conhecida foi preservada na biblioteca de Assurbanípal, no século VII a.C., mas os estudiosos acreditam que o poema foi composto muito antes, provavelmente durante o reinado de Hamurabi (1728-1676 a.C.).

No entanto, a origem do Enuma Elish remonta a tradições ainda mais antigas. Muitos estudiosos reconhecem que ele tem raízes nas narrativas dos sumérios, um povo não semita que habitava a Baixa Mesopotâmia desde pelo menos 4000 a.C. A escrita cuneiforme, usada para registrar o Enuma Elish, foi desenvolvida por esses sumérios e posteriormente adotada pelos babilônios.

2. O Contexto Histórico e a Função do Enuma Elish

O Épico de Enuma Elish não é apenas um mito de criação, mas também um documento de propaganda política e religiosa. Ele exalta a supremacia da Babilônia e de seu deus Marduque sobre outras divindades e cidades. Esse aspecto é essencial para entender sua composição e finalidade.

2.1 A Ascensão da Babilônia e a Exaltação de Marduque

O poema foi escrito durante um período de ascensão da Babilônia ao status de potência dominante na Mesopotâmia. Antes disso, diversas cidades-estado disputavam poder na região, cada uma com seus próprios deuses principais. Com a consolidação do império babilônico, tornou-se necessário justificar a supremacia de sua divindade tutelar, Marduque.

Assim, o Enuma Elish descreve Marduque derrotando as forças do caos, representadas pela deusa Tiamat, e organizando o cosmos. Como recompensa, ele é declarado o rei dos deuses, reforçando a ideia de que a Babilônia era a cidade escolhida dos deuses e seu rei governava com legitimidade divina.

2.2 Diferenças Fundamentais com Gênesis

Essa estrutura contrasta fortemente com o relato bíblico da criação. Enquanto o Enuma Elish apresenta uma cosmogonia politeísta, onde deuses travam batalhas pelo poder, Gênesis 1 descreve um Deus único, que cria todas as coisas por meio de sua palavra soberana, sem necessidade de combates ou conquistas.

Além disso, enquanto o Enuma Elish tem uma função clara de legitimar o domínio político e religioso da Babilônia, Gênesis apresenta um relato teológico atemporal, independente de circunstâncias políticas específicas.

Conclusão

A descoberta do Épico de Enuma Elish foi um marco importante na arqueologia do Antigo Oriente Próximo e levantou questões sobre a relação entre a mitologia mesopotâmica e o relato bíblico da criação. No entanto, uma análise cuidadosa revela diferenças fundamentais entre as duas narrativas.

O Enuma Elish reflete um contexto politeísta e político, exaltando Marduque como deus supremo e justificando a primazia da Babilônia. Já Gênesis apresenta uma cosmovisão monoteísta única, onde um Deus transcendente cria o universo de forma ordenada e soberana. 

Nos próximos artigos, exploraremos as semelhanças e diferenças específicas entre o Enuma Elish e o relato de Gênesis, demonstrando que a alegação de que os hebreus copiaram esse mito carece de base sólida. A Bíblia não apenas se distingue das narrativas pagãs, mas também apresenta uma visão muito mais coerente e teologicamente elevada da criação do mundo.  

Grande parte do que discutimos aqui pode ser encontrado em Arqueologia do Antigo Testamento, de Merrill F. Unger, um excelente recurso para quem deseja se aprofundar no tema. Se você deseja compreender melhor o contexto arqueológico e histórico do Antigo Testamento, vale a pena adquirir esse livro e estudar seus argumentos detalhadamente.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

A Confiabilidade histórica da Bíblia: Uma análise crítica à Luz da Pesquisa Contemporânea - Parte 3: A Geografia e os Costumes como Evidências Históricas

Por Walson Sales 

Nos últimos anos, diversas investigações têm desafiado a ideia de que os evangelhos são relatos imprecisos ou mitológicos. Justin Brierley, em seu livro The Surprising Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers are Considering Christianity Again, explora de maneira profunda e reveladora como a pesquisa moderna tem fortalecido a confiabilidade dos evangelhos, especialmente ao considerar aspectos como geografia e costumes da época. Em um mundo onde a descrença e o ceticismo sobre a veracidade dos textos bíblicos são comuns, a análise desses elementos se torna um marco para demonstrar a precisão histórica dos evangelhos.

1. A Geografia nos Evangelhos: Um Conhecimento Local Profundo

A análise da geografia no Novo Testamento é uma das áreas onde os evangelhos se destacam. O Dr. Peter J. Williams, acadêmico de Cambridge e autor de Can We Trust the Gospels?, revela que os escritores dos evangelhos demonstram um conhecimento impressionante sobre a geografia da Judeia e de Jerusalém no primeiro século. Segundo Williams, os autores dos evangelhos “sabem onde a terra sobe e desce” e são capazes de mencionar com precisão os tempos de viagem e as 26 cidades presentes nos relatos. Esse nível de detalhamento sugere que os autores não apenas estavam familiarizados com a região, mas possivelmente eram locais ou estavam em estreito contato com pessoas que eram.

Esse conhecimento da geografia é extremamente relevante, pois, sem recursos modernos como o Google ou mapas de fácil acesso, um escritor precisava ser local para entender a topografia, os tempos de deslocamento e os diferentes pontos de referência. Essa é uma característica que distingue os evangelhos de outras fontes históricas, que muitas vezes carecem dessa precisão.

2. Costumes e Convenções Locais: Reflexo de uma Cultura Específica

Além da geografia, os evangelhos também estão imersos nas convenções e nos costumes locais da Palestina do primeiro século. Dr. Williams aponta a presença de detalhes específicos, como as unidades de medida usadas nos evangelhos, que eram familiares apenas para aqueles que viviam na região. Por exemplo, no Evangelho de Lucas (capítulo 16), encontramos referências a medidas secas e úmidas que eram comuns no comércio palestino, além de expressões religiosas específicas, como “filhos da luz” e “mordomo injusto”. Essas frases, segundo Williams, são típicas da linguagem religiosa da Palestina, o que fortalece a ideia de que os evangelhos foram escritos por pessoas que possuíam uma profunda compreensão das nuances culturais da época.

O uso de uma linguagem distintamente local e a precisão ao descrever os costumes e práticas cotidianas também indicam que os autores não estavam escrevendo de um ponto de vista distante ou isolado da realidade da época de Jesus. A correta apresentação de moedas, práticas religiosas e expressões do cotidiano é outro indício claro de que os relatos são fiéis à época em que ocorreram.

3. Comparação com os Evangelhos Apócrifos: A Distância entre Autênticos e Lendários

Um ponto crucial para avaliar a confiabilidade dos evangelhos canônicos é compará-los com outros textos conhecidos como evangelhos apócrifos, que surgiram nos séculos II e III. Esses evangelhos, como o de Tomé ou o de Judas, mostram uma falta gritante de detalhes históricos, geográficos e culturais. Ao contrário dos evangelhos canônicos, esses textos são muito mais vagos e carecem de uma conexão clara com o tempo e o lugar em que os eventos descritos ocorreram.

Por exemplo, os evangelhos apócrifos frequentemente carecem de referências a nomes de lugares, detalhes de costumes locais ou descrições de geografia que são fundamentais nos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Essa ausência de detalhes específicos é uma evidência adicional de que os evangelhos canônicos são mais bem fundamentados historicamente, pois contêm um nível de detalhamento que só seria possível para quem viveu ou teve contato direto com a realidade de Jesus.

Conclusão

A pesquisa sobre geografia e costumes nos evangelhos, como destacado por estudiosos como o Dr. Peter J. Williams, oferece um apoio crucial à credibilidade histórica dos relatos evangélicos. A precisão geográfica, a familiaridade com os costumes locais e o uso de expressões típicas de Palestina indicam que os evangelistas estavam profundamente conectados com o contexto histórico e cultural da época de Jesus. Ao comparar os evangelhos canônicos com os apócrifos, fica claro que os primeiros são muito mais confiáveis e contextualizados historicamente. Essas evidências são um forte argumento contra as alegações de que os evangelhos são mitológicos ou inventados. Este artigo, repito, se baseia no livro The Surprising Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers are Considering Christianity Again, de Justin Brierley, que oferece uma análise detalhada e convincente sobre como a pesquisa contemporânea vem desafiando a visão cética sobre a veracidade dos evangelhos.

A Confiabilidade Histórica da Bíblia: Uma Análise Crítica à Luz da Pesquisa Contemporânea – Parte 2: Nomes nos Evangelhos

Por Walson Sales

A análise da confiabilidade histórica dos evangelhos é um campo em constante expansão dentro da pesquisa acadêmica. No primeiro artigo desta série, discutimos a evidência dos manuscritos e a documentação histórica relacionada aos evangelhos, que demonstram uma base sólida de autenticidade. Neste segundo artigo, vamos explorar um aspecto específico que reforça a ideia de que os evangelhos são relatos fiéis de testemunhas oculares: os nomes mencionados nos textos. Ao aprofundarmos na pesquisa de Richard Bauckham e nas descobertas que envolvem esses nomes, verificamos um forte vínculo entre os evangelhos e o contexto histórico de Jesus, oferecendo mais uma confirmação da credibilidade dessas narrativas.

1. A Importância dos Nomes nos Evangelhos

Uma das características notáveis dos evangelhos é a quantidade e a frequência dos nomes pessoais que aparecem nos relatos. O estudo desses nomes revela não apenas a familiaridade dos escritores com os eventos e pessoas descritas, mas também oferece um indício claro de que os evangelhos se basearam em testemunhas oculares e relatos diretos.

O historiador do Novo Testamento, Richard Bauckham, em seu livro Jesus and the Eyewitnesses, explora como os evangelhos contêm uma quantidade impressionante de detalhes que indicam que os autores estavam relatando testemunhos de pessoas que viveram na mesma época que Jesus. A relação dos nomes citados nos evangelhos é uma dessas pistas valiosas. Ao analisar os nomes mais comuns usados na Palestina do primeiro século, Bauckham observa que eles correspondem precisamente aos que são encontrados nos evangelhos, o que fortalece a ideia de que os relatos são genuínos e de origem contemporânea.

2. A Pesquisa de Tal Ilan e a Correlação com os Nomes Comuns

Para validar a autenticidade dos nomes nos evangelhos, Bauckham se apoia na pesquisa do estudioso israelense Tal Ilan, que investigou os nomes mais comuns encontrados em sítios de enterro da época de Jesus. O resultado dessa pesquisa revelou uma correlação notável: os nomes usados nos evangelhos — como Maria, Marta, Simão, André, Bartolomeu e outros — eram extremamente populares na Palestina durante o período de Jesus. Isso é particularmente relevante, pois apenas alguém que realmente tivesse vivido naquela época e naquele local poderia relatar com precisão quais nomes eram prevalecentes.

Essa descoberta refuta a ideia de que os evangelhos poderiam ter sido escritos em um período posterior, em um contexto cultural e geográfico diferente, onde os nomes usados seriam diferentes. Se os evangelhos tivessem sido escritos em outro período histórico ou local, seria improvável que os autores tivessem conseguido acertar com tanta precisão os nomes das pessoas mencionadas nas narrativas.

3. O Contexto Histórico dos Nomes nos Evangelhos

O fato de os evangelhos apresentarem uma correspondência tão estreita com os nomes usados na época de Jesus nos permite tirar conclusões significativas sobre a origem desses textos. Em um mundo antigo onde as convenções de nomes eram muito mais rígidas e locais do que são hoje, a precisão na escolha de nomes para os personagens da narrativa bíblica sugere que os evangelhos foram escritos por pessoas que estavam profundamente familiarizadas com o ambiente social, cultural e histórico da Palestina do primeiro século.

Os nomes mencionados nos evangelhos não são escolhidos aleatoriamente, mas seguem um padrão que reflete a realidade social e cultural da época. Esse nível de detalhamento só poderia ter sido obtido por pessoas que viveram durante o período de Jesus ou que foram diretamente influenciadas por aqueles que estavam ao seu redor. Essa evidência sugere fortemente que os evangelhos são relatos de testemunhas oculares e não invenções criadas muito depois dos acontecimentos que relatam.

4. A Implicação de Erros Comuns nas Supondo Lendas ou Mitologias

Uma das críticas mais comuns ao estudo histórico da Bíblia é a alegação de que os evangelhos são uma espécie de mitologia ou lenda, construída ao longo de séculos e distante da realidade histórica. Essa crítica muitas vezes desconsidera a importância dos detalhes que os evangelhos contêm, como os nomes, e ignora os avanços na pesquisa textual e histórica que mostram a autenticidade desses relatos.

Ao contrário da visão de que os evangelhos são produtos de uma tradição mitológica que se distorceu com o tempo, a precisão dos nomes e a forte correlação com o contexto histórico da Palestina indicam que os evangelhos são relatos genuínos, passados por testemunhas oculares ou por aqueles que estavam em contato direto com as testemunhas de Jesus. As tentativas de distorcer ou mitificar a história de Jesus ficam frágeis diante da evidência de que os evangelhos mantiveram muitos detalhes históricos, como os nomes, de maneira coerente com o tempo e o lugar onde os eventos ocorreram.

Conclusão

A análise dos nomes mencionados nos evangelhos oferece uma evidência importante sobre a confiabilidade histórica desses relatos. A pesquisa de Richard Bauckham, aliada aos estudos de Tal Ilan, revela que os nomes utilizados nos evangelhos correspondem exatamente aos nomes populares na Palestina do primeiro século, fortalecendo a ideia de que os evangelhos são baseados em testemunhos oculares e relatos de pessoas que viveram na mesma época que Jesus. Ao contrário das alegações de que os evangelhos são mitológicos ou lendários, essas descobertas apontam para a autenticidade dos textos e para o fato de que os escritores estavam profundamente conectados ao ambiente social e cultural da época. Dessa forma, a evidência dos nomes nos evangelhos serve como mais uma confirmação de que os relatos sobre a vida e os ensinamentos de Jesus são, de fato, históricos e confiáveis. Essa reflexão se baseia no livro The Surprising Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers are Considering Christianity_ Again de Justin Brierley, que, ao abordar essas questões, nos apresenta uma visão crítica e fundamentada sobre a confiabilidade dos evangelhos.

A Confiabilidade Histórica da Bíblia: Uma Análise Crítica à Luz da Pesquisa Contemporânea

Por Walson Sales 

A questão da confiabilidade histórica da Bíblia, especialmente os relatos dos evangelhos sobre Jesus Cristo, é frequentemente abordada com ceticismo na cultura contemporânea. A ideia de que os evangelhos são apenas relatos lendários ou mitológicos é uma presunção comum, respaldada por uma parte significativa da população. Contudo, ao analisarmos a pesquisa acadêmica moderna, fica claro que a tendência dos estudos históricos aponta em direção oposta a essa suposição. Este artigo tem como objetivo explorar, a partir do capítulo 4 do livro de Justin Brierley, The Surprising Rebirth of Belief in God, as evidências que confirmam a confiabilidade histórica dos evangelhos e, por conseguinte, o fundamento histórico da vida de Jesus Cristo.

1. A Evidência dos Manuscritos

Quando abordamos a confiabilidade histórica dos evangelhos, um dos primeiros aspectos a ser considerado é a evidência dos manuscritos. De acordo com o historiador do Novo Testamento, N. T. Wright, a crucificação de Jesus é "um dos fatos mais bem documentados de toda a história antiga". Esta declaração reflete a consistência da evidência histórica sobre a existência de Jesus, comparável a figuras históricas amplamente aceitas como Júlio César ou Alexandre, o Grande.

Apesar de uma certa presunção de que os evangelhos foram criados muitos séculos após os eventos relatados, a realidade é que os textos dos evangelhos foram provavelmente escritos entre trinta e sessenta anos após os eventos da vida de Jesus. Isso coloca os evangelhos em um contexto histórico muito mais próximo dos acontecimentos do que os relatos de muitas outras figuras históricas, que foram registrados muito tempo depois de sua morte.

2. Fontes Extrabíblicas e Corroboração Histórica

Outro ponto relevante para a análise da confiabilidade dos evangelhos são as fontes extrabíblicas. O historiador romano Tácito, o judeu Flávio Josefo e o escritor Plínio, o Jovem, mencionam Jesus e os primeiros cristãos em suas obras. Embora estas fontes não sejam extensas, elas corroboram a existência de Jesus e a formação do movimento cristão primitivo. No entanto, a maior parte do conhecimento sobre Jesus vem diretamente dos evangelhos, que não apenas documentam sua vida, mas também os ensinamentos e a ressurreição, eventos centrais para o Cristianismo.

A análise dessas fontes auxilia na construção de uma imagem confiável sobre a figura histórica de Jesus, pois, diferentemente de muitas outras figuras históricas, a documentação sobre Jesus é vasta e detalhada para a época em que viveu.

3. A Importância da Proximidade Temporal dos Textos

Um dos critérios principais para avaliar a confiabilidade de textos históricos é a proximidade temporal entre os eventos e a sua documentação. Quanto mais cedo os textos forem registrados em relação aos acontecimentos, maior a probabilidade de eles refletirem a realidade histórica com precisão. Os evangelhos, escritos dentro de algumas décadas após a vida de Jesus, oferecem uma janela temporal excepcionalmente próxima dos eventos que narram.

Além disso, a quantidade de manuscritos que sobreviveram é notável. Existem milhares de cópias, algumas delas datadas dentro de um século após os eventos originais, o que aumenta significativamente a confiabilidade dos relatos. Em contraste, muitos documentos históricos sobre outras figuras importantes da antiguidade sobrevivem em um número muito menor de cópias e com lacunas temporais bem maiores.

4. O Papel da Crítica Textual na Reconstrução dos Textos Originais

Uma das grandes inovações nos estudos históricos modernos é a aplicação da crítica textual, que permite aos estudiosos analisar e comparar as versões de textos bíblicos com grande precisão. Essa técnica, juntamente com os avanços tecnológicos, tem permitido que os estudiosos reconstruam com extraordinária fidelidade o conteúdo dos manuscritos originais dos evangelhos, dissipando a ideia de que os textos foram "mitificados" ao longo do tempo.

A crítica textual não apenas confirma a integridade dos evangelhos, mas também oferece um panorama mais claro da evolução e transmissão desses textos ao longo dos séculos. Em vez de pensar nos evangelhos como versões distorcidas e legendárias dos acontecimentos, os estudos modernos demonstram que os textos sobreviveram com uma notável precisão histórica.

5. A Incoerência da Visão Cética Moderna

Uma das falácias que permeia o discurso cético contemporâneo é a ideia de que a Bíblia, com o passar do tempo, se tornou um conto mitológico. Contudo, como vimos, as evidências históricas, manuscritas e extrabíblicas apontam na direção oposta. Ao contrário de outros textos antigos que sofreram distorções e lacunas significativas, os evangelhos são documentos com uma base sólida de evidência e um alto grau de autenticidade. O ceticismo moderno, ao ignorar esses aspectos, muitas vezes desconsidera a robustez das fontes e da documentação histórica disponíveis.

Conclusão

O estudo da confiabilidade histórica dos evangelhos, à luz da pesquisa acadêmica moderna, revela um panorama surpreendentemente sólido em relação à figura histórica de Jesus. As evidências dos manuscritos, a confirmação por fontes extrabíblicas, a proximidade temporal dos textos e os avanços na crítica textual fornecem uma base confiável para acreditar que os evangelhos são relatos históricos precisos e bem preservados. A visão cética que tende a descreditar os relatos bíblicos como meras lendas carece de fundamentação diante dessas evidências. Em última análise, a análise crítica das fontes históricas nos permite confiar na veracidade dos evangelhos como um testemunho fiel da vida e obra de Jesus Cristo.

terça-feira, 22 de abril de 2025

A Bíblia: O Livro que Muitos Ignoram, Mas que Moldou o Mundo - Um adendo

Por Walson Sales

A Bíblia é um dos textos mais influentes e amplamente distribuídos da história, mas, paradoxalmente, também é um dos mais ignorados. Seja por indiferença, desconhecimento ou rejeição deliberada, muitos deixam de explorar seu conteúdo e subestimam seu impacto. No entanto, a Bíblia não é apenas um livro de regras religiosas ou uma coletânea de histórias antigas; ela é um testemunho da história humana, um alicerce da moralidade e uma fonte de esperança para bilhões de pessoas ao longo dos séculos.

Ignorar a Bíblia não muda o fato de que ela moldou civilizações, inspirou leis, influenciou a arte e a literatura, e ofereceu respostas a perguntas que continuam desafiando a humanidade. Neste artigo, exploraremos a importância da Bíblia, suas implicações lógicas e o que se perde ao ignorá-la.

1. A Bíblia: Um Livro que Vai Além da Religião

1.1. Uma Coleção de Livros, Não Apenas Um Livro

Diferente do que muitos pensam, a Bíblia não é um único volume escrito por um único autor, mas uma biblioteca de sessenta e seis livros (ou mais, dependendo do cânone adotado). Escrita em três idiomas – hebraico, aramaico e grego – ao longo de aproximadamente 1.500 anos, ela reúne gêneros literários diversos:

- Literatura sapiencial (Provérbios, Eclesiastes)  

- Poesia (Salmos)  

- Narrativas históricas (Reis, Crônicas)  

- Profecias e escritos apocalípticos (Isaías, Apocalipse)  

- Biografias e cartas (Evangelhos, Epístolas Paulinas) 

A diversidade de autores e estilos torna a Bíblia um fenômeno literário singular. Se fosse apenas um conjunto aleatório de escritos religiosos, não deveria haver tanta coerência temática ao longo dos séculos.

1.2. A Coerência Temática ao Longo dos Séculos

Apesar da multiplicidade de autores e contextos históricos, a Bíblia apresenta um enredo coeso:

1. Criação – Um Deus único cria um mundo bom.

2. Queda – A humanidade se rebela e corrompe essa criação.

3. Redenção – Deus escolhe um povo (Israel) para trazer restauração.

4. Cumprimento – Jesus Cristo vem como o Messias, cumprindo as promessas.

5. Consumação – A esperança de uma nova criação, onde Deus restaurará todas as coisas.  

Se fosse apenas uma coleção de mitos e lendas, como explicar essa continuidade lógica?  

2. O Impacto da Bíblia na Sociedade

2.1. A Base das Leis e dos Direitos Humanos

Os princípios bíblicos influenciaram profundamente a formação das leis ocidentais. O conceito de dignidade humana, a ideia de justiça imparcial, a valorização da liberdade individual e a noção de direitos humanos universais têm raízes na visão bíblica do homem como imagem de Deus (Gênesis 1:27).

As sociedades que mais prosperaram em liberdade e justiça foram aquelas moldadas por esses valores. Ignorar a Bíblia significa ignorar os fundamentos de muitas das liberdades que hoje são tomadas como garantidas.

2.2. A Influência na Arte, Literatura e Cultura

A Bíblia foi uma das maiores inspirações para a arte e a literatura. Obras como A Divina Comédia (Dante), O Paraíso Perdido (Milton) e até filmes contemporâneos são permeados por temas bíblicos.

Mesmo aqueles que rejeitam a fé não podem negar que a Bíblia influenciou profundamente a cultura humana. Ao ignorá-la, perde-se a compreensão de grande parte da produção artística e literária da humanidade. 

3. O Que Se Perde ao Ignorar a Bíblia?

3.1. O Conhecimento da História Humana

A Bíblia é também um documento histórico. Eventos, cidades e personagens bíblicos foram confirmados por achados arqueológicos.

Quem ignora a Bíblia ignora uma peça essencial da compreensão do passado humano.

3.2. Respostas a Questões Fundamentais

A Bíblia lida com as grandes perguntas da existência:

De onde viemos?

Por que há sofrimento no mundo?

O que acontece depois da morte?

Existe um propósito na vida?

Seja para aceitar ou refutar suas respostas, é preciso conhecê-las primeiro. Muitos rejeitam a Bíblia sem sequer estudá-la profundamente.

Conclusão: Um Livro que Não Pode Ser Ignorado

A Bíblia não é apenas um livro religioso; é um documento histórico, cultural e filosófico de importância inquestionável. Negligenciá-la é negligenciar uma parte fundamental da identidade humana.

Mesmo que alguém não acredite em sua mensagem espiritual, ignorar seu conteúdo significa perder uma fonte riquíssima de sabedoria, história e cultura.

Seja para criticar ou para compreender, a única posição intelectualmente honesta é conhecê-la antes de descartá-la.

Este artigo foi inspirado em reflexões contidas no livro The Surprising Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers Are Considering Christianity Again, de Justin Brierley. A obra explora como muitos pensadores contemporâneos, mesmo fora do contexto religioso, têm reconsiderado o Cristianismo e sua influência na cultura, na moralidade e na visão de mundo. A partir dessa perspectiva, analisamos a importância da Bíblia não apenas como um texto religioso, mas como um fundamento essencial para a civilização ocidental e um dos livros mais influentes da história.

Questionário para Quem Ignora a Bíblia

1. Se a Bíblia é irrelevante, por que continua sendo o livro mais influente da história?

2. Como explicar a coerência temática da Bíblia, considerando que foi escrita por dezenas de autores em diferentes épocas e culturas? 

3. Se a moralidade não tivesse sido moldada pelos princípios bíblicos, como seriam as sociedades modernas?

4. Por que tantos regimes totalitários tentaram erradicar a Bíblia? O que eles temiam?

5. Se a Bíblia não tivesse existido, o que teria preenchido seu lugar na construção da civilização?

6. Como a Bíblia sobreviveu a séculos de perseguição, censura e tentativas de destruição?

7. Se a Bíblia fosse apenas um livro de mitos, por que tantas pessoas continuam sendo transformadas por sua mensagem?

8. Por que a Bíblia é um dos livros mais lidos e estudados no mundo, mesmo em sociedades secularizadas?

9. Se a Bíblia fosse apenas um texto religioso ultrapassado, por que seu impacto na cultura, na arte e na filosofia continua tão evidente?

10. Você já leu a Bíblia completamente antes de decidir que ela não tem valor?

A indiferença à Bíblia não muda o fato de que ela moldou a humanidade. A verdadeira questão não é se a Bíblia é importante, mas se estamos dispostos a reconhecê-la e aprender com ela.

A Bíblia: O Livro que Moldou o Mundo

Por Walson Sales

Durante o feriado, aproveitei para mergulhar em algumas leituras e revisitar obras que me marcaram. Uma delas foi _The Surprising Rebirth of Belief in God: Why New Atheism Grew Old and Secular Thinkers are Considering Christianity Again, de Justin Brierley. No capítulo 4, deparei-me com um trecho fascinante sobre a importância e a atualidade da Bíblia, um tema que continua relevante mesmo diante do secularismo crescente.

Por muitos anos, o Novo Ateísmo tentou desacreditar a Bíblia, classificando-a como um livro antiquado, repleto de mitos e irrelevante para o mundo moderno. No entanto, o que estamos testemunhando é um movimento contrário: pensadores seculares estão reconsiderando o Cristianismo, e a Bíblia continua a demonstrar sua força e influência cultural.

Ao longo da história, poucos livros tiveram um impacto tão profundo e abrangente quanto a Bíblia. Mesmo entre os mais ferrenhos críticos do cristianismo, há um reconhecimento inegável de sua influência moral e cultural. Desde a formação das línguas e literaturas até os fundamentos de leis e princípios de justiça, as Escrituras serviram como alicerce para o desenvolvimento de sociedades. Longe de ser um documento ultrapassado, a Bíblia continua a moldar o pensamento, inspirar movimentos sociais e influenciar o debate sobre os grandes dilemas da humanidade.

Este artigo explora como a Bíblia influenciou a cultura, a linguagem, a literatura e a sociedade, desafiando aqueles que negam sua importância a refletirem sobre sua relevância inquestionável.

1. A Bíblia e a Construção da Cultura Ocidental

Mesmo os chamados "Novos Ateus", como Christopher Hitchens e Richard Dawkins, reconhecem a influência cultural da Bíblia. Hitchens admitiu que a versão do Rei Tiago (King James Version) forneceu "um estoque comum de referências e alusões" comparável apenas a Shakespeare. Da mesma forma, Dawkins financiou um projeto para disponibilizar essa versão em todas as escolas do Reino Unido, não por motivos religiosos, mas porque a via como uma grande obra literária.

A Bíblia influenciou profundamente a literatura ocidental, dando origem a expressões que fazem parte do vocabulário cotidiano, como "sal da terra", "bom samaritano" e "andar a segunda milha". Até mesmo o termo "os quatro cavaleiros", adotado por Hitchens, Dawkins, Sam Harris e Daniel Dennett para descrever sua cruzada ateísta, vem diretamente do livro de Apocalipse.

2. A Influência na Literatura e na Educação

Grandes escritores, como Dante, Milton e Shakespeare, foram fortemente influenciados pela Bíblia. Shakespeare, por exemplo, baseou-se fortemente na tradução de William Tyndale do Novo Testamento. Além disso, a cadência e a beleza dos textos bíblicos moldaram a poesia e a literatura subsequente.

A escritora Marilynne Robinson descreveu a Bíblia como "O Livro dos Livros", argumentando que mesmo quando as referências bíblicas na literatura moderna são usadas de forma decorativa ou inconsciente, elas ainda são um reflexo da persistência dessa tradição literária poderosa.

A exclusão da Bíblia dos currículos educacionais modernos tem sido motivo de indignação para muitos intelectuais. O comunicador Melvyn Bragg lamenta que a Bíblia tenha sido relegada ao estudo religioso, enquanto Shakespeare continua a ser um pilar da educação. Segundo ele, ao removermos a Bíblia do ensino, estamos destruindo "catedrais da linguagem que são únicas no mundo".

3. O Impacto Social e Moral da Bíblia

O impacto da Bíblia não se limita ao mundo ocidental. O reformador social Vishal Mangalwadi argumenta que a influência bíblica trouxe progresso e libertação para diversas culturas. Na Índia, por exemplo, os missionários cristãos que traduziram a Bíblia para línguas locais acabaram por estabelecer as bases para a alfabetização e o desenvolvimento cultural.

Além disso, a cosmovisão bíblica ajudou a abolir práticas desumanas, como a queima de viúvas e o infanticídio de meninas. Mangalwadi vai além, afirmando que a independência da Índia foi, em grande parte, um fruto dos valores cristãos introduzidos pelos missionários.

4. A Beleza Intrínseca da Mensagem Bíblica

A influência da Bíblia não se deve apenas à sua grandiosidade literária, mas também à verdade e à beleza das ideias que ela expressa. A força do texto bíblico reside no fato de que ele não apenas moldou a cultura, mas continua a oferecer respostas e orientações para questões universais sobre moralidade, justiça e propósito de vida.

O Novo Ateísmo Está Perdendo Força?

O que torna essa discussão ainda mais interessante é que o próprio Novo Ateísmo, tão influente nas últimas décadas, está em declínio. Muitos de seus principais expoentes já não exercem o mesmo impacto, e novos pensadores estão reconsiderando a relevância do cristianismo. Filósofos e cientistas seculares começaram a admitir que o materialismo puro não fornece respostas satisfatórias para questões fundamentais da existência, como a origem da moralidade, da consciência e do próprio universo.

A redescoberta da importância da Bíblia faz parte desse movimento. Não se trata apenas de um livro antigo, mas de um texto que continua a desafiar e moldar a humanidade.

Conclusão

Ao revisitar The Surprising Rebirth of Belief in God, tornou-se ainda mais evidente que a Bíblia não é um vestígio ultrapassado do passado, mas um livro vivo, com implicações para o presente e o futuro. A tentativa de relegá-la à irrelevância fracassou e, ironicamente, até mesmo aqueles que a criticaram no passado começam a reconhecer sua importância cultural e filosófica.

Talvez a questão não seja se a Bíblia ainda é relevante, mas por que tantas pessoas continuam voltando a ela, mesmo após tentativas incansáveis de desacreditá-la. O que há nesse livro que resiste ao tempo e transforma vidas geração após geração? Essa é uma pergunta que nenhum cético pode ignorar.

Mais do que um texto religioso, a Bíblia é um pilar da civilização. Seu impacto na cultura, na moralidade, na literatura e na formação de nações é inquestionável. Mesmo aqueles que rejeitam sua mensagem espiritual não podem negar sua influência na construção do mundo em que vivemos.

Se a Bíblia for completamente removida da sociedade moderna, o que restará? Como preencher o vazio deixado pela ausência de seus princípios de justiça, compaixão e verdade? A história já demonstrou que sociedades que tentam eliminar sua influência acabam substituindo-a por sistemas autoritários e desumanos.

A Bíblia moldou o mundo — e continua a transformar aqueles que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir.

Questionário

1. Se a Bíblia fosse apenas um livro comum, por que teria sido um dos textos mais perseguidos e banidos ao longo da história?

2. Se a Bíblia não tivesse influência, por que até mesmo críticos do cristianismo, como Hitchens e Dawkins, a reconhecem como um dos pilares culturais do Ocidente?

3. Como você explica o fato de que a moralidade e os direitos humanos modernos são fundamentados em princípios que a Bíblia estabeleceu há milênios? 

4. Se a Bíblia não tem importância, por que sua exclusão dos currículos escolares causa tanto impacto e indignação entre estudiosos e intelectuais?

5. Se a Bíblia fosse irrelevante, por que tantas pessoas ao longo da história arriscaram suas vidas para preservá-la e compartilhá-la?

Esse questionário desafia aqueles que negam a importância da Bíblia a refletirem com mais profundidade sobre seu impacto no mundo. Afinal, negar a influência das Escrituras é negar um dos pilares fundamentais da civilização.

sábado, 12 de abril de 2025

A Bíblia: Um Livro Único e Inquestionável

Por Walson Sales

Antes de iniciar a introdução deste artigo, gostaria de destacar que me baseei no texto do Richard M. Fales, Ph.D., presente na The Evidence Study Bible: All You Need to Understand and Defend Your Faith, uma Bíblia de grande relevância. Esta obra se destaca não apenas pela clareza de sua linguagem, que é acessível e evangelística, mas também por sua defesa da teoria da criação bem popular, uma posição defendida por muitos pentecostais no Brasil. 

Essa Bíblia é uma excelente ferramenta para fortalecer a fé e proporcionar uma compreensão mais profunda da Escritura, aliando uma visão apologética com a defesa das evidências científicas que confirmam a veracidade da Bíblia. Considero que esta obra merece ser traduzida e publicada no Brasil, pois será um recurso valioso para cristãos de diferentes contextos, principalmente em um país como o Brasil, onde muitos se deparam com desafios relacionados à fé e à ciência.

Nenhum outro livro antigo é tão atacado, questionado e submetido a escrutínio como a Bíblia. Críticos se esforçam para desacreditá-la, apontando supostas lacunas entre os eventos registrados e as cópias mais antigas que possuímos. Alegam que as Escrituras foram manipuladas ao longo dos séculos e que os relatos nelas contidos não são confiáveis. No entanto, ao contrário dessas alegações infundadas, as evidências históricas, arqueológicas e manuscritas mostram que a Bíblia é um documento confiável e imutável ao longo do tempo.

Se aplicarmos à Bíblia os mesmos critérios de confiabilidade que usamos para outros textos históricos, sua autenticidade se mostrará indiscutível. Então, por que esse duplo padrão? Por que documentos históricos com muito menos evidências são aceitos sem questionamento, enquanto a Bíblia é constantemente alvo de ataques? Vamos analisar as evidências que sustentam sua confiabilidade e importância.

1. Evidências Manuscritas: A Confiabilidade Textual da Bíblia

Uma das objeções mais comuns contra a Bíblia é a suposta falta de confiabilidade dos manuscritos que chegaram até nós. Os críticos frequentemente alegam que há um grande intervalo de tempo entre os eventos descritos na Bíblia e a redação dos primeiros manuscritos, sugerindo que isso comprometeria a precisão e autenticidade do texto bíblico. No entanto, uma análise criteriosa dos manuscritos da Bíblia, especialmente do Novo Testamento, revela que essas alegações não se sustentam.

Para entender melhor essa questão, podemos comparar a transmissão dos textos bíblicos com outras obras da antiguidade amplamente aceitas. Por exemplo:

- A "Ode à Poética" de Aristóteles foi escrita entre 384 e 322 a.C., mas o manuscrito mais antigo disponível hoje data do ano 1100 d.C. o que significa um intervalo de aproximadamente 1.400 anos entre o original e as cópias mais antigas que possuímos. Além disso, existem apenas 49 manuscritos conhecidos dessa obra.

- As "Tetrálogias" de Platão foram escritas entre 427 e 347 a.C., e o manuscrito mais antigo conhecido é de 900 d.C., um intervalo de mais de 1.200 ano, com apenas sete cópias sobreviventes.

Agora, comparemos esses números com a transmissão dos manuscritos do Novo Testamento:

- Jesus foi crucificado por volta do ano 30 d.C.

- O Novo Testamento foi escrito entre 48 e 95 d.C., ou seja, dentro de uma única geração dos eventos descritos.

- Os manuscritos mais antigos datam da última parte do primeiro século e o segundo mais antigo é de 125 d.C., representando um intervalo de apenas 35 a 40 anos entre os eventos originais e os primeiros manuscritos preservados. 

- Atualmente, existem 5.300 manuscritos gregos do Novo Testamento e, se incluirmos traduções antigas em síriaco, latim, copta e aramaico, esse número salta para impressionantes 24.633 manuscritos!

Isso significa que a Bíblia não apenas supera todas as outras obras antigas em número de cópias manuscritas, mas também apresenta um intervalo de tempo entre o original e as cópias mais antigas muito menor do que qualquer outro documento histórico. Essa grande quantidade de manuscritos possibilita uma reconstrução altamente precisa do texto original, com um grau de confiabilidade sem precedentes.

Portanto, a alegação de que houve um grande intervalo de tempo entre os eventos do Novo Testamento e sua escrita não tem fundamento. A vasta evidência manuscrita prova, além de qualquer dúvida razoável, que o Novo Testamento que temos hoje é essencialmente o mesmo que foi escrito há quase 2.000 anos.

2. O Cânon Bíblico: Fatos vs. Mitos

Outro argumento frequentemente levantado contra a Bíblia é a ideia de que os livros do Novo Testamento foram escolhidos arbitrariamente em concílios da Igreja, como o de Nicéia (325 d.C.). No entanto, esse argumento carece de fundamento histórico. 

Os livros do Novo Testamento não foram escolhidos por decisão humana em um concílio. Pelo contrário, os cristãos desde o século I já reconheciam os escritos apostólicos como inspirados e os preservavam cuidadosamente. Os concílios apenas confirmaram o que a Igreja já acreditava e utilizava.

Além disso, o Antigo Testamento já estava consolidado muito antes da era cristã. O próprio Jesus reconheceu a autoridade das Escrituras judaicas (Lucas 24:44). Portanto, a ideia de que o Imperador Constantino "decidiu" quais livros fariam parte da Bíblia é um mito popular sem respaldo histórico.

3. Profecias Cumpridas: A Assinatura de Deus na História

Outro fator que atesta a autenticidade da Bíblia é o cumprimento impressionante de profecias feitas séculos antes de sua realização. Nenhum outro livro da história faz previsões tão específicas e detalhadas sobre eventos futuros com tamanha precisão.

Profecias sobre Nações e Cidades

A Bíblia não apenas menciona impérios e cidades da antiguidade, mas também previu o ascensão e queda de grandes impérios, como a Grécia e Roma:

- Em Daniel 2:39-40, foi profetizado que após o Império Babilônico surgiriam impérios sucessivos que dominariam o mundo. Isso foi cumprido na ordem exata: o Império Medo-Persa, seguido pelo Império Grego sob Alexandre, e posteriormente pelo Império Romano.

Outro exemplo impressionante é a profecia sobre a destruição da cidade de Tiro (Isaías 23). A Bíblia previu que Tiro seria destruída e seus escombros seriam jogados ao mar. O cumprimento dessa profecia é registrado pela história: 

- Nabucodonosor, rei da Babilônia, tentou tomar a cidade de Tiro em 573 a.C. e falhou em destruí-la completamente, pois a maior parte da população fugiu para uma ilha próxima.

- Alexandre, o Grande, em 332 a.C., completou a destruição ao construir um caminho artificial sobre o mar, utilizando os destroços da cidade destruída para alcançar e destruir a parte insular de Tiro. Esse evento histórico cumpriu com exatidão o que foi predito em Ezequiel 26:12.  

Profecias sobre Jerusalém e o Templo

Jesus fez uma profecia impressionante sobre a destruição de Jerusalém e do Templo registrada em Mateus 24:1-2 e Lucas 21. Ele previu que não restaria *pedra sobre pedra* do Templo, e que Jerusalém seria invadida e destruída.

Essa profecia se cumpriu no ano 70 d.C. quando Tito, o general romano, sitiou Jerusalém e destruiu completamente o Templo, exatamente como Jesus havia predito. Além disso, os judeus foram dispersos pelo mundo, cumprindo a profecia da diáspora judaica.

4. Profecias Messiânicas: A Identidade de Jesus

O Antigo Testamento contém mais de 300 profecias messiânicas, muitas das quais foram cumpridas na vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Algumas das mais notáveis incluem:

- Nascimento em Belém – Profetizado em Miquéias 5:2, cumprido em Mateus 2:1.  

- Nascimento de uma virgem – Profetizado em Isaías 7:14, cumprido em Mateus 1:23.  

- Traição por 30 moedas de prata – Profetizado em Zacarias 11:12-13, cumprido em Mateus 26:15.

- Morte por crucificação – Profetizado em Salmos 22 (muito antes da crucificação ser uma prática comum), cumprido em João 19:18.

- Sepultamento em túmulo de um homem rico – Profetizado em Isaías 53:9, cumprido em Mateus 27:57-60.

O impressionante dessas profecias é que elas foram registradas séculos antes do nascimento de Jesus, eliminando qualquer possibilidade de fraude ou manipulação. Não há outro personagem na história que tenha cumprido todas essas profecias além de Jesus de Nazaré.

Se alguém tentasse reunir todas as profecias messiânicas e aplicá-las a uma única pessoa por coincidência, a probabilidade matemática de que elas fossem cumpridas em um único indivíduo seria astronomicamente pequena. O cumprimento dessas profecias atestam, de maneira irrefutável, que a Bíblia não é um livro comum, mas a Palavra inspirada de Deus.

Conclusão

Diante das evidências, a confiabilidade da Bíblia se mostra inegável. Desde sua preservação manuscrita até suas profecias cumpridas, a Escritura Sagrada resiste ao teste do tempo e continua sendo a fonte de verdade para bilhões de pessoas ao longo da história.

Seus críticos aplicam um padrão duplo: aceitam textos com pouca ou nenhuma evidência manuscrita e ignoram as milhares de provas que sustentam a veracidade da Bíblia. Por que essa resistência? O problema não é falta de evidências, mas uma recusa deliberada em aceitar a mensagem que a Bíblia carrega.

Se a Bíblia realmente é a Palavra de Deus, ignorá-la não é apenas irracional, mas pode ter consequências eternas.

Questionário para os Críticos da Bíblia

1. Se confiamos nos escritos de Platão e Aristóteles com tão poucos manuscritos e uma grande lacuna temporal, por que não confiamos na Bíblia, que tem muito mais evidências?

2. Qual outra obra da Antiguidade possui tantas confirmações arqueológicas e manuscritas quanto a Bíblia?

3. Como explicar o cumprimento preciso de centenas de profecias bíblicas sem recorrer à inspiração divina?

4. Se a Bíblia foi "alterada" ao longo dos séculos, por que os milhares de manuscritos encontrados em diferentes épocas e regiões mostram que seu conteúdo permaneceu essencialmente inalterado?

5. Se a Bíblia foi escrita por homens e não tem inspiração divina, como ela conseguiu influenciar profundamente a história, a cultura, o direito e a moral de nações inteiras por milênios?

6. Se a Bíblia fosse apenas um livro humano, por que tantos intelectuais céticos tentam refutá-la incessantemente, ao invés de simplesmente ignorá-la?

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Porque uma interpretação correta das Escrituras torna-se extremamente necessárias nos dias atuais?

Assistimos nos últimos anos o surgimento de várias novas "teologias" que procuram de alguma forma dar novas interpretações aos textos da Bíblia Sagrada mas, qual delas traz um real sentido das Escrituras?

Sobre a autoria da Bíblia Sagrada

Há alguns dias, ouvi uma pessoa afirmar: Creio em Deus, mas não acredito que a Bíblia seja a Palavra de Deus pois foi escrita por homens.

A autoria a Bíblia Sagrada sofre verdadeiros ataques, há alguns pensamentos, não só modernos, mas já algum tempo, de que a autoria da Bíblia pode e deve ser questionada, afinal foi escrita por homens que, por sua vez, são falhos.

Existe pelo menos 3 tipos de pensamentos sobre a Bíblia Sagrada conforme Noman Geisler e William Nix (2006, p.16), entretanto, vamos nos deter no pensamento ortodoxo:

O ensino Ortodoxo, que afirma ser a Bíblia a Palavra de Deus, sendo esta ditada, mas não de forma mecânica e sim de uma forma que Deus respeita a personalidade humana. Ainda levando em consideração do conceito de inspiração conceitual de cada autor, respeitando a forma literária de cada um. 

Sobre inspiração divina

Podemos dizer que a Bíblia Sagrada é um livro singular de autoria divino- humana, pois ela foi inspirada por Deus e da mesma maneira escrita por homens que estiveram sob inspiração e supervisão do Espírito Santo:

Temos, assim, tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atende-la, como a uma candeia que brilha em lugar tenebroso, até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vosso coração, sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidas pelo Espírito Santo. (2Pe 1.19-21)

A Teologia Sistemática Pentecostal afirma que: A Bíblia Sagrada é um livro de dupla autoria. Se por um lado, foi inspirada por Deus; por outro, não podemos nos esquecer de ter sido escrita por homens que estiveram sob a inspiração e supervisão do Espírito Santo. (p.20).

A Bíblia Sagrada além de ser a própria Palavra de Deus, ela auxilia o homem para uma melhor compreensão sobre Deus, O Deus Criador, Todo-Poderoso, portanto, concordamos com Heber que diz que “As Escrituras são os óculos através dos quais podemos ver claramente quem está por trás das obras da criação.” (CAMPOS, 2018, p.49, Vl. 01).

A Bíblia é a Palavra de Deus, mas devemos concordar com Thomas Brown ao dizer que “A Palavra de Deu, pois é o que creio serem as Sagras Escrituras; Fosse apenas obra do homem, seria a mais singular e sublime, desde o primeiro instante da criação” (BROWN, 1985 apud GILBERTO, ANDRADE, ZIBORDI, CABRAL, et al, 2008, p.21). A 

Bíblia é um livro incrivelmente singular, por possuir uma dupla natureza em sua autoria a divina e a humana. O que deixa a deixa um tanto quanto interessante em sua leitura é que em nenhum momento essas duas naturezas entram em contradição ou violam-se, pois a inspiração divina é inviolável. Como a Bíblia tem em sua característica ser um livro de coautoria humana, podemos observar que nela contém estilos literários característicos já abordados neste trabalho anteriormente, como podemos observar as poesias, histórias, discursos, profecias e dissertações acerca da pessoa de Deus e de suas relações com o homem e com a natureza contidas em toda a bíblia Sagrada. Como os estilos literários individuais dos homens não foram violados pela inspiração divina, desta forma, é definida a doutrina da inspiração divina dada aos homens na produção da Bíblia Sagrada (2Tm 3.16).

Podemos observar que a Bíblia é um livro humano, foi escrita por autores humanos por isso se fez necessário a preservação das formas literárias, pois, elas são características das produções literárias humanas, sabendo que cada homem em sua individualidade tem uma característica singular podendo esta variar de acordo com a época e ponto de vista, e com a bíblia não poderia ser diferente, existem aproximadamente 45 homens diferentes que foram usados por Deus para escrever Sua Palavra. Ainda em relação a autoria humana a Bíblia foi escrita em línguas humanas: 

“(Hebreu no Antigo Testamento e Grego no Novo Testamento). A Bíblia é expressa em estilos literários humanos (incluindo a elevada poesia de Isaías, as lamentações pesarosas de Jeremias, as parábolas de Jesus registradas nos evangelhos e a apresentação didática de Paulo)” (ZACHARIAS; GEILER, 2016, p.127).

Portanto, a Bíblia além de ser um livro humano, pois foi desenvolvida, sistematizada e preservada por homens através das tradições orais, posteriormente escrita e traduzida por homens igualmente compromissados com Deus em transmitir a sua revelação especial. Entretanto, a autoria da Bíblia não se limita somente aos homens que a escreveram, Deus tornou que esta Revelação Especial fosse possível graças ao que chamamos na teologia de Inspiração.


Por Rafael Félix.

sábado, 24 de dezembro de 2022

O FINAL DO EVANGELHO DE MARCOS (16.9-20) É AUTÊNTICO?

 

Leandro Mendonça Justino [1]


INTRODUÇÃO


Depois de ter comentado uma imagem compartilhada por meu professor, Walson Sales, em uma lista de transmissão pelo WhatsApp, fui convidado por ele a escrever sobre um dos assuntos teológicos contido naquela imagem. O assunto era crítica textual. Na imagem um pastor da Igreja Batista Redenção[2] estava sendo questionado por uma pessoa sobre a atualidade dos dons espirituais (é o que dá a entender), essa pessoa cita um texto que se encontra no final do evangelho de Marcos (16.17,18) e questiona ao pastor se ele acreditava nas palavras de Jesus registradas naqueles versículos. Uma das coisas respondida pelo pastor é que Jesus não falou aquelas palavras e que esse texto é uma inserção feita no texto bíblico no século dois, e que ele acreditava em um texto falso. Então o rapaz questiona: “esse texto não deveria estar na bíblia?” O pastor responde: “esse texto não está na bíblia, alguém colocou lá”. Essas são algumas das informações relevantes daquela imagem.

Por conseguinte, temos por finalidade responder essa pergunta: o final do evangelho de Marcos (16.9-20) não deveria estar na Bíblia? Esse questionamento surgiu “desde que Tischendorf descobriu o Códice Sinaítico, em meados do século dezenove” (PAROSCHI, 2012, p. 208), onde essa passagem não se encontra registrada nele. Esse manuscrito é considerado um dos melhores manuscritos que possuímos pela maioria dos críticos textuais. 

Vamos iniciar essa pesquisa tentando entender a problemática.


ENTENDENDO A QUESTÃO


Para entendermos essa questão da não autenticidade de um texto bíblico do Novo Testamento, o que é para muitos uma dificuldade intelectual, se faz necessário entender como o texto em português que possuímos e utilizamos é produzido. As nossas Bíblias são uma tradução. Acredito que todos saibam que o Novo Testamento não foi escrito originalmente em português. De fato, ele foi escrito em Grego em uma época onde a imprensa ainda não tinha sido inventada e muito menos a foto cópia. No primeiro século, quando o Novo Testamento foi escrito a única maneira de preservar um documento era copiando a mão. E, o que acontece quando tentamos copiar as palavras de um livro à mão? Certamente, erros são cometidos, uma palavra é escrita errada, uma palavra é omitida, uma linha pode ser pulada, pode ser acrescentado uma palavra, etc., e quando nós analisamos as mais de 5.800 cópias do Novo Testamento que possuímos espalhadas pelo mundo é exatamente isso o que observamos, nenhum manuscrito concorda com outro em todos os lugares. Mas, isso não seria um problema se tivéssemos os livros originais do Novo Testamento, pois bastaria comparar as cópias com os documentos originais, identificar os erros e corrigir. Entretanto, nós não possuímos nenhum documento original do Novo Testamento. Temos apenas suas cópias. Isso é um fato e não tem como se esquivar disso. Todavia, não ter os livros originais do Novo Testamento não quer dizer necessariamente que não temos o texto original, vale a pena ter isso em mente, o importante é o texto e não o documento físico.[3]

Dessa forma, para produzir um texto grego do Novo Testamento precisamos de uma disciplina especial que tem por objetivo reconstruir o texto de um documento cujo o original foi perdido ou destruído e que suas cópias sobreviventes possuem divergências entre si – a crítica textual. A crítica textual não deve ser entendida como um apontamento de defeitos do texto do Novo Testamento, mas como um exercício de julgamento. Visto que não temos os documentos originais do Novo Testamento e suas cópias que sobreviveram possuem diferenças entre si, então precisamos avaliar e tentar descobrir qual é o texto correto que o autor escreveu e qual é o texto errado acrescentado ou omitido por aquele que o copiou. E, para isso precisamos de uma metodologia. Não podemos simplesmente escolher os textos que gostamos, e excluir os que não queremos, como as Testemunhas de Jeová fazem com sua bíblia mutilada, a Tradução do Novo Mundo. Precisamos de uma metodologia e precisamos ser consistentes em sua utilização.


EM BUSCA DE UMA METODOLOGIA


Aqui está a chave para entender porque algumas pessoas defendem que o final do evangelho de Marcos (16.9-20) é autêntico e outras não – a metodologia. Existem mais de 5.800 manuscritos Gregos do Novo Testamento, e ninguém até hoje foi capaz de contar quantas diferenças há entre esses manuscritos. O Novo Testamento em Grego, segundo Wallace (2009) tem 138.162 palavras.[4] Uma estimativa dada por Komoszewski, Sawyer e Wallace (2006, p. 54) é que existem 400.000 diferenças ou erros entre os manuscritos gregos, sem contar as versões[5], poderíamos dizer que em média para cada palavra do Novo Testamento em Grego temos três opções. Porém, não devemos nos assustar com esses números, pois apenas mais ou menos 1% do texto Grego do Novo Testamento é afetado por esses erros, de modo a alterá-los de alguma forma significativa e possuindo alguma chance de ser o texto original, os outros 99% do texto os estudiosos não possuem duvidas, pois os erros que aparecem nos manuscritos são fáceis de serem identificados e corrigidos, ou não possuem chance de serem o texto original. Chamamos tecnicamente esses erros entre os manuscritos de variantes textuais.[6] E onde estão essas variantes que alteram o sentido do texto de alguma forma significativa e possuem alguma possibilidade de serem o texto original do Novo Testamento? Esses 1% (1.438)[7] do texto em Grego e suas variantes se encontram nas notas de roda pé (aparato crítico) da Bíblia em Grego da Sociedade Bíblica do Brasil, o GNT (The Greek New Testament), você também pode ver com mais facilidade todas essas variantes e quais as passagens bíblicas que são afetadas no livro: Variantes Textuais do Novo Testamento, do autor: Roger L. Omanson.[8]

São os críticos textuais que trabalham com essas variantes, eles utilizam vários argumentos textuais para dizer qual variante é mais provável de ser o texto original. Isso eles fazem se baseando nas evidências. As evidências são classificadas como sendo de natureza interna e externa. De acordo com Blomberg (2014) a evidência externa se refere ao número e à natureza dos manuscritos que apoiam cada leitura variante. E a evidência interna é a avaliação das mudanças que um copista provavelmente faria, intencionalmente ou não, bem como o que o autor original provavelmente teria escrito. 

Conforme Porter e Pitts (2015), existem diversas metodologias utilizadas para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento e entre elas estão: a abordagem genealógica, a do texto majoritário, os métodos ecléticos e o modelo de texto único. Cada metodologia dá uma certa ênfase as evidências e dessa forma dependendo da metodologia adotada teremos um texto diferente. 

Apesar de ter mencionado quatro metodologias que podem ser adotadas na reconstrução do texto Grego do Novo Testamento, nessa pesquisa defendo o ecletismo ponderado, pois, ela é a metodologia mais coerente e adequada para o Novo Testamento, porque ela dá a mesma importância as evidências (interna e externa). O método eclético possui duas categorias, o ecletismo rigoroso e o ponderado. O motivo pelo qual eu não adoto o ecletismo rigoroso é porque ele não dá muita importância as evidências externas, um crítico textual que se considera um eclético rigoroso é Keith Elliott, o seu posicionamento é que o final do evangelho de Marcos foi perdido.[9] E ao dar ênfase as evidências internas ele não leva em consideração ao tomar esse posicionamento o fato de que provavelmente o evangelho de Marcos foi escrito em formato de rolo, e nesse tipo de manuscrito o final é o mais protegido, então o último texto que poderia ser perdido é justamente o final, mas o ecletismo rigoroso ao dar ênfase as evidências internas, não leva em consideração essas informações das evidências externas. 

O ecletismo rigoroso é um extremo, do outro lado, na outra extremidade se encontra os defensores do texto majoritário, dando ênfase as evidências externas. Esse extremo também deve ser evitado por uma questão simples de logica. Os defensores do texto majoritário advogam a causa de que o texto original do Novo Testamento está preservado na maioria dos manuscritos, porém, se um texto falso foi copiado mais vezes do que o texto original isso faria o texto falso se tornar o texto original? Claro que não, uma mentira contada milhares de vezes não se torna verdade, por esse motivo a maioria dos críticos textuais rejeitam a abordagem do texto majoritário. A questão aqui não é poucos manuscritos versus milhares de manuscritos, mas é um texto preservado em poucos manuscritos contra um texto preservado em milhares de manuscritos. É um contra um. Qual é o mais provável de ser o texto original? Onde as evidências nos levam? A crítica textual é mais complexa do que simplesmente contar manuscritos como os defensores do texto Majoritário fazem. 

E, é justamente essa complexidade que faz com que o método genealógico se torne inadequado para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento. Diferente do Alcorão, o Novo Testamento não teve sua distribuição controlada. Quando Paulo escreveu a carta aos Romanos, ele a enviou por meio de uma irmã chamada Febe, e depois disso, ele não tinha mais controle sobre o texto de sua carta. Cada cristão quando podia, sempre estava fazendo uma cópia do seu livro para preservar para a posteridade o texto das Escrituras. Dessa forma, é muito difícil dizer de que manuscrito um manuscrito do Novo Testamento foi copiado, dificultando a reconstrução de uma árvore genealógica.

Enquanto os defensores do texto majoritário dão ênfase as evidências externas, o modelo de texto único utiliza apenas as evidências externas e não dá valor algum as evidências internas. Em conformidade com Porter e Pitts (2015), o modelo de texto único propõe o uso de um único manuscrito antigo, tendo por objetivo apresentar um texto que era realmente usado pela igreja antiga, deixando as responsabilidades críticas do texto com os editores antigos, que teriam acesso a manuscritos anteriores e melhores do que os editores modernos. O problema desse método é que ele não leva em consideração as evidências internas. Existem erros ortográficos claros nos manuscritos antigos, mas esse método consideraria o erro gráfico, como o texto mais provável a ser o original, isso é incoerente.

Portanto, vamos analisar o final do evangelho de Marcos utilizando o ecletismo ponderado, método que como eu já exprimi é o mais apropriado para a reconstrução do texto Grego do Novo Testamento. 


O FINAL DO EVANGELHO DE MARCOS, AUTÊNTICO OU NÃO?


Poderíamos dizer que o final do evangelho de Marcos (16.9-20) tem um problema textual um pouco complexo. Pois, a questão não é simplesmente se o final faz ou não faz parte do evangelho, como se tivéssemos apenas duas opções, na verdade, entre os manuscritos Grego do Novo Testamento que sobreviveram existem quatro opções, de uma forma simplista são essas opções informada por Omanson (2010, pp. 103, 104):


1. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 8.

2. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20.

3. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20, mas antes do versículo 9 há o seguinte acréscimo: “Elas narraram brevemente a Pedro e seus companheiros o que lhes havia sido anunciado. E, depois dessas coisas, o próprio Jesus enviou por meio deles, do Oriente ao Ocidente, a sagrada e incorruptível proclamação da salvação eterna. Amém”.

4. O evangelho de Marcos acaba no capítulo 16, e o versículo 20, mas depois do versículo 14 há o seguinte acréscimo: “E eles alegaram em sua defesa: ‘Este tempo de iniquidade e incredulidade está sob o domínio de Satanás, que não permite que a verdade e o poder de Deus prevaleçam sobre as coisas impuras dos espíritos [ou, que não permite que quem está sob o poder dos espíritos imundos apreenda a verdade e o poder de Deus]. Por isso, revela agora a tua justiça’. Foi o que disseram a Cristo, e Cristo lhes respondeu: ‘O fim dos anos do poder de Satanás se cumpriu, mas outros acontecimentos terríveis se aproximam. E eu fui entregue à morte por aqueles que pecaram, para que retornem à verdade e não pequem mais, a fim de que sejam herdeiros da glória de justiça espiritual e incorruptível que está no céu”.


Como bem sabemos a verdade é absoluta e não relativa, então as quatro opções não podem estar corretas, apenas uma está e as outras três não. Dessas quatro opções duas tem possibilidade real de serem o texto original, que são as opções 1 e 2, as evidências textuais em favor das opções 3 e 4 são pobres, dificilmente você encontraria alguém defendendo-as como sendo provável de ser o texto original. Por outro lado, encontramos estudiosos defendendo as opções 1 e 2, a maioria dos críticos textuais estão convencidos de que a opção 1 é a mais provável de ser a correta, os motivos alistados por Omanson (2010, pp. 102, 103) para chegarmos a essa conclusão são as seguintes:


1. Os doze últimos versículos (16.9-20) não aparecem nos dois mais antigos manuscritos Grego, no manuscrito Bobiense da Antiga Latina, no manuscrito da siríaca sinaítica, em mais ou menos cem manuscritos armênios, e nos dois mais antigos manuscritos georgianos.

2. Os pais da igreja Clemente de Alexandria (segundo século) e Orígenes (terceiro século) não dão mostras de que sabiam da existência desses doze versículos. Eusébio (quarto século) e Jerônimo (quinto século) afirmam que esses versículos estavam ausentes de quase todas as cópias gregas de Marcos que eles conheciam.

3. Vários manuscritos que contêm esses versículos trazem notas de copistas dando conta de que cópias gregas mais antigas não tinham esse texto. Em outros manuscritos, essa passagem traz sinais que os copistas colocavam no texto para indicar que se tratava de um acréscimo ao documento.

4. O vocabulário e o estilo desse final mais longo diferem do resto do Evangelho de Marcos, e isto sugere que os versículos 9-20 não são originais. Existem também certas incoerências entre os versículos 1-8 e os versículos 9-20. Um exemplo de incoerência é a reaparição de Maria Madalena, no versículo 9, onde ela já tinha sido mencionada em 15.47 e 16.1, outra coisa a chamar a atenção é o fato das outras mulheres não serem também mencionada no versículo 9.


Essas e outras razões fazem quem entende sobre crítica textual acreditar que o final do evangelho de Marcos não é autêntico. Porém, embora o final do evangelho de Marcos (9-20) provavelmente não seja autêntico, no entanto, precisamos reconhecer que essa variante textual é antiga, pois, concordando com Omanson (2010), os pais da igreja Irineu, Diatessarão e provavelmente também Justino Mártir (todos do segundo século) conheciam ou dão a entender que conheciam esse final mais longo em seus escritos. Provavelmente, o final do evangelho de Marcos (9-20) foi adicionado por volta da primeira metade do segundo século para dar ao Evangelho um final mais apropriado. Esse final ficou conhecido popularmente a partir da King James Version e outras traduções do textus receptus, como a tradução de João Ferreira de Almeida.

Os defensores do texto majoritário consideram esse final (9-20) como sendo autêntico porque eles se encontram na maioria dos manuscritos Grego, entretanto, as evidências são esmagadoramente contraria a essa ideia, como já foi demonstrado.


COMO OS CRISTÃO DEVEM LIDAR COM ESSAS INFORMAÇÕES?


A pesar desses versículos (9-20) não poderem ser considerados como fazendo parte do Evangelho de Marcos, nenhum cristão deveria hesitar em lê-los como Sagrada Escritura, essa é a conclusão de F. F. Bruce[10] (1945, pp. 180, 181) em um de seus artigos, o motivo disso é bem simples: os ensinos que aparecem nesses versículos (9-20) são encontrados em outras partes da Bíblia. 

Esses são os paralelos que Bruce (1945) apresenta: os versículos 9 e 10 com João 20.11-18; versículo 11 com Lucas 24.11; versículos 12 e 13 com Lucas 24.13-35; versículo 14 com João 20.19; os versículos 15 e 16 com Mateus 28.16-20; versículo 19 com Lucas 24.50; os versículos 17, 18 e 20 possuem paralelos com as atividades dos apóstolos no livro de Atos.

A forma como os cristãos devem tratar essa questão pode ser ilustrada com o que acontece frequentemente nos círculos de oração de muitas igrejas evangélicas. Quem nunca foi a um círculo de oração e ouviu um irmão ou irmã citando Jó 14.7-9 trazendo uma mensagem de esperança para causas perdidas? Quando esse capítulo do livro de Jó não ensina nada sobre isso, na verdade o capítulo 14 do livro Jó é uma suplica de Jó a Deus, dizendo que a vida do homem é breve (Jó 14.1, 2), pedindo descanso de seu sofrimento porque até um trabalhador no final do dia tem descanso (Jó 14.6), e que embora uma arvore possa voltar a viver com um pouco de água (Jó 14.7-9), o homem não (Jó 14.10), o homem morre e não volta a viver (Jó 14.12), se os seus filhos estão em honra ele não sabe, se minguados ele não percebe (Jó 14.21). Pregar mensagem de esperança para causas perdidas se baseando em Jó 14.7-9 está errado no sentido que o texto não ensina isso, porém não está errado no sentido de que a Bíblia não ensina isso, a pessoa apenas está escolhendo o texto errado para trazer aquela mensagem, demonstrando não saber sobre o que está falando.[11]

De forma semelhante é assim que os cristãos devem lidar com o final do evangelho de Marcos (16.9-20). Esse final mais longo provavelmente não faz parte do evangelho de Marcos, mas se alguém prega sobre ele não há problemas, porque os ensinos encontrados nesses versículos podem ser encontrados em outras partes da Bíblia.


CONCLUSÃO


Para muitos é difícil compreender como um texto bíblico conhecido não faz parte das Escrituras. Mas, o importante a se ter em mente é que todas essas questões não alteram o essencial do Cristianismo. Então, nenhum cristão deveria se escandalizar ao tomar conhecimento acerca das variantes textuais da Bíblia, na verdade os cristãos que tem contato com essas informações deveriam se sentir privilegiados por Deus e se tornarem cristãos mais fortes e maduros, com uma consciência solida e sóbria acerca dessas questões bíblicas.


NOTAS: 


[1] Formado no Curso Livre em Teologia da ESTEADEB (Escola de Teologia das Assembleias de Deus no Brasil). Atualmente estudando teologia no IALTH (Instituto Aliança de Linguística, Teologia e Humanidades), e Grego no curso de extensão da UFC (Universidade Federal do Ceará). E-mail: Leandro.m.j.1991@gmail.com

[2] A Igreja Batista Redenção não acredita na atualidade dos dons espirituais, principalmente no batismo do Espírito Santo com a evidência do falar em línguas. Confira o decimo ponto dos seus traços distintivos, disponível em: <http://www.igrejaredencao.org.br/ibr/index.php?option=com_content&view=article&id=31&Itemid=107>. Acesso em: 09 set. 2022.

[3] A preservação do texto do Novo Testamento não é o tema dessa pesquisa, mas é minha convicção que o texto do Novo Testamento foi preservado. E, há boas razões para se acreditar nisso, você pode ler algumas delas na parte dois do livro: Reinventing Jesus: how contemporary skeptics miss the real Jesus and mislead popular culture (Reinventando Jesus: como os céticos contemporâneos deixa escapa o Jesus real e enganam a cultura popular), livro publicado pela Kregel Publications, cujo os autores são: J. Ed Komoszewski; M. James Sawyer; e Daniel B. Wallace.

[4] Essa é a quantidade de palavras da quarta edição do The Greek New Testament, hoje ele está na sua quinta edição, porém, só houve alterações em 30 palavras das epistolas católicas. A quinta edição foi publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil com prefácio em português.

[5] As versões são as traduções do Novo Testamento em grego para os outros idiomas.

[6] Uma variante textual é simplesmente qualquer diferença de um texto padrão (por exemplo, um texto impresso, um manuscrito específico, etc.) que envolve ortografia, ordem de palavras, omissão, adição, substituição ou uma reescrita total do texto. Essa é a definição dada por Wallace, disponível em: <https://danielbwallace.com/2013/09/09/the-number-of-textual-variants-an-evangelical-miscalculation/>. Acesso em 09 set. 2022.

[7] Esse é o número de variantes tratadas no Novo Testamento Grego editado por Barbara Aland, Kurt Aland, Johannes Karavidopoulos, Carlos M. Martini e Bruce M. Metzger, esse número se encontra no prefácio da quarta edição.

[8] Esses 1% das variantes que alteraram o texto de alguma forma significativa elas não afetam as doutrinas essenciais do cristianismo, como por exemplo: a divindade de Jesus, seu nascimento virginal, sua ressureição corpórea, e a trindade.


[9] Você pode entender melhor a visão de Keith Elliott no livro: Perspectives on the Ending of Mark: Four Views, publicado pela editora: B&H Academic, cujo os autores são: Maurice Robinson, Darrell L. Bock, Keith Elliott e Daniel B. Wallace, o editor do livro é: David Alan Black.

[10] Teólogo escocês formado pelas universidades de Alberdeen, Cambridge e Viena. Depois de ensinar Grego durante vários anos, primeiro na Universidade de Edimburgo e depois na Universidade de Leeds, assumiu o departamento de história e literatura bíblica na Universidade de Sheffield, em 1947. Em 1959, mudou-se para a Universidade de Manchester (Inglaterra), onde permaneceu como professor de crítica e exegese bíblica até o dia de sua aposentadoria em 1978.

[11] Por exemplo, para se trazer uma mensagem de esperança para causas perdidas poderia ser escolhido a história da ressurreição de Lázaro (João 11.1-45), ou a convicção de Abraão considerando que Deus era poderoso para até dos mortos ressuscitar seu filho (Hebreus 11.18), para nós a morte é como o ponto final, o fim da história, mas para Deus a morte, de um ponto final, Ele pode transforma em uma virgula e dar continuidade a história do homem. Dessa forma, podemos ter esperança mesmo quando as esperanças se acabam, porque para Deus todas as coisas são possíveis (Marcos 10.27).


REFERÊNCIAS:


BLOMBERG, Craig L. Can We Still Believe the Bible? An evangelical engagement with contemporary questions. Brazos Press, 2014.


BRUCE, F. F. The End of the Second Gospel. The Evangelical Quarterly (1945): 169-181.


KOMOSZEWSKI, J. Ed. Reinventing Jesus: how contemporary skeptics miss the real Jesus and mislead popular culture. Kregel Publications, 2006.


OMANSON, Roger L. Variantes Textuais do Novo Testamento: Análise e avaliação do aparato Crítico de “O Novo Testamento Grego”. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2010.


PAROSCHI, Wilson. Origem e Transmissão do Texto do Novo Testamento. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.


PORTER, Stanley E.; PITTS, Andrew. Fundamentals of New Testament Textual Criticism. Wm. B. Eerdmans Publishing Co, 2015.


WALLACE, Daniel B. Gramática Grega: uma sintaxe exegética do Novo Testamento. São Paulo: Editora Batista Regular do Brasil, 2009.