quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Da Recordação dos Inumeráveis Benefícios de Deus

 Thomas à Kempis - A Imitação de Cristo

CAPÍTULO 22

Da Recordação dos Inumeráveis Benefícios de Deus


A alma: Abri, Senhor, meu coração à vossa lei, e ensinai-me o caminho de vossos preceitos.[1]  Fazei-me compreender a vossa vontade, e com grande reverência e diligente consideração rememorar os vossos benefícios, gerais ou particulares, para assim render-vos por eles as devidas graças. Bem sei e confesso que nem pelo menor benefício vos posso render condignos louvores e agradecimentos. Eu me reconheço inferior a todos os bens que me destes,[2]  e quando considero vossa majestade, abate-se meu espírito com o peso de vossa grandeza.

2. Tudo o que temos, na alma e no corpo, todos os bens que possuímos, internos e externos, naturais e sobrenaturais, todos são benefícios vossos, e outras tantas provas de vossa bondade, liberalidade e muníficência, que de vós todos os bens recebemos.

E ainda que este receba mais e outros menos, tudo é vosso, e sem vós ninguém pode alcançar a menor coisa.

E aquele que recebeu mais não pode gloriar-se de seu merecimento, nem elevar-se acima dos outros, nem desprezar o menor; porque só é maior e melhor aquele que menos atribui a si, e é mais humilde e fervoroso em vos agradecer.

E quem se considera mais vil e se julga o mais indigno de todos é o mais apto para receber maiores dons.

O que, porém, recebeu menos não deve afligir-se, nem queixar-se, nem ter inveja do mais rico; olhará, ao contrário, para vós, e louvará vossa bondade, que tão copiosa e liberalmente prodigalizais vossas dádivas, sem acepção de pessoas.

De vós nos vêm todas as coisas; por todas, pois, deveis ser louvado.

3. Vós sabeis o que é conveniente dar a cada um, e não nos pertence indagar por que este tem menos, aquele mais; só vós podeis avaliar os merecimentos de cada um.

Por isso, Senhor meu Deus, considero como grande benefício o não ter eu muitas coisas que trazem a glória exterior e os humanos louvores. Portanto, ninguém, à vista de sua pobreza e da vileza de sua pessoa, deve conceber, por isso, desgosto, tristeza ou desalento, senão grande alegria e consolo, porque vós, Deus meu, escolheste por vossos particulares e íntimos amigos os pobres, os humildes e os desprezados deste mundo.[3]  Testemunho disto são vossos apóstolos, a quem constituístes príncipes sobre a terra.[4]  Todavia, viveram neste mundo tão sem queixa,[5]  tão humildes e com tanta singeleza da alma, tão sem malícia ou dolo, que se alegravam de sofrer contumélias por vosso nome,[6]  e com grande afeto abraçavam o que o mundo aborrece.

Nada, pois, deve alegrar tanto aquele que vos ama e reconhece vossos benefícios, como ver executar-se a seu respeito vossa vontade e o beneplácito de vossas eternas disposições. Tanto deve com isto estar contente e satisfeito, que queira de tão boa vontade ser o menor, como outro desejaria ser o maior; e tão sossegado e contente deve estar no último como no primeiro lugar, tão satisfeito em ser desprezado e abatido, sem nome nem reputação, como se fosse o mais honrado e estimado no mundo. Porque a vossa vontade e o amor de vossa honra deve ser anteposto a tudo, e deve consolar e agradar mais ao vosso servo, que todos os dons presentes ou futuros.

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[1]  Sl 119.

[2]  Gn 32.10.

[3]  1Co 1.27, 28.

[4]  Sl 45.16.

[5]  1Ts 2.10.

[6]  At 5.41.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Objeções ao Sobrenatural e a Natureza da Realidade

 

Por Robert Bowman Jr.


É verdade quando se trata da crítica dos ateus e céticos (teólogos liberais também se incluem neste time), uma das principais objeções é a existência do sobrenatural. Eles criticam qualquer coisa que tenha qualquer conexão com o sobrenatural, que eles todos consideram como superstição. Eles colocam Deus, Jesus, Papai Noel e a Fada do Dente, todos no mesmo patamar e categoria. Eu entendo que as pessoas pensem em colocar as coisas dessa forma, mas entendo que elas não estão fazendo da forma correta ou que não estejam utilizando o intelecto de maneira apropriada ou que não estejam entendendo a potência real da visão de mundo cristã. Os céticos sabem que não podem ser considerados pensadores sérios ao colocarem as coisas dessa forma, pois as mentes mais privilegiadas da história do pensamento ocidental acreditam em Jesus. Penso que os ateus, críticos e céticos contra o Cristianismo não observaram seriamente a força argumentativa a favor da visão de mundo Cristã. Um fato notório é que entre as mentes mais privilegiadas do passado e do presente estão muitos cristãos professos que deram contribuições notáveis em seus respectivos campos de atuação. Pessoas como Agostinho, Thomáz de Aquino foram intelectuais brilhantes. Blaise Pascal, cientista, filósofo, entre outros, é exemplo clássico de um homem da Renascença. São muitos exemplos de intelectos tremendos que deram contribuições estupendas para as ciências. Copérnico era um sacerdote católico, Galileu era um Cristão católico devoto, Kepler era um crente. Cristãos, até recentemente, estavam na vanguarda e no avanço das ciências naturais. É incrível o volume de contribuições que os Cristãos professos tem feito nos últimos cem anos em muitos campos das ciências. Todos esses personagens acreditavam no sobrenatural.

Sobre a realidade, como provar que a nossa realidade é real? Conheço muito poucos solipsistas. Um solipsista é alguém que acredita que não existe nada fora dele e um solipsista radical duvidaria até da própria existência. É difícil encontrar um solipsista real. Já vi pessoas defendendo o solipsismo na faculdade, mas realmente é de se duvidar se essas pessoas acreditam realmente nesta possibilidade. Mas a realidade é que algumas pessoas usam o argumento solipsista para tentar vencer um debate ou ficar utilizando um argumento circular interminável. E se realmente vc se deparar com alguém que afirma que a realidade não passa de uma ilusão? Este tipo de pergunta é uma tentativa de inverter o ônus da prova. Este é um ponto importante. 


Traduzido e adaptado por Walson Sales

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Da Confissão da Própria Fraqueza, e das Misérias desta Vida

 Thomas à Kempis - A Imitação de Cristo

CAPÍTULO 20

Da Confissão da Própria Fraqueza, e das Misérias desta Vida


A alma: Confesso contra mim mesmo minha maldade,[1]  confesso, Senhor, minha fraqueza. Muitas vezes a menor coisa basta para me abater e entristecer. Proponho agir valorosamente, mas assim que me sobrevém uma pequena tentação, vejo-me em grandes apuros. Às vezes é de uma coisa mesquinha que me vem grave aflição. E quando me julgo algum tanto seguro, vejo-me, não raro, vencido por um sopro, quando menos o penso.

Olhai, pois, Senhor, para esta minha baixeza[2]  e fragilidade, que conheceis perfeitamente. Compadecei-vos de mim e tirai-me da lama, para que não fique atolado[3]  e arruinado para sempre. É isto que a miúdo me atormenta e confunde em vossa presença: o ser eu tão inclinado a cair, e tão fraco a resistir às paixões. E embora não me levem ao pleno consentimento, muito me molestam e afligem seus assaltos, e muito me enfastia o viver sempre nesta peleja. Nisto conheço minha fraqueza, que mais depressa me vem do que se vão essas abomináveis fantasias da imaginação.

Ó poderosíssimo Deus de Israel, zelador das almas fiéis, olhai para os trabalhos e dores de vosso servo, e assisti-lhe em todos os seus empreendimentos! Confortai-me com a força celestial, para que não me vença e domine o homem velho, a mísera carne, ainda não inteiramente sujeita ao espírito, contra a qual será necessário pelejar enquanto estiver nesta miserável vida.

2. Ai! que vida é esta, em que nunca faltam as tribulações e misérias, em que tudo está cheio de inimigos e ciladas! Porque mal acaba uma tribulação ou tentação, outra já se aproxima, e até antes de acabar um combate, muitos outros já sobrevêm, e inesperados.

E como se pode amar uma vida cheia de tantas amarguras, sujeita a tantas calamidades e misérias? Como se pode chamar vida o que gera tantas mortes e desgraças? E, não obstante, muitos amam e procuram nela deleitar-se. Muitos acoimam o mundo de enganador e vão, e ainda assim lhes custa deixá-lo, porque se deixam dominar pelos apetites da carne. Muitas coisas nos inclinam a amar o mundo, outras a desprezá-lo. Fazem amar o mundo a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida;[4]  mas as penas e as misérias que estas coisas se seguem geram o ódio e aborrecimento do mundo. Infelizmente, o vil deleite vence a alma mundana, que julga delícia o estar em meio dos espinhos,[5]  porque nunca viu nem provou a doçura de Deus, nem a intrínseca suavidade da virtude.

Mas aqueles que perfeitamente desprezam o mundo e procuram viver para Deus, em santa disciplina, experimentam a doçura divina, e mais claramente conhecem os erros grosseiros do mundo e seus vários enganos.

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[1]  Sl 32.5.

[2]  Sl 25.18.

[3]  Sl 69.14.

[4]  1Jo 2.16.

[5]  Jó 30.7.