quinta-feira, 11 de junho de 2020

O QUE FAZ DA BÍBLIA A SAGRADA ESCRITURA? (Sacra sciptura sui ipsius interprets)

POR MARTIN LUTERO.

TRANSC. OSWALD BAYER

INTRODUÇÃO.

A pergunta pela autoridade da Bíblia recebeu na era moderna outras dimensões, diferentes daquelas que tinha na época  de Lutero. No entanto, já em Lutero se encontram  decisões  hermenêuticas fundamentais que até hoje  não perderam nada de sua validade. Assim como ocorre  em toda exposição da teologia de Lutero. Também neste ponto  devem ser levadas  em conta questões atuais, sim especialmente neste ponto.

1.A PRIMAZIA DA ESCRITURA FRENTE A OUVINTES E INTÉRPRETES.

A tese básica de Lutero é esta: “Sacra Scriptura sui ipisus interprets” – A Sagrada Escritura interpreta a sí própria . esse tese vai muito além do método da concordância, segundo o qual uma passagem da Escritura deve ser interpretada por outra  e harmonizada com ela. Ele refere-se, isto sim á eficácia do texto em relação aos seus leitores, ouvintes e intérpretes. Nesse sentido abrangente , sacra scriptura sui ipsius interprets significa: o texto se faz ouvir por sí mesmo.

Em todo trabalho de interpretação realizado  cientificamente – ou seja, de modo competente e sólido, bem como claro e controlável, a compreensão da palavra Bíblica permanece, em uma análise, indisponível. Já percebemos essa tensão no conceito de teologia de Lutero: por um lado, o trabalho de formação, a formação gramática e filosófica  do teólogo, o meditar e interpretar paciente, mas ao mesmo tempo, o dom espiritual indisponível, do tipo que o próprio Lutero recebeu com sua descoberta reformatória, quando se abriram para ele os portais do paraíso no resplendor da justiça de Deus. Não é o intérprete que confere sentido ao texto ou o que torna o texto compreensível, antes, é o textoque deve poder dizer aquilo que tem a dizer a partir de sí mesmo. Nesse caso, caducará a diferenciação segundo a qual a Sagrada Escritura vigoraria como o princípio formal do protestantismo e a justificação como seu princípio material. A autoridade da Escritura não é formal, mas extremamente material, conteudista. Ela é a voz de seu autor, que concede, que provoca admiração, lamento e louvor, exige e cumpre. A Escritura de modo algum pode ser assegurada antecipadamente como autoridade formal, assim que o conteúdo possa ser enfocado apenas  num  segundo  passo. O texto em suas diferentes formas, sobretudo na da exigência da Lei e do consolo do Evangelho, faz prevalecer sua autoridade nessa forma material.

Sendo assim é preciso atentar para a primazia da Escritura frente a seus leitores e ouvintes. Essa primazia não faz com sejam esmagados, mas libertados. Pois quando leio e ouço a Escritura, percebo que essas histórias narram  a meu respeito, sim narram a mim. Estou presentes nelas antes de tê-las escutado. Nesse fato, antecipa-se para mim o texto que me interpela. Ao ser interpelado, sou ao mesmo tempo liberado para ouvir, inclusive para ouvir criticamente com todas as minhas forças, de corpo e alma e com toda a minha capacidade de reflexão. O intérprete, mesmo sendo o interpretado, não é excluído como tal. Ao contrário, somente assim lhe são franqueados os portais para um espaço de manobra em que ele pode se movimentar, e isso de forma alguma como marionete. O ser humano que confessa que confessa “Creio que Deus criou a mim juntamente  com todas as criaturas”, está antes, capacitado para o discernimento crítico, para o uso da razão que lhe foi concedida. A autoridade da Escritura situa o ouvinte no seu devido lugar; ele não constitui a sí próprio, mas é posto em seu lugar como criatura.

O dado antropológico fundamental que aqui se tem em vista pode ser definido, com outra acentuação e com um leve deslocamento da perspectiva, como relação de autoridade e crítica. Acentua-se com isso, a assimetria entre receber e transmitir, ouvir e falar, ler e escrever, que não só plasma, mas que possibilita a vida como processo de tradução; ela mostra-se paradigmaticamente na paternidade física e na espiritual. Não posso autorizar a mim mesmo para a percepção crítica, isto é, diferenciadora do mundo. Necessito ser autorizado, dotado para isso, por um outro que é capaz disso. “Autoridade”, é no sentido literal preciso (lat.: augere), o poder que multiplica, que permite crescer, o poder que gera vida. Portanto, não há crítica sem autoridade. Se a crítica não tivesse esse pressuposto, ela cairia no vazio, tornar-se-ia estéril. Inversamente, todavia, só pode ser considerada autoridade verdadeira aquela que é fecunda e autoriza a crítica: a percepção do mundo que diferencia e discerne livremente e que, por sua vez, permite o crescimento. Não há autoridade verdadeira sem crítica.

A intenção de justificar tudo por princípio, ou seja, fundamentar tudo como que a partir de um marco zero e construir tudo sem preconceitos. Em todo caso é o que se pretende. Caracteriza o pensamento moderno em comparação com épocas anteriores. O que não se consegue captar  racionalmente, o que não se consegue explicar mediante reconstrução no contexto da unidade da autoconsciência nem justificar mediante essa forma reflexiva, perdeu a razão de sua existência. “Religião, contemplação da natureza, sociedade, ordem estatal, tudo foi submetido á mais impiedosa crítica, tudo deveria justificar a sua existência diante do tribunal  da razão ou renunciar a existência.

É notório que a exigência e o cumprimento de tal explicação justificadora constituem um meio primoroso de emancipação. Um meio de desfazer-se de exigências e pretensões descabidas de cunho histórico e tradicional. O que queremos é livrar-nos daquilo que nos toca muito de perto, ao menos queremos postar-nos a uma distância segura em que isso não mais se refere  a mim nem me convida, não mais me demanda  nem compromete. Isso é válido não por último em vista do interesse do Iluminismo pela investigação histórica. O texto histórico é estirado sobre o leito de Procusto de uma idéia apriorística de verdade, para que possa ser extirpado o elemento contingente atravancador. O aspecto temporal fica para trás; destila-se daí, como quintessência, um princípio situado atrás dos textos – seja a “causa de Jesus”, “a essência do Cristianismo”,” o cânone dentro do cânone”, etc.

Feita a exigência da subjetividade moderna e explicar o texto mediante  sua atividade interpretativa e incorporar nele um princípio da unidade de autoconsciência que supostamente está por trás dele, frente a pretensão narcisista da razão de compreender  apenas aquilo que ela própria produz em conformidade com suas projeções. Lutero considera a autonomia renitente do texto: “sua autoridade para interpretar criticamente leitores e ouvintes”. Lutero diz: “Atenta para o fato de que a força da  Escritura é esta; ela não se transmuta naquele que a estuda, mas transforma em sí mesma e nas sus forças aquele que a ama”. A subjetividade e a individualidade autocrítica da Escritura associadas a se estilo individual, que Lutero notoriamente também tem em mente, não estão fundamentadas  em sí mesmas; elas tão pouco são obtidas como Descartes por meio da autocontemplação e autocertifcação. Elas constituem-se de modo excêntrico. O cristão obtém a sua subjetividade autocrítica por meio do reconhecimento de que “nesse Livro” está escrito algo a respeito dele, que ele é interpretado pelo texto desse Livro e, por meio dele, por seu autor.

Sendo assim, a substância do texto dado, ao qual se volta a atenção, não é consumida na apropriação por parte do que eu que o lê e ouve. A resistência do texto é demasiado grande para que isso ocorra. O texto permanece. Os leitores e ouvintes é que são transformados por ele. Não é o intérprete que explica a Escritura, mas  é a Escritura que explica o intérprete. Portanto, a própria Escritura  provê a sua interpretação, é seu próprio intérprete; sacra sciptura sui ipsius interprets.

2. IGREJA – COMUNHÃO DE OUVINTES.

Ouvintes e leitores são interpretados pelo texto Bíblico: isso ocorre na Igreja. Na comunhão daqueles que primeiro ouvem e crêem e só depois falam: “creio, por isso falo” (II Co. 4.13). As questões hermenêuticas e   científico-teóricas que se apresentam são basicamente do tipo pneumatológico-eclesiológico; unicamente a partir do culto resulta um conceito adequado de “teologia”.

A comunidade reunida em culto é a verdadeira comunidade universal de comunicação – a comunidade de comunicação dos pecadores justificados que oram os salmos e que usam a Bíblia inteira, assim como fazem o saltério, que segundo Lutero,” é uma pequena Bíblia”. Ao lidar com a Bíblia, Lutero está ciente de estar radicado profundamente  na tradição da Igreja uma, santa, católica e apostólica: em resumo: se queres ver as santas Igrejas cristãs pintadas em cores e formas vivas e representadas  num pequeno quadro, então olha para o Livro dos Salmos diante de ti. Nele tens um espelho fino, claro, e puro que te mostrará o que é a cristandade. Sim, dentro dele também tu irás encontrar a ti mesmo e o verdadeiro Gnothi seauton(conhece-te a ti mesmo), além do próprio Deus  e todas as criaturas – portanto, a criação e a história universal em sua totalidade.

A experiência mais individual de todas, por se tratar da experiência que individualiza em toda a profundidade a mim mesmo como pecador que vive mediante a promissão do perdão dos pecados e pela fé nela, é simultaneamente aquela experiência que só posso fazer na comunhão global dos santos – numa comunhão que perpassa todas as épocas  e todos os espaços. Lutero diz que o saltério leva até a comunhão dos santos, “ pois ele te ensina, em alegria, temor, esperança e tristeza, a pensar e falar da mesma maneira que todos os santos pensaram e falaram.

Essa communio sanctorum é mais ampla e mais profunda, mais concreta e mais realista do que a “community of researchers”(comunidade de pesquisadores) abstraída dela. Temos de nos despedir da idéia de tratar a questão da relação entre autoridade da Escritura e razão segundo o modelo do erudito em sua escrivaninha com a Bíblia diante de sí. Nesse caso, parte-se da ficção de um interpretador que tem de constituir o seu objeto por meio da crítica e da construção.

A ação dessa atividade interpretativa fictícia ainda se faz sentir inclusive na exigência de Johann Albrecht Bengel de aplicar-se ao texto a ser interpretado  e de aplicar o seu tero a mim mesmo.: “Te totum  applica ad textum: rem totam  applica  ad Te!(Dedica-te totalmente ao texto; aplica o teor(do texto) totalmente a ti”). Está claro que essa  sentença  contém um momento de verdade, embora seja relativizado criticamente pela referida sentença de Lutero – segundo a qual é a própria Escritura que assimila a sí seu leitor e intérprete, puxando-o para dentro de sí. Mas justamente isso não ocorre em primeiro lugar na singularidade do pesquisador ou do leitor solitário da Bíblia, mas na comunidade de comunicação dos pecadores justificados sobretudo no culto.

A universalidade dessa comunidade de comunicação, todavia, pode ser tão pouco demonstrada abstratamente quanto a de seu documento bíblico. Nem a Bíblia tão pouco o culto da comunidade  cristã que a utiliza  contém um a priori puro, um axioma e princípio atemporais, mas um a priori historicamente casual e, em consequência, “não puro”.  É verdade que tanto a interpretação da Escritura  como o ser interpretado por ela, o autoconhecimento mediante a Escritura são processos com pretensão de validade geral; no entanto, a sua capacidade de generalização não pode ser assegurada  de antemão, de modo puramente formal e condicional. Uma fundamentação definitiva  abstrata é impossível.

3. A AUTO-INTERPRETAÇÃO DA SAGRADA ESCRITURA MEDIANTE LEI E EVANGELHO.

Decisivo para compreensão que Lutero tem da Bíblia é que ele não quer assegurar de antemão a sua autoridade de Sagrada Escritura como “princípio da Escritura” em termos formais. Tal asseguramento fundamentalista é impossibilitado já pelo fato de que o conflito em torno da interpretação apropriada da Escritura sempre já está  dado. Esse conflito só pode ser decidido no nível material com um argumento concreto. Em seu conflito com o papado romano, Lutero indaga numa passagem clássica:

Diz, então – se és capaz – de acordo com que juiz, com que critério se decide uma questão controvertida quando os posicionamentos de dois pais da Igreja se contradizem? Pois a decisão tem de ser tomada por meio do parecer  da Escritura, o que não pode ser se não concedemos á Escritura o primeiro lugar [...] isso significa que a própria Sagrada Escritura, a partir de sí mesma, é extremamente segura, fácil de entender, clara e manifesta; ela é sua própria intérprete[sui ipsius interprets], ao examinar, julgar e iluminar as afirmações de todas as pessoa, como ocorre no Salmos 119.130; A explicação – ou como na verdade estar expresso em hebraico: A abertura ou o  portal – das tuas Palavras esclarece  e dá entendimento  aos simples. Aqui o Espírito atribui o esclarecimento nitidamente [a Escritura] e ensina que o entendimento é dado exclusivamente pelas palavras de Deus, como que através de um portal aberto ou( como dizem aqueles [escolásticos]) de um primeiro princípio[principium  primum], a partir do qual se deve começar  a avançar na direção da luz e do entendimento.

Mas essa não seria, por sua vez, também uma afirmação singular? O achado  bem particular de Lutero? A singularidade, o juízo de um indíviduo, era para um monge, e portanto também para o Lutero  pré-reformatório, um mal fundamental. Da tentação mais extrema de Lutero  constantemente fazia parte  a sua pergunta autocrítica: teria eu, como indivíduo, razão frente a tradição tão forte?

No entanto a tese de Lutero sacra scriptura sui ipsius interpres que fez  valer diante do magistério romano, não é mera afirmação de um indivíduo, mas se comprova por meio  do argumento  concreto que vincula  com o ponto decisivo do prefácio  que Lutero  escreveu  ao primeiro volume de seus escritos em alemão – com as três regras do estudo da teologia : oratio, meditativo, tentatio – bem como com o do prefácio aos escritos latinos – com a descoberta da justiça de Deus, que se comunica ao pecador por meio da promissio.  É verdade que Lutero descreve essa descoberta em retrospectiva ao caminho que deixou para trás, mas para ele trata-se aí de muito mais do que um relato sobre sí mesmo: trata-se, para ele, de uma descrição paradigmática de todos os leitores da Bíblia que lutam com o texto com nada menos do que a esperança de salvação, que batem ardorosamente á porta do texto na expectativa de que se abra o portal para o paraíso, para a verdadeira vida. O relato de Lutero encena a pergunta pela autoridade da Bíblia   de modo claramente dramático. De acordo com isso, a solução para essa pergunta não poderá ser obtida “no silêncio desapaixonado  do conhecimento  meramente reflexivo”, já que ela comporta uma transformação da existência do leitor e intérprete. A Sagrada Escritura comprova a sí mesma ao despertar fé. Assim, como já foi ressaltado, não se pode distinguir, quanto menos separar, o assim chamado “Princípio da Escritura”, como princípio protestante formal, do princípio protestante material, da doutrina da justificação. Ambos são uma coisa só: é no evento da justiça de Deus que se presenteia  na própria promissio  que consiste a autoridade da Escritura, a sua suficiência,  sua força suficiente  para a salvação – eficácia e clareza, sua força esclarecedora – se de fato a Escritura foi dada “para a salvação” dos seres humanos (II Tm. 3.15). a pergunta pela relevância  da guinada reformatória  na teologia de Lutero e a pergunta  pela compreensão que Lutero tem da autoridade  da Bíblia são idênticos: trata-se da mesma pergunta.

Não é por acaso que essa autoridade salutar  se revela a  Lutero ao ocupar-se com a Carta aos Romanos. Assim, somente á primeira vista, parece arbitrário o fato de que ele no seu prefácio de 1522, elevou sobretudo a Carta aos Romanos – juntamente com a Carta aos Gálatas – á condição de critério de interpretação de toda a Sagrada Escritura: ela seria  “uma luz muito clara , plenamente apta a iluminar toda a Escritura. Por se tratar da salvação dos seres humanos, “o ser humano culpado e perdido e o Deus justificador ou salvador” são “objetos da Teologia”. A expressão mais clara disso é a Carta aos Romanos, que não oferece uma breve síntese “de toda a doutrina cristã e evangélica”, mas também “um acesso  a todo o Antigo Testamento. Corresponde exatamente á sua definição do objeto  da teologia “como ser humano culpado e Deus justificador” o fato de Lutero dar destaque  em toda a Bíblia, como já foi ressaltado, a uma única sequência de palavras, fazendo imprimi-las em maiúsculo: “PERDOA PECADOS”(Rm. 3.25), denominando numa glosa  á margem o texto assim destacado como “a parte principal” e o “centro dessa epístola e de toda a Escritura” – também do Antigo Testamento. Essa primazia da Carta aos Romanos determina a compreensão e apreciação dos escritos bíblicos individuais por Lutero.

Da parte do catolicismo romano e do historicismo crítico, esse destaque á Carta aos Romanos foi reiteradamente relativizado como sendo uma decisão pessoal – singular – de Lutero. Contudo, se a Escritura realmente é sui ipsius interpres, então essa auto-interpretação só pode ocorrer de modo material; em que o próprio texto produza fé, em outras palavras, em que ele mesmo  efetue em seus ouvintes, leitores e intérpretes  a diferenciação entre Lei e Evangelho. Somente essa diferenciação material, que perfaz a descoberta  reformatória de  Lutero, mas que ao mesmo tempo deve ser constantemente reiterada, possibilita ouvir e ler a Escritura em vista do seu centro, de tal maneira que surja fé. A Escritura  não é uma norma formal. A sua autoridade consiste, antes, no fato de operar a fé. A tradição luterana expressou isso derivando a auctoritas normativa da auctoritas causativa – da autoridade que fundamenta a fé – da Escritura.

Não são convincentes os três modelos alternativos a esse de maior relevância na história da Igreja e do espírito humano – um magistério formal responsável pela harmonização das passagens controvertidas da Escritura; a afirmação formal de uma harmonia pré-estabelecida, existente sem mais nem menos, da Escritura lida superficialmente, sem  um centro crític, ou de um princípio formal, situado atrás dos textos, a ser trazido á luz pela razão crítica.

A própria Escritura é clara e interpreta a sí mesma. E isso não ocorre de modo que lhe sejam conferidos diferentes sentidos, dependendo do intérprete, da pré-compreensão e da perspectiva, mas ela possui um só sentido, e esse sentido é notório; ela mesma o torna compreensível, ela é intérprete de sí mesma e não necessita que alguém ,quem quer que seja, a ajude com sua arte de interpretação a tornar-se efetiva[...]. a função normativa da Escritura, visando á sua fundamentação, remete á verificação existencial da auto-interpretação, ou seja, auto-comunicação da Escritura.

Não é segredo que o esforço para corresponder a essa auto-interpretação  na teologia e na Igreja lançou Lutero em conflitos de todo tipo, também no interior do movimento reformatório, e que isso é válido ainda hoje, sim, de modo ainda mais incisivo, em vista do pluralismo para a Igreja que se reporta a ele.

FONTE.

1. A Teologia de Martinho Lutero – Uma atualização. Oswald Bayer. Trad. Nélio Schneider. R. G. do Sul/S. Leopoldo. 2007. Editora Sinodal. 300 pg.

VIA LEONARDO MELO.

SE DEUS CRIOU O UNIVERSO, QUEM CRIOU DEUS?

Paul Copan

O famoso ateu Bertrand Russell escreveu sobre Deus e o Universo em sua obra “Por que eu não sou cristão”. Tendo lido a autobiografia do filósofo John Stuart Mill, Russell ficou impressionado com o que Mill escreveu: “Meu pai me ensinou que a pergunta ‘Quem me criou?’ não pode ser respondida, pois sugere imediatamente a pergunta seguinte, ‘Quem criou Deus?’’’ [1] Lendo isto, Russell concluiu: “Se tudo deve ter uma causa, então Deus deve ter uma causa” [2].

Embora Russell tenha escrito esta obra em 1927 - antes da teoria do big bang se tornar bem estabelecida - ainda é surpreendente ouvir Russell dar tal salto. Mas muito mais recentemente, até mesmo o notável físico de Cambridge Stephen Hawking o faz em seu best-seller, A Brief History of Time. Ele faz perguntas sobre o que originou o universo e o que faz o universo continuar a existir. Que teoria existe para unificar tudo? “Ou será que ela precisa de um criador e, se sim, ele tem algum outro efeito sobre o universo? E quem o criou?” [3]

Embora normalmente ouçamos crianças perguntarem: “Quem criou Deus?” ou “De onde Deus veio?” é surpreendente ouvir filósofos e cientistas sofisticados fazerem as mesmas perguntas! Quando examinamos o conceito de Deus e a história do universo, começamos a ver que essas perguntas são menos difíceis de responder do que talvez imaginássemos - mais obviamente porque são mal concebidas.  A teoria do big bang afirma que o universo - tempo físico, espaço, matéria e energia - passou a existir de forma cataclísmica há cerca de quinze bilhões de anos. Esta descoberta se baseia em observações como a expansão do universo e a tendência da energia a se espalhar ou se dissipar; o fato de o universo ser “sinuoso” (baseado na segunda lei da termodinâmica) implica que o universo acabará morrendo com “morte por aquecimento” e, assim, encontrando seu desaparecimento. Tais descobertas têm confirmado notavelmente do nada a doutrina bíblica da criação: “No princípio Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). Até os cientistas naturalistas reconhecem este cenário. Segundo os astrofísicos John Barrow e Joseph Silk, “Nosso novo quadro é mais parecido com o tradicional quadro metafísico da criação do nada, pois prediz um início definitivo dos acontecimentos no tempo, aliás, um início definitivo do próprio tempo”. [4] De fato, o físico ganhador do Prêmio Nobel Stephen Weinberg observou uma vez que a agora rejeitada “teoria do estado estável (que vê o universo como eternamente existente) é filosoficamente a teoria mais atraente porque menos se assemelha ao relato dado em Gênesis” [5].

Algumas pessoas afirmariam que o universo veio à existência sem causa, do nada. Um ateu, Michael Martin, diz que “esse começo (do universo) pode não ter sido causado” e que tais teorias estão, na verdade, “sendo levadas a sério pelos cientistas” [8]. Esta é uma verdade básica sobre a própria realidade (ou seja, a metafísica); não é, como acredita Martin [9], alguma convicção cultural que será derrubada em alguma revolução científica futura (comparável ao que Newton ou Einstein introduziram). Pense sobre isso: Como algo pode ser produzido quando não existe absolutamente nenhuma potencialidade para o seu surgimento? (Por “nada”, não me refiro a partículas subatômicas ou outras entidades inobserváveis). As chances de algo vir do nada absoluto são nulas, pois não existe sequer a potencialidade de um universo vir a existir. Parece que tais afirmações sobre algo - do nada - podem estar enraizadas na tentativa de evitar as implicações da existência de Deus. Ou seja, o princípio “do nada, nada vem" (ex nihilo, nihil fit) provavelmente seria universalmente assumido pelos céticos, não fosse o fato de que o início do universo se assemelha muito ao relato de Gênesis 1.1.

Essa ideia de algo do nada foi chamada de “absurda” até mesmo pelo cético escocês David Hume.[10] O filósofo ateu Kai Nielsen reconhece o quão equivocada é a noção de algo que vem do nada: “Suponha que você ouve um estrondo alto... e você me pergunta: ‘O que fez aquele estrondo?’ e eu respondo: ‘Nada, simplesmente aconteceu’. Você não aceitaria isso. Na verdade, você acharia minha resposta ininteligível”. [11] Se isto é verdade sobre um pequeno estrondo, então por que não o big bang também?

Tendo dado um pouco de contexto à nossa discussão, voltemos à pergunta: “Quem criou Deus?”. Como respondemos? Primeiro, o teísta não afirma que o que existe deve ter uma causa, mas o que começa a existir deve ter uma causa. Nenhum teísta de pensamento correto argumenta que tudo deve ter uma causa; se este fosse o caso, então Deus também precisaria de uma causa! Ao contrário, começamos com o princípio fundamental sobre a realidade de que tudo o que começa a existir tem uma causa. O universo claramente começou e, portanto, tem uma causa. Por outro lado, O Deus eterno e autoexistente, por definição, não precisa de uma causa; Ele não tem causa.

Quando se fala com um cético, pode-se dizer: “Tudo - mesmo a causa do universo - deve ter uma causa em si". Mas o cético está fazendo uma suposição questionável, uma suposição que não tem espaço para um ser como Deus. Esta é uma questão de implorar ou assumir o que se quer provar. É como dizer: “Toda realidade é física; portanto, Deus não pode existir”. Claramente, toda a realidade não é física. Por exemplo, as leis da lógica ou verdades morais (por exemplo, “torturar bebês por diversão é errado”) não são físicas, mas ainda assim são obviamente reais. Da mesma forma, não é evidente que tudo deve ter uma causa (como veremos em breve).

Além disso, dizer que “tudo que começa a existir tem uma causa” não implica automaticamente que Deus criou o universo. (Por exemplo, a questão a ser explorada é se a causa é pessoal ou impessoal) [12]: “Devemos começar com um ponto de partida não questionável, e ‘tudo que começa a existir tem uma causa’ faz exatamente isso.”

Deixe-me aprofundar sobre isso, fazendo um terceiro ponto: Pensadores do passado, como Platão e Aristóteles, afirmaram que o universo era eterno e não precisavam de explicação para a sua origem. Há duzentos anos os ateus assumiram a eternidade do universo e que ele não precisava de nenhuma causa ou explicação. Se o universo pode ser hipoteticamente autoexplicativo, então por que não pode ser o mesmo para Deus? Mas ninguém poderia aceitar razoavelmente que algo pudesse vir à existência sem causa, do nada. Agora que a ciência contemporânea já revelou que o universo foi criado, muitos não-históricos estão se contorcendo com as possíveis implicações teístas deste fato. O que estou dizendo é que nosso princípio não descarta a possibilidade de algo ser autoexistente - seja Deus ou o universo. E devemos perguntar àqueles que persistem em argumentar que o universo veio do nada literalmente: “Por que isso seria mais provável do que ter vindo de Deus”? Como bem afirma o filósofo Dallas Willard, “Um ser eternamente auto-subsistente não é mais improvável do que um evento auto-subsistente emergindo sem causa” [13].

Quarto, certas realidades - como as leis lógicas ou verdades matemáticas - são claramente não causadas, pois são eternas e necessárias; portanto, não pode ser verdade que tudo deva ter uma causa. Mesmo que o mundo não existisse, a afirmação 2+2=4 ainda seria verdadeira? É claro que sim! Será que a lei da não-contradição (A não pode ser igual a não -A) ainda seria verdadeira? Sim. Tais verdades são reais (mesmo que não sejam físicas), mas não há nenhuma boa razão para pensar que elas foram causadas. Se isto é verdade, por que não poderíamos dizer o mesmo sobre o próprio Deus? A questão, mais uma vez, é que nem tudo deve ter uma causa.

Em quinto lugar, a pergunta “Quem criou Deus?” comete a “falácia da categoria”. É outra forma de fazer a pergunta. Em outras palavras, elimina desde o início qualquer possibilidade de que Deus seja a causa explicativa do universo. Como assim? A pergunta pressupõe que tudo deve ser uma entidade contingente (dependente) e que não pode existir uma entidade autoexistente e sem causa, como Deus. Mas Deus está em uma categoria diferente das entidades causadoras; colocá-las na mesma categoria é injusto. É como perguntar: “Qual o sabor da cor verde?” ou “Qual o sabor do meio C?”. Deus, por definição, é um ser sem origem, necessário (não contingente). Deus não deve ser culpado por não ser finito e contingente! Se reestruturarmos a pergunta “Quem criou Deus?” para esclarecer nossas categorias, descobriremos que a pergunta responde por si mesma. Vamos reformular a pergunta desta forma: “O que causou a auto-existência, a Causa não causada, quem por definição é impraticável, para existir?” Alguma outra pergunta?
Lembro quando eu tinha dez anos de idade, deitado na cama à noite e me perguntando como Deus sempre poderia ter existido. Eu raciocinei que se o universo começou, então algo deve ter existido antes dele para trazê-lo à existência. Mesmo que para mim tenha sido um mistério e ainda seja hoje! - para pensar em como Deus sempre poderia ter existido, concluí: “Em algum momento terei que chegar a um lugar de parada além do qual não poderei ir. Algo tinha que existir antes que o universo surgisse. Por que não Deus”? Embora meu pensamento tenha sido consideravelmente menos refinado aos dez anos de idade do que é hoje, a conclusão ainda parece bastante razoável.

Fonte: COPAN, Paul. “THAT’S JUST YOUR INTERPRETATION” Responding to skeptics who challenge your faith. Baker Books, 2011. 

Tradução Nivaldo Gomes.

Notas de Rodapé:

[1] Quoted by Bertrand Russell, “Why I Am Not a Christian,” in his Why I Am Not a Christian and Other Essays on Religion and Related Topics (New York: Simon and Schuster, 1957), 6.

[2] Ibid.

[3] Stephen W. Hawking, A Brief History of Time (New York: Bantam, 1988), 174.

[4] John D. Barrow and Joseph Silk, The Left Hand of Creation, 2d ed. (New York: Oxford University Press, 1993), 38.

[5] Cited in John D. Barrow, The World within the World (Oxford: Clarendon Press, 1988), 226.

[6] By “prior” I don’t mean necessarily that there were moments of time before the big bang.  (By “time” I mean that which is constituted by the succession of events or happenings. If there were no events, there would be no time.) Rather, I refer to the priority of being (“metaphysical priority”): One state of being (God’s timeless existence) serves as the ground for another (temporal, contingente existence). Or we could just speak of God with or without the universe. 

[7] Barrow and Silk, Left Hand of Creation, 209: “What preceded the event called the ‘big bang’?. . . . The answer to our question is simple: nothing.”

[8] Michael Martin, Atheism: A Philosophical Justification (Philadelphia: Temple University Press, 1990), 106. Martin footnotes one philosopher of science, Quentin Smith, who has maintained that the universe was truly uncaused. See, for instance, his coauthored book with William Lane Craig, Theism, Atheism, and Big Bang Cosmology (Oxford: Clarendon, 1993). Smith has since modified his stance, moving away from the universe’s uncausedness to its self causedness—an equally baffling metaphysical outlook. See his (to my mind rather unpersuasive) defense of such a proposal in “The Reason the Universe Exists Is That It Caused Itself to Exist,” Philosophy 74 (1999): 579–86.

[9] Martin states, “Metaphysical intuitions have been notoriously unreliable. Everything from the principle of no action at a distance to microdeterminism has been intuited to be true only later to be discarded” (“Comments on the Craig-Flew Debate,” 4. This is na unpublished essay from a book under review with Oxford University Press. I am grateful to Stan Wallace for furnishing me with this essay.).

[10] In a letter to John Stewart in February 1754, Hume said that the idea that “anything might arise without a cause” was “so absurd a Proposition” (The Letters of David Hume, vol. 1, ed. J. Y. T. Greig [Oxford: Clarendon Press, 1932], 187).

[11] Kai Nielsen, Reason and Practice (New York: Harper & Row, 1971), 48

[12] It seems, however, that an impersonal cause of the universe (such as a state of physical conditions) would be eliminated, since the cause would have to exist simultaneous with its effect: If the cause [of the universe’s beginning] were a mechanically operating set of necessary and sufficient conditions, then the cause could never exist without the effect. For example, the cause of water’s freezing is 0° Centigrade. If the tem- perature were below 0° from eternity past, then any water that was around would be frozen from eternity. It would be impossible for the water to begin to freeze just a finite time ago. So if the cause is timelessly present, then the effect should be timelessly present as well. The only way for the cause to be timeless and the effect to begin in time is for the cause to be a personal agent who freely chooses to create an effect in time without any prior determining conditions. For example, a man sitting from eternity could freely will to stand up. Thus, we are brought to a transcendente cause of the universe, to its personal creator.  See Craig, God, Are You There?

[13] On the other hand, the skeptic may claim that a personal explanation is not “scientific.” We can reply (after saying, “So what!” since science can’t prove that the laws of logic or objective moral values exist) that we see evidence of personal action/agency every day. Humans have the capacity to choose and act without being physically caused to do so. The origination of their action need not be the result of prior influences and inner states (what philosophers call “efficient/producing causes”)—even though these can influence decisions; rather, the buck stops with the agent who has a goal in mind in his decision making (what is called “final cause”). The agente himself is the cause of his actions. For an introductory defense of this kind of libertarian freedom, see James W. Felt, Making Sense of Your Freedom: A Guide for the Perplexed (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1994); see also part 1 of J. P. Moreland and Scott B. Rae, Body and Soul: Human Nature and the Crisis of Ethics (Downers Grove, Ill.: InterVarsity Press, 2000), which defends libertarian/incompatibilist freedom. 13. Dallas Willard, “Language, Being, and God, and the Three Stages of Theistic Evidence,” in Does God Exist? ed. J. P. Moreland and Kai Nielsen (Nashville: Thomas Nelson, 1990), 206. This has been reprinted (Amherst, N.Y.: Prometheus Books, 1993).

O ministério angelical no Antigo Testamento

Os anjos são agentes de Deus que estão sob Sua autoridade, servindo como mensageiros do Senhor, a fim de cumprirem Seus propósitos, quer seja no envio de alguma mensagem especifica, bem como na execução do juízo Divino. Embora não tenham sido mencionados na criação em Gênesis 1 e 2, as Escrituras revelam que foram criados por Deus, numa época que não temos conhecimento. Acerca da forma que foram criados, assim se expressou o salmista: “Louvai-o todos os seus anjos; louvai-o todo o exército celestial! [...] Louvem o nome do Senhor; pois ele deu ordem e logo foram criados” (Sl 148.2,5).

Os seres angelicais tiveram um papel significativo em todo o Antigo Testamento, visto que as diretrizes dadas por Deus ao seu povo como norma de conduta e convívio social, a saber, a “Lei mosaica”, fora dada a nação de Israel por intermédio destes seres celestiais, conforme a pregação de Estevão, registrada por Lucas: “Vós que recebestes a lei por ordenação dos anjos e não a guardastes” (At 7.53). Corroborando com esta verdade, o apóstolo Paulo escreveu aos Gálatas: “A lei […] foi posta pelos anjos pela mão de um mediador” (Gl 3.19). Desta forma vemos que tanto Estevão quanto Paulo concordavam que a lei no Sinai foi dada pelos anjos. Analisando o Texto de Atos, Marshall (2014) trouxe o seguinte comentário: “[…] A lei de Deus, dada do modo mais impressionante possível, por anjos como seus intermediários. Embora a presença de anjos não fosse mencionado no Antigo Testamento (A não ser na LXX em Dt 33.2), mesmo assim era parte firme da tradição judaica e foi aceita pelos cristãos primitivos (Gl 3.19; Hb 2.2)”. Fortalecendo este pensamento, no tocante à descida de Deus no Monte Sinai, assim registrou certo escritor: “…Quando Deus se dirigiu ao povo; trata-se de um acontecimento de primeira magnitude e nele se pode incluir a visitação de hostes angelicais. Em meio as nuvens crescentes que cobriam o Sinai, um anjo anunciou a presença de Deus” (PEDRO, 1987, p.77).

Além da aparição no Sinai, há diversas ocasiões, em momentos marcantes no período VeteroTestamentário em que a visitação dos anjos podem ser percebidas. No Antigo Testamento a palavra anjo aparece 210 vezes, enquanto a palavra anjos ocorre em 90 ocasiões (OLIVEIRA, 2012, p. 203). A primeira menção que as Escrituras referem-se à um anjo está registrada em Gênesis 16.7 no episódio em que a concubina Hagar foge de sua senhora Sara, assim está escrito: “E o anjo do Senhor a achou junto a fonte de água no deserto, junto à fonte no caminho de Sur”. Esta aparição providencial foi uma intervenção de Deus, com uma mensagem para Hagar, através de seu agente, um anjo. Em relação à esta ocorrência, referindo-se a este anjo, assim expressou Walton: “Visto que estes mensageiros representam Deus, eles não falam por si mesmos, mas somente em nome de Deus .[…] Tinham a autoridade para falar no nome de quem representavam e eram tratados como se fossem a pessoa que representavam” (WALTON, 2018, p. 58). Vemos então que os anjos cumprem apenas a vontade de Deus, não omitindo ou acrescentando palavra alguma a sua fala, visto que sua vontade está em executar os desígnios de Deus. Embora tenham a autoridade no nome do Senhor, não usurpam ou reinvidicam para si a glória pela execução de seus atos, pelo contrário, o que vemos é a rejeição da adoração humana e a instrução de adorar somente a Deus (Ap 19.10).
Após esta aparição à Hagar, o anjo do Senhor é o responsável por anunciar a Abrãão o nascimento de Isaque (Gn 18.1 e ss.), foram os anjos que anunciaram a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra (Gn 18.16 e ss.), inclusive salvando a vida de Ló e sua família do juizo Divino derramado naquelas cidades (Gn 19.1 e ss.). A vida de Abraão foi marcada pelo aparecimento de anjos em diversas ocasiões, mas certamente nenhuma foi tão marcante quanto a aparição no Monte Moriá, no momento em que o patriarca sacrificaria seu filho(Gn 22.11,12).

Outro importante personagem da Antiga Aliança, que recebeu visitações angelicais, com mensagens da parte de Deus, de forma individual e coletiva, foi Moisés. A primeira experiência se deu em sua chamada no deserto: “E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo, no meio de uma sarça” (Ex 3.2). Embora evidentemente aqui seja o próprio Senhor quem apareceu ao profeta, visto que Deus também apareceu a Abraão como o Anjo do Senhor (STAMPS, 2002, p. 119). A primeira manifestação que a nação de Israel teve da parte de Deus, por meio de um anjo, foi na travessia do Mar Vermelho: “E o anjo de Deus, que ia adiante do povo de Israel, se retirou e ia atrás deles” (Ex 14.19). Vemos nesta passagem o cuidado de Deus em proteger o seu povo dos egípcios que vinham logo atrás, a fim de destruir a nação de Israel, porém mais uma vez o Senhor envia seus agentes para cumprir seu decreto. Daí em diante , o envio de anjos da parte do Senhor, para tratar com os Israelitas foi algo recorrente: para os proteger (Ex 23.20,23); para os punir (Ex 32.34) e exortar os rebeldes ao arrependimento (Nm 22.31-35).
Em todo o curso da peregrinação no deserto, durante os quarenta anos, a nação de Israel estava amparada por Deus, através de seus mensageiros. O próprio Moisés reconhece que Deus enviou seu anjo para libertar a Israel da opressão do Egito: “E clamamos ao Senhor, e ele ouviu a nossa voz, e mandou um anjo e nos tirou do Egito” (Nm 20.16).

Após a morte de Moisés e seu sucessor Josué, já com a terra dividida entre as doze tribos de Israel, num dos períodos mais sombrios da história dos descendentes de Abraão, devido a apostasia e idolatria do povo, ainda assim, Deus sempre estava se comunicando com a nação por meio dos seres angelicais. Devido a situação pecaminosa em que o povo estava inserido, Deus se utiliza de um anjo para repreender os israelitas (Jz 2.1). Todavia a obstinação da nação em desobedecer a voz do Senhor, lhes causou duro juízo Dívino, visto que o Senhor levantava uma nação para subjugar seu povo. Em dado momento, Deus levanta os midianitas para punir a Israel, mas como houve humilhação diante do Senhor por parte da nação, Deus enviou um anjo para comissionar a Gideão a fim de libertar o povo de seus algozes. É também um anjo o responsável por anunciar a Manoá o nascimento de seu filho, Sansão (Js 13.1 e ss).

Vemos a ação de Deus, através dos anjos no período da monarquia em Israel, basicamente de duas formas: Em certos momentos castigando e punindo o povo e noutros livrando-os de seus inimigos. 
Por conta de uma atitude insensata e soberba por parte do rei Davi, o Senhor determinou a punição à nação e enviou um anjo para aplicar seu juízo, matando assim setenta mil homens em Israel (2 Sm 24.14).
Após fugir de Jezabel, Elias estando debaixo de um zimbro, desejando a morte, mas foi visitado por um anjo, que lhe acudiu com alimento, que lhe deu força para caminhar por quarenta dias (1 Rs 19.5-8).
Após ser cercado pelo exército do rei da Síria, o moço de Eliseu se viu extremamente angustiado, mas após a oração do profeta, os olhos do moço foram abertos e pôde contemplar o monte repleto de anjos de Deus, o exército celestial (2 Rs 6.14-17). 

Em suma vemos a ação angelical em todo o período do Antigo testamento, na vida de muitos personagens, além dos que mencionamos: “Eliezer (Gn 22.7); Jacó (Gn 28.12; 31.11,12; 32.1,2; 48.16); Balaão (Nm 22.22-35); Josué (Js 5.13-15); Araúna (1 Cr 21.20); Gade (1Cr 21.18); Isaías (Is 6.2-7); Ezequiel (Ez 1.2-10); Sadraque, Mesaque e Abede-Nego (Dn 3.25,28); Daniel (Dn 6.22); Dario (Dn 10.5-21; 11.1); Zacarias (Zc 1.9), Josué, o sumo sacerdote (Zc 3.3) entre outros” (PEDRO, 1987, p. 79).
Portanto a aparição de anjos e sua visitação de forma invisível foi uma realidade constante na vida dos patriarcas, profetas, reis, sacerdotes e à nação de Israel, como um todo, eles sempre estiveram interagindo com o povo, acampando ao seu redor para livrá-los (Sl 34.7), porque parte do Senhor tal ordem, a fim de proteger o seu povo (Sl 91.11), logo é uma verdade inquestionável seu ministério e ação nas páginas do Antigo Testamento.

Referências 

CHAVALAS, Mark W, MATTHEWS, Victor H, WALTON, Jonh H. Comentário Histórico-cultural da Bíblia: Antigo Testamento, São Paulo, 2018. Ed. Vida Nova. 

MARSHALL, Howard. Atos: Introdução e comentário, São Paulo, 2014. Ed. Vida Nova.

OLIVEIRA, Oseias Gomes. Concordância Bíblica exaustiva Joshua, Vol. 1 A-D. 2012, Rio de Janeiro. Ed. Acadêmico

PEDRO, Severino. Os anjos: sua natureza e ofício. Rio de Janeiro, 1987. Ed. CPAD. 

STAMPS, Donald. Bíblia de estudo Pentecostal, 2002. Ed. CPAD.

Por 
Edson Moraes