quarta-feira, 22 de julho de 2020

Os deuses do Hinduísmo - Parte 2



Shiva

É a divindade que representa a terceira pessoa da tríade hindu. Esta divindade, é considerado como o deus da destruição, sendo uma divindade muito reverenciada na índia. Acredita-se que a forma que Shiva utiliza para destruir o mundo ocorre no final de cada época, onde o deus dança sobre o mundo, até que este seja reduzido á pedaços. Devido á isso é conhecido como o senhor do universo, o “rei que dança” (Natajara). Ironicamente o papel de Shiva como o destruidor, tem como finalidade a renovação da criação, visto que possui importantes papéis no universo, como a criação, preservação e destruição. Dessa forma assim se expressou Schselinger, acerca do papel renovador de Shiva: “O papel renovador de Shiva é representado por sua forma fálica, a divinização do órgão reprodutor, sem idéia obscena, e contendo um potencial masculino e outro feminino” (SCHSELINGER, 1982. p.283). Algumas vezes a figura de Shiva é demonstrada com três faces: duas opostas como macho e fêmea, na figura do destruidor, o Bhairava; sua terceira face, porém, demonstra mansidão, o oposto das laterais. No entanto, Shiva passou a ser apresentado na figura masculina, sempre tendo ao seu lado, sua esposa Parvati. Shiva era considerado uma divindade de menor importância, conhecido anteriormente pelo nome de Rudra, o qual é citado por três vezes apenas no Rig Veda. Veio a ganhar status de notoriedade, como Brahma e Vishnu após absorver as características de uma divindade primitiva da fertilidade.

Ele é considerado como todas as coisas, por essa razão pode aparecer de várias formas, no entanto sua figura, geralmente é representada como um homem sentado, com as pernas cruzadas, aparentando estar meditando, segurando em uma de suas mãos um tridente que com ele Shiva destrói a ignorância do homem, em seu pescoço há uma cobra naja envolta que simboliza sua vitória sobre a morte. Ainda sobre sua aparência, assim o descreve Lemaítre: “Representam-no então com o rosto sujo de cinza, seminu, cingido de crânios e ostentando uma coleira de serpentes (Rudra era já no Vedismoo senhor das serpentes” (LEMAÍTRE, 1958, p.64). Shiva possui um terceiro olho, que segunda a crença seria uma poderosa arma, com a qual poderia destruir qualquer criatura apenas com seu olhar. A origem desse olho, de acordo com a tradição, provém de uma brincadeira de Parvati (Sua esposa), que lhe tapara os dois olhos com a mão (LEMAÍTRE, 1958, p.65). O historiador norueguês Victor Hellern traz uma imagem interessante sobre a polarização de Shiva: “É igualmente um deus do desvario e do êxtase, tanto criador como destruidor, o que o torna ao mesmo tempo aterrorizante e atraente. É ele quem traz a doença e a morte, mas é também o que cura” (HELLER, 2000, p.47). Essa idéia de aparente contraditoriedade é algo real na figura de Shiva, por esse motivo há tantas formas de dirigir-se á esta divindade, que por alguns é considerado como um deus benevolente, enquanto por outros é tido como um deus implacável destrutivo. De acordo com Renou: “É sobre Shiva que recaem os aspectos mais amedrontadores e apavorantes da crença, a luta contra demônios e contra o mal, a imagem da morte, os tipos mais severos de ascetismo, o tantrismo, o conhecimento intelectual e seus efeitos mais perigosos” (RENOU, 1964, p. 27). 

Uma curiosidade acerca de Shiva está relacionada com a questão do Rio Ganges, que é um dos rios mais estimados e venerados na India, sendo considerado como uma divindade, nele se pratica diversas cerimônias religiosas. De acordo com o ICP: “Todos os dias, ao cair da tarde, milhares de peregrinos se congregam ás margens do rio a fim de dar um mergulho de purificação para lavar os pecados do corpo [...] e quando bebidas são capazes de curar enfermidades” (ICP, 2015 p.71). De acordo com a crença hindu, o Ganges seria a personificação de uma deusa, conhecida como Ganga, que desceu do céu entre as tranças de Shiva. Outra curiosidade é que acredita-se que a cidade de Shiva seria Varanasi, localizada ao norte da Índia e considerada a capital espiritual Indiana, segundo o Hinduísmo quem morre nesta cidade vai direto para Shiva, mesmo que o tal carregue consigo um carma maligno. 

Há um grupo de hindus que atribuem a Shiva a divindade suprema, são os praticantes do Shaivaismo, que tem por objetivo da adoração, soltar suas almas das cadeias que possuem, a fim de chegar ao “Shivata” que é a natureza de Shiva. Shiva é afamado como o deus da meditação e do iogues, retratado como um asceta, que se consagra através de exercícios espirituais de auto disciplina. Shiva é também conhecido no Hinduísmo, por meio de outros nomes, corroborando com esta verdade, assim se expressou Bowker: “No texto Shiva Purana, ele tem mais de mil nomes, como Maheshvara, senhor do conhecimento e Mahakala, o senhor do tempo” (BOWKER , 2000, p.21).

A cavalgadura utilizada por Shiva é o touro branco conhecido como Nandi, que de acordo com a crença, o touro encarna a energia sexual. Estando sob as costas de Nandi, Shiva controlaria esses impulsos. A antiguidade da adoração a esta divindade é um muito antiga, comentando sobre esta questão, escreveu Champlin: “Descobertas arqueológicas recentes, tem demonstrado a grande antiguidade de seu culto, a ponto de ter ficado claro que Shiva era conhecido e adorado até mesmo pelo povo pré-ariano, que vivia a margem do rio indo” (CHAMPLIN, 2013, p.201).

Brahma

Intitulado como o deus da criação, Brahma é uma dos três deuses que formam um trimuri ou tríade a religião Hindu, ao lado de Shiva e Vishnu. O entendimento desta trindade seria: Brahma na figura do criador, Vishnu o sustentador, sendo o protetor das leis da natureza e a harmonia do universo, já Shiva é o destruidor,que dança sobre o mundo reduzindo a pedaços, quando isto acontece cabe a Brahma criar novamente o mundo.  Este deus seria própria representação da força do universo, sua apresentação é de um homem com quatro cabeça, embora exista uma lenda de que originalmente Brahma possuía cinco ao invés de quatro de cabeças, quando se apaixonou por sua consorte Saravasti, pois ela por ser muito tímida, o deus criou a quinta cabeça para assim poder enxergar sua amada em todas as direções: Esquerda, direita, atrás, frente e acima; Esta quinta cabeça foi arrancada por Shiva, por haver sido ofendido por Brahma, segundo a lenda. 

Ainda sobre a figura de Brahma, é apresentado que esta divindade possui quatro braços, nos quais carrega cinco objetos, a saber: Flor de lótus, que simboliza a natureza de todos os seres viventes e sua essência, em outra um rosário, conhecido como Japamala, que simboliza o período de tempo de tempo que o universo se move, noutra está segurando uma Jarra de água, que seria a substância usada pelo deus na criação do universo e por fim um livro que simboliza o conhecimento, inclusive as quatro cabeças de Brahma, acredita-se, que cada rosto cita um dos quatro vedas, as escrituras sagradas do hinduísmo.
Como mencionado, Brahma possui uma consorte, Saravasti, a qual é citada nos Vedas, e é alvo de adoração tanto no hinduísmo como também no Jainismo e Budismo. Ainda nos dias atuais continua sendo adorada, atualmente simboliza a poesia, a musica, a arte, a intelectualidade e o conhecimento. Embora no passado esta deusa foi adorada na forma de um rio,hoje quase seco, onde seus seguidores ofereciam sacrifícios em suas margens. Em suas imagens, Saravasti está assentada sobre uma flor de lótus que serve remonta ao vinculo com o rio.
Brahma também possui um veiculo para sua locomoção, um cisne divino, por essa razão, este animal desfruta de muita honra na religião, por ser um veiculo de um deus. Mesmo sendo componente da trindade hindu, o deus Brahma não goza de muitos adeptos no hinduísmo, diferentemente de Shiva e Vishnu que possuem templos espalhados por toda a Índia, por esse motivo possui poucos templos em sua homenagem, sendo o mais conhecido o templo de Pushkar localizado no estado de Rajasthan, na Índia, denominado Templo Brahmaji. De acordo com a lenda, em Pushkar Brahma teria derrotado um demônio, usando uma flor de lótus.

Ganesha

Um dos deuses masculinos pertencentes ao ciclo de Shiva é Ganesha, o senhor dos ganas. Sua adoração está centralizada na Índia meridional sob o nome de Subrahmanya (RENOU, 1967, p.27). Ganesha, segundo a crença, é o filho de Shiva e Parvati, sendo ele o deus destruidor de obstáculos, talvez por essa razão seja tão popular entre os homens, que o buscam com o propósito de que tenham seus obstáculos destruídos por seus poderes, esta divindade simboliza representação ao apelo e a força espiritual, desfrutando de muitos adoradores no sul da Índia. Geralmente as estátuas de Ganesha são postas em construções de novas casas, de acordo com Bowker: “esta divindade representa também o começo de uma jornada ou de um empreendimento arriscado e os poetas tradicionalmente o invocam ao principiar um livro” (BOWKER, 1997, p. 29). 

Sua figura é de um ser com corpo humano, possuindo quatro braços e que possui a cabeça de elefante, tendo apenas uma presa. De acordo com a crença, Shiva, sem perceber que era seu filho, degolou Ganesha, no momento em que protegia sua mãe Parvati. Após perceber o mal que cometera, Shiva prometeu ao filho repararia o erro tomando a cabeça da primeira criatura que visse, neste caso a de um elefante. Outra lenda conta que o deus Saturno, ao olhar para a criança de Parvati queimou a cabeça, deixando apenas cinzas, sua mãe encontrou uma cabeça de elefante e a substituiu. O elefante tem uma grande estima dentro do hinduísmo, conforme menciona Lemaítre: “O elefante é o emblema da força e da sabedoria. É um dos mais importantes animais  sagrados. [...] Os quatro regentes do mundo que se acham sob o monte Meru cavalgam quatro elefantes cósmicos, os dinaga” (LEMAÍTRE, 1958, p.58)

Inicialmente acredita-se que Ganesha não fosse uma divindade, antes um símbolo sagrado de alguma tribo que foi absorvida á religião hindu. A forma mais comum que representa Ganesha possui alguns símbolos que merecem destaque: tridente, uma nota de que é filho de Shiva; Doces, que são carregados num saco, chamado de Laddus, por essa razão, em seus templos são oferecidos doces em seu sacrifício; a tromba partida, numa de suas mãos ele carrega o pedaço de sua tromba, que segundo a crença o próprio Ganesha cortou, para compor o Mahabharata, que é uma das escrituras hindus, composta por cerca de noventa mil versos; A Serpente, geralmente em volta do ventre de Ganesha está uma serpente, que também está associado á Shiva, a serpente é apenas um lembrete de que Ganesha é filho de Shiva; sua postura real, pelo fato de estar com uma de suas pernas elevadas, denota a realeza de Ganesha, conhecido como Lalitasana.

Assim como as demais divindades, Ganesha possui uma consorte, esposa, chamada Siddhi ou Riddhi, a qual carrega consigo um lothus. Além disso, Ganesha possui um veiculo para se locomover, representado na figura de um rato, que embora pequenos, são considerados perspicazes, com grande habilidade de abrir novos caminhos roendo tudo que encontrar, dessa forma este simbolismo atribui a Ganesha a capacidade de destruir os obstáculos que surgir pela frente.

Brahman
É a representação da realidade final no hinduísmo, não podendo ser definido por meio da sabedoria humana, visto que seu conceito muda com o tempo, dessa forma sua essência invisível é a realidade suprema.  Esta divindade é inalcançável por meio da compreensão humana, visto que é ao mesmo tempo: Eterno, absoluto, imortal, infinito em sua forma, mas também nada disso, pois está acima da capacidade intelectual do homem. Por essa razão nada pode ser pronunciado ou mesmo imaginado sobre ele.

Trazendo um conceito interessante sobre a maneira que se pode definir esta divindade, se expressou Hellern: “Brahman é o principio construtivo do universo, uma força que permeia tudo, uma divindade impessoal. Todas as almas individuais são reflexos dessa única alma universal” (HELLERN, 2000, p.45).
 No texto religioso, extraído do Bhagavad Gita, “canção do bem aventurado” ilustra a percepção que os hindus definem Brahman:

Põe este sal na água e vem comigo amanhã de manhã.
Svetaketu fez assim, e pela manhã seu pai lhe disse: traz o sal que puseste na água ontem a noite.
Svetaketu olhou para a água mas não o achou, pois se tinha dissolvido.
Seu pai disse: prova a água deste lado. Que tal?
É Sal.
Prova a do meio. Que tal?
É sal.
Prova daquele lado. Que tal?
É sal.
Procura de novo o sal e vem comigo.
O filho fez e disse: não vejo sal. Só água.
Disse o pai: Também não podes ver o espírito, meu filho. Mas ele está ali. O Espirito do universo é uma essência invisível e sutil. Essa é a realidade.
Essa é a verdade.

De acordo com o hinduísmo o homem está preso á um processo incansável de reencarnação, visto que está preso na ignorância e a única forma de libertar-se é através do conhecimento, que traz a compreensão de que a alma humana, “atmã” e o mundo espiritual “Brahman” são essencialmente uma única coisa, da mesma forma que a água e o sal. A concepção hindu é que o homem possui uma centelha divina em seu interior, a finalidade é que está partícula seja dissolvida em Brahman, assim estará novamente unido, em sua completude, com o Espirito universal.
Esta compreensão de essência suprema, que está acima dos demais deuses do hinduísmo é representada na expressão de Lemaitrê: “Brahman, Divindade suprema, junto de quem os demais deuses não passam de simples intermediários [...] É sempre Brahman, pois que tudo é Brahman” (LEMAITRÊ, 1958,  p.60)

Por 
Edson Moraes

Afirmações Estranhas e Preconceituosas dos Novos Ateus



Por Walson Sales

“As religiões são más porque muitas coisas más tem sido feitas por religiosos.”
Verdade Histórica ou Argumento Falacioso?

Essa rede de informações negativas proporcionadas pelos Novos Ateus (perceba que existe de fato uma grande diferença entre os ateus tradicionais e os Novos Ateus como já demonstrado), surgiu no dia seguinte aos ataques terroristas do 11 de setembro de 2001. A partir daquele dia os Novos Ateus criaram sua cruzada particular contra a fé e contra todas as religiões. A tática é uma e simples: reduzir todas as religiões, incluindo a fé Cristã, ao mesmo nível dos Muçulmanos salafistas (literalistas) que empreenderam os ataques daquele fatídico dia. Contudo, não precisa ser um intelectual para perceber que há um grande engodo nesta proposta dos Novos Ateus, pois uma coisa é certa e básica: o fato de alguns religiosos terem praticado coisas más em nome da religião não significa que todas as religiões sejam más, muito menos que a fé Cristã seja semelhante ao Islã Salafista.
O pior é que essa narrativa vem ganhando adeptos e defensores em diversos grupos. Por exemplo, o professor John Lenoxx afirma que numa conferência de 2007 intitulada “Beyond Belief: Science, Religion, Reason, and Survival” ["Além da crença: ciência, religião, razão e sobrevivência"], o ganhador do prêmio Nobel de Física Steven Weinberg disse: “A religião é um insulto à dignidade humana. Com ou sem a religião, você teria pessoas boas fazendo coisas boas e pessoas más fazendo coisas más. Mas para as pessoas boas fazerem coisas más, é preciso da religião.” Essa impressão de que a religião é prejudicial parece estar se espalhando e ganhando notoriedade. De acordo com a pesquisa britânica YouGov de 2007, quase metade (42%) das 2.200 pessoas que foram entrevistadas, pensavam que a religião tinha um efeito prejudicial e apenas 17% consideraram que a influência da religião era benéfica, um número de pessoas estranhamente menor do que os 28% que afirmaram acreditar em Deus (2011, p. 55). Esses dados mostram que o Cristianismo na Europa está mesmo distorcido e está muito distante do Cristianismo bíblico. Jargões do tipo “a religião mata” e “a religião envenena tudo” são propagadas com certa frequência pelo Christopher Hitchens no livro Deus não é Grande, que é uma alusão às expressões religiosas dos Muçulmanos Allahu Akbar, que significa Deus é Grande. Richard Dawkins não fica atrás na sua cruzada pessoal contra Jeová do Antigo Testamento, a quem ele chama de sadomasoquista e megalomaníaco.[1] O que é um insulto, pois essas afirmações se baseiam exclusivamente em ignorância religiosa.
Michael Poole destaca acertadamente que associar todas as ações malignas às religiões resulta em um péssimo argumento, pois vende a ideia de que as religiões são más. Um argumento similar pode ser feito sobre os ateus, pois precisaríamos apenas mostrar os assassinatos em massa do Comunismo Russo sob Stálin ou o Comunismo do Cambodja (Khmer Vermelho) sob Pol Pot e o Nazismo sob Hitler. Mas isso não significa que o ateísmo e/ou os ateus sejam genocidas ou amorais (e não seria justo afirmar isso) (POOLE, 2009, p. 15).[2] O professor John Lenoxx também segue no mesmo argumento pela obviedade, pois os Novos Ateus minam seu próprio argumento de maneira surpreendentemente ingênua, ao agrupar todas as religiões indiscriminadamente, como se todas as religiões fossem igualmente culpadas da acusação de fomentar comportamentos perigosos. Não se poderia esperar que uma simplificação grosseira e não-acadêmica venha de autores que elogiam em voz alta sua "abordagem científica".Afinal, não é preciso estar na vanguarda da pesquisa acadêmica sobre o pensamento religioso, para ver que classificar os Amish, que são um povo que  amam a paz, com os extremistas fundamentalistas islâmicos é uma comparação dolosa, maliciosaou perigosamente ingênua. De fato, quem sabe alguma coisa sobre religiões sabe que elas diferem profundamente em seus ensinamentos e práticas. Portanto, milhões de pessoas moderadas de todas as persuasões religiosas objetam, com razão, ser classificadas pelos Novos Ateus junto com extremistas violentos, mesmo aqueles de sua própria persuasão religiosa. Afinal, o 11 de setembro é uma plataforma de lançamento bastante estranha para o ataque dos Novos Ateus ao Cristianismo. Dessa forma o professor John Lenoxx concorda com veemência com o professor Michael Poole, pois denuncia na mesma linha que surge uma profunda ironia no fracasso dos Novos Ateus em discriminar as religiões; pois eles claramente esperam que todos os outros façam distinções justas entre os diversos tipos de ateus. Eles mesmos, como pessoas que amam a paz, confessadamente, não gostariam de ser arbitrariamente classificados como extremistas violentos de sua própria persuasão de cosmovisão, como Stalin, Mao e Pol Pot. Por que, portanto, os Novos Ateus não nos alertam que o ateísmo leve e moderado pode proporcionar o clima de fé em que o ateísmo extremo floresce naturalmente, como ocorreu no século XX? Se aplicássemos a própria técnica simplificadora dos Novos Ateus, eles não demorariam a protestar. E o professor Lenoxx arremata muito persuasivamente que essa inconsistência bastante flagrante, ao esperar que os não-ateus façam distinções justas entre os diferentes tipos de ateus, enquanto os próprios Novos Ateus se recusam resolutamente a fazer o mesmo com grupos religiosos, não contribui em nada para aumentar a credibilidade intelectual da mensagem dos Novos Ateus. Muitas pessoas sérias estão, com razão, profundamente preocupadas com a merecida má reputação que algumas religiões têm por estarem envolvidas em atividades evidentemente más. Portanto, é importante abordar a questão de maneira moderada, responsável e racional (LENOXX, 2011, p. 56).
Outro exemplo pode confirmar o erro dessas generalizações grotescas feitas pelos Novos Ateus para confundir os incautos. Sabemos que os livros do Richard Dawkins e do Christopher Hitchens contém centenas de exemplos de péssimos testemunhos de crentes religiosos catalogados para tentar “provar” que a religião é má. Agora suponha que alguém faça uma catalogação de todas as péssimas histórias que envolvem a prática do sexo, ou seja, páginas e páginas de relatos de estupros, adultérios, promiscuidade, pedofilia, luxúria, bestialidade e pornografia e conclua que o sexo é algo mau pra você ou que o sexo envenena tudo. O que pensaria um casal feliz, composto por marido e mulher? Tanto a religião quanto o sexo estão envoltos em sentimentos poderosos e onde esses sentimentos são abusados, os resultados são extremamente vis. Mas o uso correto do sexo, dentro do casamento heterossexual, conforme Deus programou, é extremamente abençoador. Portanto, não estamos defendendo as coisas horríveis que religiosos praticam ou podem praticar em nome da religião, o que defendo é o uso correto e moderado do discernimento e da razão e estes são suficientes para mostrar que os Novos Ateus não estão sendo sinceros em suas guerras contra todo as as religiões (POOLE, 2009, p. 15).
Sendo assim, me parece que os Novos Ateus nos acusam de sermos cúmplices ou coniventes com os atos de violência praticados por religiosos, o que é uma verdadeira simplificação do pensamento religioso em geral e da fé Cristã em particular. O Cristianismo é pacífico em essência e os que tenham praticado violência supostamente em nome da fé Cristã, a estão deturpando e não a representando. Os Cristãos, por exemplo, tem reprovado muitas coisas que ocorreram na história do Cristianismo, como por exemplo a Inquisição aplicada pela Igreja Católica contra os Protestantes no século 16 em diante, ou os próprios atos de violência perpetrados por Protestantes contra Protestantes também no mesmo período. Sem querer acusar os Católicos dos crimes que a história lhes imputa, quero “lavar roupa suja” entre nós, os Protestantes. O falecido escritor Protestante Dave Hunt denunciava com certa frequência em seus livros, os crimes cometidos pelos Protestantes na Genebra Protestante do século 16, contra os Protestantes. Sinta o peso das denúncias que o Hunt faz sobre a prepotência do reformador genebrino João Calvino:

De 1554 até sua morte em 1564, “ninguém mais ousou opor-se ao Reformador abertamente”.Os oponentes de Calvino foram silenciados, expulsos, ou fugiram de Genebra, mas a oposição continuou de fora. Calvino não copiou a Cristo na matéria de sofrer insultos sem revidar (I Pedro 2.23), mas superou seus oponentes no uso de linguagem abusiva. Em um sermão em 16 de Outubro de 1555, ele se referiu aos seus inimigos como “toda aquela imundície e vilania…cães raivosos que vomitam as suas imundícies contra a majestade de Deus e querem perverter toda a religião. Eles devem ser poupados?”.Todos sabiam a resposta! (HUNT, 2004, p. 24, grifo meu).

As acusações são sérias e nem o mais radical Calvinista e defensor de Calvino, se alegra com essas informações legadas na história. Nenhum Protestante Evangélico endossaria esse comportamento hoje, muito menos durante a igreja primitiva. Hunt continua sua denúncia ainda em termos mais fortes ao citar dezenas de fontes históricas:

Fornicação [na Genebra de Calvino] era punida com o exílio ou afogamento; adultério, blasfêmia ou idolatria com a morte…uma criança foi decapitada por agredir seus pais. Nos anos de 1558-1559 houve 414 processos por ofensas morais; entre 1542 e 1564 houve 76 banimentos e 58 execuções; a população de Genebra era na época de 20.000 pessoas (HUNT, 2015, p. 103).

Agora compare os ensinamentos de quem é o paradigma no Cristianismo, ou seja, o próprio Jesus Cristo, com o exemplo de Calvino na Genebra do século 16 (tomando apenas como exemplo) e as comparações que os Novos Ateus jogam sobre os Cristãos com base nos exemplos dos Muçulmanos que impetraram os ataques terroristas no 11 de setembro. Veja os ensinamentos de Cristo:

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus; Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus; Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. (Mateus 5:5-11).
Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; (Mateus 5:43,44).
Mas a vós, que isto ouvis, digo: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam; Bendizei os que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam. (Lucas 6:27,28).
Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso. (Lucas 6:35,36).

Apenas para citar alguns. Dave Hunt conclui o capítulo do seu livro criticando os Protestantes que condenavam o Papa pela Inquisição e tentavam inocentar Calvino, uma verdadeira incoerência. Dave Hunt diz: não é somente Cristo o padrão de seus seguidores? E Ele não é sempre o mesmo, impossível de ser mudado pelo tempo ou pela cultura? Como os papas podem ser condenados (e certamente são) pelo mal que eles fizeram sob a bandeira da cruz, enquanto Calvino é escusado fazendo o mesmo, embora em uma escala menor? As seguintes são somente duas passagens, entre muitas que condenam Calvino:

      Mas a sabedoria que do alto vem é, primeiramente pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia. (Tiago 3:17)
      • Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele [Cristo] andou. (1 João 2:6) (HUNT, 2015, p. 121).

Passagens assim da Bíblia não condenam apenas Calvino pelo o que aconteceu em Genebra ou o Papa pela Inquisição, condenam todos os que agem com violência em nome do Senhor. Passagens assim também condenam os Novos Ateus por se recusarem reconhecer que quem age assim não representa a Cristo, bem como muito menos os Muçulmanos violentos representam a fé Cristã.[3] Percebe a incoerência dos Novos Ateus? Para nós, os Cristãos que seguimos os passos de Jesus Cristo entendemos que qualquer ato de violência em nome da fé Cristã é, na verdade, uma afornta aos próprios ensinamentos de Jesus nos evangelhos. Ainda há uma premissa oculta no ataque dos Novos Ateus contra todas as religiões: a omissão do reconhecimento dos inúmeros benefícios que as religiões e em especial o Cristianismo tem feito ao longo da história. Alguns Novos Ateus tentam minimizar os ataques de seus pares e reconhecem as inúmeras benfeitorias realizadas em nome da fé Cristã. Contudo, atacar a religião como tal não é novidade, pois em um ensaio intitulado "A religião fez contribuições úteis para a civilização?", até mesmo o ateu tradicional Bertrand Russell escreveu: “Minha ... visão sobre religião é a de Lucrécio. Eu a considero uma doença nascida do medo e uma fonte de miséria incalculável para a raça humana.” (LENOXX, 2011, p. 57).
Como demonstrado, os Novos Ateus dizem pouco ou nada sobre a imensa contribuição positiva que o Cristianismo deu à civilização ocidental. Contudo, Jürgen Habermas, o principal filósofo alemão e um autodenominado ateu metodológico se distancia dos Novos Ateus no quesito honestidade e dispara,

O igualitarismo universalista, a partir do qual surgiram os ideais de liberdade e uma vida coletiva em solidariedade, a conduta autônoma de vida e emancipação, a moral individual da consciência, os direitos humanos e a democracia, é o legado direto da ética judaica da justiça e da ética cristã do amor. Esse legado, substancialmente inalterado, tem sido objeto de contínua apropriação crítica e reinterpretação. Até hoje, não há alternativa para isso. E, à luz dos desafios atuais de uma constelação pós-nacional, continuamos a extrair a substância desse patrimônio. Tudo o resto é apenas conversa fiada pós-moderna.[4]

O que Habermas está dizendo é que foi o Cristianismo que deu ao mundo as universidades que educaram os Novos Ateus, os hospitais e hospícios que cuidam deles e foi a fé Cristã que pavimentou as liberdades e os direitos humanos que os permite disseminar suas ideias (LENOXX, 2001, p. 70). Se os Novos Ateus reconhecessem realmente que, por exemplo, a abolição da escravidão foi obra do trabalho de William Wilberforce, um Cristão evangélico e que o aparecimento de escolas, hospitais e universidades são heranças da cosmovisão Cristã, sem mencionar os inúmeros testemunhos de religiosos que perdoaram ações horríveis contra eles e suas famílias, como atitudes diretas de obediência da essência das doutrinas Cristãs do próprio Cristo, talvez os Novos Ateus tivessem uma visão diferente sobre a religião e em especial a Fé Cristã (POOLE, 2009, p. 11).
John Lenoxx joga uma “pá de cal” na sepultura da narrativa dos Novos Ateus ao chamar a atenção para as credenciais que os ateus alegam para si mesmos como cientistas, mas que se mostram verdadeiros ignorantes dos benefícios da religião para as pessoas. Ele arremata que para alguém que afirma colocar grande importância nas evidências científicas, Dawkins mostra ignorância culpável do considerável corpo de pesquisa que mostrou a contribuição positiva do Cristianismo para o bem-estar. Por exemplo, contradizendo a afirmação de Dawkins de que a religião causa mais estresse por culpa do que alivia, Sloan Wilson cita os resultados de pesquisas recentes realizadas por ele e Mihaly Csikszentmihalyi:

Esses estudos foram realizados em uma escala tão massiva e com tanta informação de base que podemos comparar a experiência psicológica de crentes religiosos versus não crentes, momento a momento. Podemos até comparar membros de denominações protestantes conservadoras x liberais quando estão sozinhos versus na companhia de outras pessoas. Em média, os crentes religiosos são mais pró-sociais do que os não crentes; sentem-se melhor consigo mesmos; usam seu tempo de forma mais construtiva; e se engajam no planejamento a longo prazo, em vez de satisfazer seus desejos impulsivos. A cada momento, eles relatam ser mais felizes, ativos, sociáveis, envolvidos e empolgados. Algumas dessas diferenças permanecem mesmo quando crentes religiosos e não religiosos são compatíveis com seu grau de prosocialidade (2011, p. 71).

Já dá pra ficar vermelho de vergonha. Negar todas conquistas deixadas pela fé Cristã dentro de 2.000 anos de história é uma verdadeira confissão de ignorância ou preconceito por parte dos Novos Ateus.

Referências:

HUNT, Dave. Que Amor é Este? A Falsa Representação de Deus no Calvinismo. (Tradução Cloves Rocha e Walson Sales). 1ª edição. São Paulo: Editora Reflexão, 2015
HUNT, Dave; WHITE, James. Debating Calvinism: Five points, two views. Colorado Springs, CO: Multnomah Books, 2004
LENNOX, John. Gunning for God: Why the New Atheists Are Missing the Target. Oxford: Lion, 2011
POOLE, Michael. The ‘New’ Atheism: 10 Arguments That Don’t Hold Water? Oxford, England: Lion Hudson plc, 2009

Notas:
[1] Leia o livro do Paul Copan intitulado Deus é um monstro moral? Entendendo Deus no contexto do Antigo Testamento, publicado no Brasil em 2016 pela editora Sal Cultural. Se você consegue ler em inglês, leia o livroDid God Really Command Genocide?Coming to the Terms with the Justice of God, também escrito pelo Paul Copan e Matthew Flannagan. Ambos livros são uma resposta direta às aberrações de interpretações e ignorância do mundo antigo, patrocinada pelo Richard Dawkins em seu livro. Temos um projeto de traduzir trechos de livros para fomentar o interesse das editoras brasileiras para que estas obras sejam publicadas no Brasil. Se você quiser ler um capítulo de cada livro para ter uma noção do que eles abordam, seguem os links respectivamente:
[2] Por exemplo, muitas atrocidades foram consumadas pelos comunistas, cujas ideologias são ateístas em si. Os primeiros campos de concentração (que viraram campos de extermínio posteriores) de Lenin criados para aprisionar padres, soldados do exército branco e lideranças políticas de oposição são bastante conhecidos. Tudo sem julgamento. Veja o trecho abaixo:
Em 9 de agosto de 1918, Lenin telegrafou ao Comitê Executivo da província de Penza pedindo que fossem aprisionados "os kulaks, os padres, os soldados do Exército Branco e outros elementos duvidosos num campo de concentração". Alguns dias antes, Dzerjinski e Trotski haviam, do mesmo modo, prescrito o aprisionamento de reféns em "campos de concentração". Esses "campos de concentração" eram campos de internação onde deveriam ser encarcerados, através de uma simples medida administrativa e sem qualquer julgamento, os "elementos duvidosos". Existiam, tanto na Rússia quanto nos outros países beligerantes,numerosos campos onde haviam sido internados os prisioneiros de guerra. Entre os "elementos duvidosos" a serem preventivamente aprisionados, figuravam, em primeiro lugar, os responsáveis políticos, ainda em liberdade, dos partidos de oposição. Em15 de agosto de 1918, Lenin e Dzerjinski assinaram a ordem de prisão dos principais dirigentes do Partido Menchevique— Martov, Dan, Potressov e Goldman cujo jornal já havia sido silenciado e os representantes expulsos dos sovietes. FONTES: V. I. Lenin, Polnoie sobranie socinenii (Obras Completas), vol. L, p. 143; CRCEDHC, 76/3/22/3; leia O livro negro do comunismo.
[3] A fé Cristã não endossa a violência em nenhuma de suas doutrinas, contudo há uma linha de pesquisa bem estabelecida nas próprias fontes Islâmicas que o Islamismo tem uma forte relação histórica com a violência. Leia o capítulo sobre o Islã neste livro. Caso queira conhecer uma linha do tempo de um período da história do Islamismo, acesse este link: https://deusamouomundo.com/islamismo/linha-do-tempo-da-violencia-do-islamismo/
[4] Jürgen Habermas, Time of Transitions, New York, Polity Press, 2006.


terça-feira, 21 de julho de 2020

A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 2 - A Herança Religiosa e Cultural da Família de Charles Darwin



Por Walson Sales

Charles Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809, em Shrewsbury, Inglaterra, filho do médico Robert Darwin e neto do pitoresco deísta e evolucionista Erasmus Darwin. A mãe de Charles era a filha do extemporâneo industrial e unitarista Josiah Wedgwood, um ceramista de fama (GUNDLACH, 2018).O avô de Darwin, Erasmus, possuía um intelecto cortante e uma repulsa profunda por qualquer divindade. Tinha linguagem chula, humor extravagante, era corpulento e não poupava ninguém, pois acusava o outro avô materno de Darwin, o patriarca da cerâmica Josiah Wedgwood, de estar em queda livre com seu Cristianismo unitarista insípido, reduzido à quase nudez, pois duas doutrinas basilares haviam sido rejeitadas, a saber, a Santíssima Trindade e a Divindade de Jesus. O Cristianismo de Josiah havia rejeitado tantos elementos sobrenaturais que, se fosse rebaixado um pouquinho mais, aterrissaria em queda livre no ateísmo, dizia Erasmus. Erasmus era um crítico ferrenho do Cristianismo e da religião e era conhecido por dizer com certa frequencia “que necessidade existe para o Cristianismo, se os homens podem sorver ‘o leite da ciência’? As sacerdotisas da natureza não explicavam todas as coisas – até mesmo a criação?” (DESMOND & MOORE, 2001, p. 25). Os dois avôs de Darwin concordavam em muitas coisas, mas em questão de religião se afastavam drasticamente.
O doutor Erasmus Darwin era um gigante, um hedonista, cuja sombra se estendera pelas gerações posteriores. Marcado pela varíola, aleijado e obeso, era um médico renomado com uma atração fatal por mulheres. Foi pai de uma dúzia de filhos com duas esposas diferentes, e de mais dois com uma govenanta. Receitava sexo contra a hipocondria, compunha versos eróticos em profusão e mantinha um compromisso profundo com as maravilhas da mecânica e com a evolução. Charles Darwin via ali aspectos profundos de si mesmo. Erasmus admitia a ascenção natural da vida e o parentesco entre todas as criaturas; repudiava a escravidão, admirava a filantropia, e insistia na bondade para com os animais inferiores. Como deísta, acreditava em uma deidade distante – um Poder-potente, Todo grandeza, Todo bondade. Segundo consta, ele orava: “Ensina-me, Criação, ensina-me como adorar o vasto desconhecido”. Por não ser um Cristão Ortodoxo ou mais especificamente, da Igreja Anglicana, era grosseiramente caluniado e no mesmo ano em que morreu, em 1802, foi duramente atacado por duvidar da Bíblia. Isso abalou Charles Darwin profundamente, pois afirmou com muito desgosto “Esse era o estado do sentimento Cristão neste país no início do século corrente”. É de conhecimento dos principais biógrafos de Darwin que muitas histórias negativas sobre seu avô Erasmus foram recortadas dos relatos que vieram à público. Muita informação sobre filhos ilegítimos, muito vinho, mulheres e ardor. Frases grosseiramente agnósticas e tudo o que mostrasse sua heterodoxia foi também amputado, pois refletia mal o Cristianismo [e a família]. Darwin mesmo aprovou este processo impetrado por sua filha Henrietta. As asserções e supressões falavam pelos dois lados da família. Henrietta parecia com a mãe e com o avô materno, Josiah, pois 100 anos de devoção unitarista haviam marcado a mentalidade dos Wedgwood. A censora impôs sua vontade. O mundo teria que aguardar mais outro século para ler sobre as forças familiares que haviam moldado o destino de Charler Darwin (DESMOND & MOORE, 2001, p. 26, 27).
Erasmus era um polivalente. Além de médico, projetou uma carruagem capaz de fazer curvas em alta velocidade, na qual viajava 15 mil quilômetros por ano para medicar a nova elite da Inglaterra. Projetou um moinho de vento horizontal para pulverizar pigmentos nas instalações de Wedgwood e até mesmo uma máquina de falar, capaz de pronunciar o Pai-Nosso, o Credo e os Dez Mandamentos na língua comum”, onde foi-lhe oferecido 10 mil libras pelo invento. Mas este homens não apostavam muito na ortodoxia. A maioria deles era não-conformista por livre escolha, portanto, marginalizados em um mundo em que as oportunidades educacionais e políticas eram reservadas para os membros da Igreja Anglicana. Eles pertenciam a uma contracultura de capelas e prosperavam nas cidades industriais em crescimento. À parte do livre pensamento de Erasmus, sua vanguarda intelectual estava nos unitaristas como Josiah. Em 1870, quando Joseph Priestley, destacado filósofo, químico e unitarista da época, veio a Birmingham para servir como ministro na nova Casa de Culto dos Dissidentes, esse grupo marginalizado ganhou um aliado importante. Priestley era um gênio. Estudava o ar e os gases e é possível que tenha descoberto o oxigênio, a amônia, o monóxido de carbono, o dióxido de enxofre e a lista segue. Foi financiado em suas pesquisas por Wedgwood. A teologia de Priestley foi provavelmente ainda mais influente, uma vez que moldou os pontos de vista de três gerações entrecruzadas pelo casamento de Darwin e Wedgwood. Ele pretendia restaurar o cristianismo em sua pureza primitiva e torná-lo uma religião de felicidade universal, nesta vida e na próxima. Os Anglicanos acharam isso perigoso – Deus ordenando felicidade para todos de maneira imparcial, sem levar em consideração a posição social ou o ritual, também era condenável. Contudo, para Priestley, almas imortais não existiam mais do que os “espíritos” imateriais da química. Milagres e mistérios como a Santa Trindade e a Encarnação de Cristo tampouco faziam parte de seu cristianismo. Para ele, a benevolência de Deus estaria expressa em um mundo inteiramente material, no qual as leis da natureza reinariam absolutas e tudo teria uma causa física. A carne humana seria ressuscitada na próxima vida, como foi a de Jesus, graças a alguma lei física desconhecida. Esta era a fé robusta, esperançosa e autoconfiante da nova elite industrial que moldou o pensamento da família de Charles Darwin (DESMOND & MOORE, 2001, p. 28, 29).
Nem todos os unitaristas foram tão longe a ponto de negar a alma. Por outro lado, livres-pensadores como Erasmus forma muito além disso, descartando a Bíblia e também Jesus – e clamando que “nenhuma Providência particular é necessária para fazer girar este planeta ao redor do sol”. A esposa de Erasmus bebia gim e morreu embriagada, deixando o marido com cinco crianças. Uma década de flertes, e namoros fúteis se seguiram e então, aos 49 anos, Erasmus descobriu-se gordo, manco e apaixonado por uma mulher casada, sua paciente, a quem dedicava poemas e versos de amor. Era uma bela paciente casada, filha ilegítima de um Conde. Quando seu rico marido morreu, em 1780, o viúvo Erasmus casou-se com ela, mudou de residência e transferiu suas operações para a mansão dela no interior, nos subúrbios de Derby. Tal devassidão era sinal de que uma elegante libertinagem afetava as melhores famílias (DESMOND & MOORE, 2001, p. 29, 30).
Erasmus estava fazendo versos sobre as novas liberdades francesas e finalizando seu livro médico-evolucionista Zoonomia, quando Priestley caiu nas “mãos sacrílegas dos selvagens de Birmingham”. Sua capela e sua casa foram invadidas e vandalizadas por uma multidão que gritava “nada de filósofos – a Igreja e o Rei para sempre”. Os tumultos de 1791 significaram o fim da Sociedade dos Dissidentes. Priestley recebeu uma oferta de asilo na Etrúria, mas acabou fugindo para os Estados Unidos. A Botânica erótica de Darwin foi denunciada como lixo titilante; seu “ateísmo”, ferozmente criticado como o tipo de filosofia desmoralizadora que desencadeara o terror (DESMOND & MOORE, 2001, p. 31).
Para os Darwin, o casamento, como tudo o mais, era administrado pelo velho Erasmus. Para Robert, (pai de Charles Darwin, o naturalista), ele escolheu Susannah, filha de Josiah. Eles se casaram em abril de 1796, um ano depois da morte de Josiah. Robert estava então estabelecido como médico e a herança de Sussanah, de 25 mil libras, constituía um acréscimo bem-vindo à fortuna da família. Foram morar na periferia de Shrewsbury, onde construiu uma casa apelidada de The Mount. A primeira criança do casal foi uma garota, Marianne; duas outras filhas vieram a seguir, Caroline em 1800 e Susan em 1803, esta um ano depois da morte pacifica de Erasmus. Veio então o primeiro filho homem, em 29 de dezembro de 1804. O casal batizou o filho em homenagem ao tio, morto afogado cinco anos antes e ao falecido avô – Erasmus. Robert era temperamental em família e Sussannah sifria muito com isso. Em 12 de fevereiro de 1809, quando atingira 44 anos, ela deu à luz. O menino foi chamado Charles Robert Darwin em memória aos médicos da família e na esperança de uma carreira brilhante, batizaram o bebê na igreja Anglicana de St. Chad no dia 17 de Novembro. Isso era adequado e prudente. O país estava em guerra com a França, a família era conhecida por ser liberal. O velho Erasmus já havia sido ridicularizado publicamente pelo governo por ter composto uma poesia em favor do franceses e para piorar, o nome dos Darwin já era associado ao ateísmo subversivo. Apesar de Suassanah permanecer fiel aos seus princípios cristãos, seu cristianismo era do culto dos Dissidentes, ou seja, unitarista e “em queda livre” em direção ao ateísmo, como denunciava o velho Erasmus (DESMOND & MOORE, 2001, p. 31, 32).

Fontes citadas:
DESMOND, Adrian; MOORE, James. Darwin: A Vida de um Evolucionista Atormentado (Tradução Cyntia Azevedo). 4ª edição revisada e ampliada. São Paulo: Geração Editorial, 2001
GUNDLACH, Bradley J. Charles Darwin. In COPAN, Paul [et all] (organizadores). Dicionário de cristianismo e ciência: obra de referência definitiva para a interseção entre fé cristã e ciência contemporânea. (tradução Paulo Sartor Jr). 1. ed. - Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018.

*      Próximos textos:

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 3 - O Menino e o Adolescente Darwin – Inclusive na Escola

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 4 - Darwin na Universidade de Medicina

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 5 - A Influência que Marcou Charles Darwin até a Formulação da Teoria da Evolução

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 6 - O Verdadeiro Motivo de Darwin Ter Ido Estudar Artes (Teologia)

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 7 - Darwin, O Erudito “Exemplar” no Curso de Artes (Teologia)

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 8 - Darwin e a Igreja Anglicana – contexto político

ü  A Teoria da Evolução sob Escrutínio - Parte 9 - Darwin Seguindo Para o Encerramento do Curso