Parte 1 – Definindo o Ateísmo e os fundamentos da “crença” ateísta
Por Walson Sales
Refletir sobre o ateísmo como cosmovisão é uma tarefa desafiadora, mas absolutamente necessária em uma era marcada pelo ceticismo, pelo relativismo e pelo avanço de correntes filosóficas que negam a centralidade de Deus na explicação da realidade. Este artigo tem por objetivo analisar, com rigor filosófico e apologético, os fundamentos do ateísmo contemporâneo, tomando como base o texto de David R. C. Deane no capítulo “O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial?”, presente na obra Guia Geral da Apologética Cristã, organizada por Joseph M. Holden.
Tenho a honra de abordar esse tema após escrever três livros diretamente voltados ao estudo crítico do ateísmo e dois outros que lidam com implicações profundas da visão de mundo ateísta. As obras Ateísmo: Respostas às Objeções à Veracidade do Cristianismo (Editora Beréia), A existência de Deus e os ateus: uma apologética com diálogo* (Editora Fasa) e A visão de mundo ateísta (Fasa), somadas aos dois volumes de Apologética para Hoje (Amazon KDP), fornecem um pano de fundo sólido que sustenta a abordagem crítica e embasada que será apresentada neste texto.
Como toda cosmovisão, o ateísmo tenta responder a, pelo menos, onze aspectos fundamentais da realidade: Deus, metafísica, ética, epistemologia, antropologia, história, origem, identidade, propósito, moralidade e destino. As seis primeiras áreas são destacadas por Ronald H. Nash em sua clássica obra Questões Últimas da Vida: Uma Introdução à Filosofia, enquanto os cinco últimos aspectos são sistematizados por Frank Turek e Norman Geisler em Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu, livros, portanto, que recomendo veementemente.
1. A história complexa do ateísmo e suas metamorfoses conceituais
David R. C. Deane inicia sua análise com uma observação precisa e pertinente: o ateísmo não é um conceito fixo e estático, mas sim uma ideia que sofreu diversas alterações ao longo do tempo. Na Antiguidade e na Idade Média, o termo era frequentemente utilizado como acusação, não como identidade. Sócrates, por exemplo, foi condenado por “ateísmo”, embora sua “culpa” estivesse relacionada à recusa em adorar os deuses do panteão grego. Curiosamente, os primeiros cristãos também foram chamados de “ateus” pelos romanos por se recusarem a reverenciar os múltiplos deuses da religião oficial do império.
A modernidade, com sua ruptura epistemológica e seu entusiasmo pela razão e pela ciência, foi o solo fértil para o crescimento do ateísmo como cosmovisão. Entre os séculos XV e XVII, as revoluções científicas, filosóficas e sociais criaram um ambiente em que o ateísmo deixou de ser meramente uma acusação ou marginalidade intelectual e se tornou um sistema articulado de negação de Deus.
Essa transformação levou o ateísmo a adquirir força como um sistema filosófico que se sustenta na negação das realidades transcendentais. Deane aponta que o ateísmo moderno não surgiu isoladamente, mas como resultado da convergência de diversas filosofias naturalistas e humanistas. Essa convergência criou uma base ideológica comum: o naturalismo secular, que considera a natureza como o fato último e único.
2. A definição de ateísmo e a necessidade de coerência conceitual
Deane adota a definição de ateísmo proposta por Stephen Bullivant e Lois Lee no *Oxford Dictionary of Atheism* (2016), que compreende o ateísmo como “uma crença na inexistência de um Deus ou deuses, ou (mais amplamente) na ausência de crença em sua existência.” O autor restringe sua análise ao primeiro sentido: a crença na inexistência de Deus, especificamente no contexto do teísmo cristão.
O ponto é fundamental. O ateísmo não pode se esconder sob a indefinição conceitual. Para ser tratado como uma cosmovisão, ele precisa oferecer respostas, sustentar afirmações e arcar com o ônus da prova. Como Phillip Johnson expressa de forma contundente:
> “Aquele que nega um conjunto específico de crenças é, na verdade, um crente em um outro conjunto específico de crenças.”
Essa frase ilustra uma realidade que muitos ateus modernos procuram evitar: negar Deus é assumir uma posição metafísica alternativa. O ateísmo não é neutro, mas está comprometido com uma determinada visão da realidade – geralmente naturalista, materialista e imanente. Como tal, precisa ser tratado com o mesmo rigor crítico que qualquer outra cosmovisão.
3. A crença ateísta como construção racional e suas bases frágeis
Deane destaca que a crença, para ser considerada conhecimento, precisa ser uma "crença verdadeira justificada", conceito já presente na epistemologia de Platão. Assim, a questão não é apenas o que o ateu crê, mas com que fundamento ele crê. E aqui se revela uma fragilidade estrutural do ateísmo: sua base epistêmica repousa sobre a negação de uma realidade que, por definição, ele não pode provar inexistente.
Como Austin Farrer observa, a disputa entre o crente e o ateu não é sobre o sentido de buscar um “fato final”, mas sobre qual fato final se sustenta: para o teísta, esse fato é Deus; para o ateu, é o universo. Trata-se, portanto, de uma disputa entre dois fundamentos ontológicos distintos. E o ônus de justificar a ausência de Deus repousa igualmente sobre quem afirma sua inexistência, mesmo que muitos ateus tentem escapar disso com jogos semânticos.
4. Agnosticismo disfarçado: uma fuga do ônus da prova
Muitos ateus, confrontados com o ônus da prova, recuam para o agnosticismo, alegando não ter certeza da inexistência de Deus, mas apenas uma ausência de crença. Contudo, essa posição é, muitas vezes, uma camuflagem conceitual. Como Deane observa, há uma diferença lógica entre dizer “não acredito que Deus exista” e “acredito que Deus não existe”. O primeiro é uma posição de dúvida; o segundo é uma afirmação positiva e exige justificação racional.
A tentativa de redefinir o ateísmo como “mera ausência de crença” é um recurso conveniente para escapar da responsabilidade argumentativa. Contudo, se o ateísmo quiser ser levado a sério como cosmovisão (e não como uma identidade meramente negativa ou social), ele precisa se comprometer com argumentos robustos e responder às grandes questões da vida.
5. O ateísmo como cosmovisão: respostas insuficientes às questões fundamentais
Toda cosmovisão precisa oferecer respostas plausíveis às 11 questões mencionadas anteriormente. Quando analisamos o ateísmo à luz dessas categorias, vemos que ele fracassa em fornecer uma estrutura coerente e abrangente:
- Deus: nega Sua existência sem justificativa conclusiva.
- Metafísica: reduz tudo à matéria, eliminando o transcendente.
- Ética: não oferece fundamento objetivo para valores morais universais.
- Epistemologia: depende de processos mentais supostamente racionais, sem explicar a origem da razão em um universo irracional.
- Antropologia: reduz o ser humano a um animal avançado, negando dignidade intrínseca.
- História: vê os eventos como aleatórios, sem propósito final.
- Origem: propõe explicações naturalistas frágeis e especulativas.
- Identidade: não fornece base sólida para o “eu” consciente e pessoal.
- Propósito: afirma que a vida não tem propósito objetivo.
- Moralidade: adota relativismo moral ou utilitarismo, ambos instáveis.
- Destino: oferece apenas o niilismo como destino final.
Conclusão
O ateísmo, longe de ser uma posição neutra ou meramente cética, é uma cosmovisão com pressupostos bem definidos e implicações profundas. Como toda visão de mundo, ele busca responder às grandes perguntas da existência, mas o faz com bases epistemológicas e ontológicas frágeis. Sua tentativa de escapar do ônus da prova por meio de redefinições e recuos ao agnosticismo revela uma postura mais ideológica do que racional.
David R. C. Deane, com precisão e equilíbrio, desmascara as ambiguidades conceituais do ateísmo contemporâneo, oferecendo ao leitor cristão um mapa para compreender, criticar e responder a essa cosmovisão de forma sólida. Ao publicar este artigo, desejo não apenas divulgar os conteúdos valiosos do texto de Deane, mas também reforçar a necessidade de treinarmos a nova geração com argumentos racionais, lógicos e fundamentados na verdade da fé cristã.
Este artigo é apenas a primeira parte de uma série de três artigos que se dedicará a demonstrar as fraquezas lógicas, morais e existenciais do ateísmo, fortalecendo a apologética cristã em tempos de batalha intelectual intensa.
Bibliografia utilizada e sugerida:
- DEANE, David R. C. O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.
- JOHNSON, Phillip. Reason in the Balance: The Case Against Naturalism in Science, Law and Education. InterVarsity Press, 1995.
- NASH, Ronald H. Questões Últimas da Vida: Uma Introdução à Filosofia. Cultura Cristã, 2007.
- TUREK, Frank; GEISLER, Norman L. Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu. Vida, 2014.
- CRAIG, William Lane. Em Guarda: Defenda a Fé Cristã com Razão e Precisão. Vida Nova, 2011.
- SALES, Walson. Ateísmo: Respostas às Objeções à Veracidade do Cristianismo. Editora Beréia.
- SALES, Walson. A Existência de Deus e os Ateus: uma Apologética com Diálogo. Editora Fasa.
- SALES, Walson. A Visão de Mundo Ateísta. Editora Fasa.
- SALES, Walson. Apologética para Hoje: Respostas Racionais para Fortalecer a Fé em Tempos de Batalha Intelectual, Volumes 1 e 2. Amazon KDP.
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