domingo, 7 de dezembro de 2025

Série Cosmovisões: Definindo o Cientificismo e demonstrando suas fraquezas

Parte 3 - Metafísica, Teologia, Filosofia e Cientificismo: uma comparação

Por Walson Sales

Vivemos em uma  Série Cosmovisões: Definindo o Cientificismo e demonstrando suas fraquezas marcada por um fascínio quase reverencial pela ciência. Descobertas científicas, inovações tecnológicas e avanços médicos são amplamente celebrados — com razão. No entanto, esse entusiasmo desmedido tem dado origem a uma postura epistemológica questionável: o cientificismo. Este, ao contrário da ciência legítima, é uma visão de mundo que sustenta que apenas a ciência pode fornecer conhecimento verdadeiro sobre a realidade. Essa tese, além de epistemicamente reducionista, é autocontraditória. Neste artigo, com base na obra de Douglas E. Potter, presente no Guia Geral da Apologética Cristã, editado por Joseph M. Holden, propomos uma comparação entre o cientificismo e os campos da metafísica, filosofia e teologia, a fim de evidenciar a insuficiência do cientificismo como única via para a verdade.

A Metafísica como Fundamento Epistemológico

Douglas E. Potter inicia seu argumento destacando que nada demonstrou que a metafísica, enquanto ramo fundamental da filosofia, seja impossível ou inválida. Pelo contrário, a metafísica é o mais fundamental de todos os estudos, pois trata do ser enquanto ser — ou seja, da realidade em sua totalidade, não fragmentada em aspectos físicos ou mensuráveis, mas considerada em sua essência. Enquanto disciplinas como a física, a biologia e a química estudam aspectos específicos da realidade (o movimento, a vida, a matéria, respectivamente), a metafísica investiga o próprio fato de algo existir.

Potter argumenta que é um erro epistemológico forçar a metodologia das ciências empíricas sobre a metafísica. Cada disciplina requer um método apropriado ao seu objeto de estudo. Portanto, exigir experimentação e observação empírica da metafísica é o mesmo que exigir provas laboratoriais para princípios lógicos — o que é, por definição, uma falácia de categoria.

Princípios Primordiais: A Base da Racionalidade

Um dos méritos centrais da metafísica é seu compromisso com princípios primordiais inegáveis. Potter dá o exemplo da afirmação “algo existe”. Essa proposição é absolutamente inegável, pois mesmo sua negação exige a existência de um sujeito que a enuncie — revelando, assim, o caráter autodestrutivo de sua refutação. Esses princípios não apenas sustentam a metafísica, mas também fornecem os fundamentos lógicos para qualquer outro campo de conhecimento, inclusive a própria ciência.

Assim, a metafísica é anterior e superior à ciência, no sentido de que fornece o solo sobre o qual o empreendimento científico se ergue. Princípios como o da identidade, da não-contradição e do terceiro excluído não são descobertos pela ciência, mas pressupostos por ela. A ciência não existe sem esses pressupostos que não podem ser provados pelo método científico. Portanto, o cientificismo, ao recusar validade a qualquer forma de conhecimento não científico, atira contra os próprios alicerces sobre os quais a ciência repousa.

Teologia e Filosofia como Conhecimento Válido

Na sequência, Potter demonstra que a teologia e a filosofia — como campos não científicos — também podem produzir conhecimento verdadeiro e racional. Argumentos sólidos e válidos para a existência de Deus, como os formulados por Tomás de Aquino, Leibniz e William Lane Craig, não se baseiam na metodologia científica, mas em raciocínios lógicos que partem de evidências metafísicas, epistemológicas e morais.

O teísmo cristão, por exemplo, fornece uma cosmovisão abrangente dentro da qual os dados científicos podem ser interpretados coerentemente. A filosofia da religião, por sua vez, analisa os pressupostos racionais por trás das crenças religiosas, incluindo o conceito de Deus, a possibilidade de milagres, a existência da alma e a imortalidade. Essas áreas do conhecimento operam por métodos apropriados aos seus objetos de investigação, sem necessidade de se submeter à empiria científica.

Além disso, o próprio cientista, ao interpretar os dados, adota uma cosmovisão — teísta, naturalista ou outra. Isso evidencia que a neutralidade científica é um mito. Toda interpretação parte de pressupostos pré-teóricos que escapam ao escopo da ciência empírica e se situam no campo da filosofia e da teologia.

A Inconsistência Epistemológica do Cientificismo

O cientificismo, conforme definido por Potter, é a crença de que apenas a ciência pode nos fornecer conhecimento verdadeiro sobre a realidade. Essa postura é amplamente difundida em nossa cultura, especialmente em virtude da ênfase social nos avanços tecnológicos. No entanto, essa visão sofre de um vício fatal: ela é autodestrutiva. A proposição “somente a ciência pode fornecer verdade” não é, ela mesma, uma proposição científica. Não pode ser testada em laboratório, nem falsificada por experimentos. Trata-se, portanto, de uma afirmação filosófica — o que implica que o cientificismo contradiz sua própria tese.

Além disso, o cientificismo ignora que a própria ciência repousa sobre pressupostos filosóficos e metafísicos. A existência de um mundo externo, a confiabilidade dos sentidos, a uniformidade da natureza, a validade do raciocínio lógico — todas essas são premissas que a ciência assume sem poder demonstrá-las por meios científicos.

Consequências Culturais e Acadêmicas do Cientificismo

A adoção acrítica do cientificismo tem gerado efeitos colaterais deletérios na cultura contemporânea. Em nome de uma suposta objetividade científica, exclui-se o discurso teológico e filosófico do espaço público e acadêmico. Isso empobrece o debate, limita as possibilidades de investigação da verdade e marginaliza tradições intelectuais milenares.

Como advertiu C. S. Lewis, em A Abolição do Homem, quando reduzimos todo conhecimento ao que pode ser quantificado, perdemos a capacidade de perceber valores objetivos, verdades morais e significados transcendentais. A ciência pode nos dizer como funciona o universo, mas não pode nos dizer por que ele existe, nem qual o propósito da vida humana. Para essas perguntas, precisamos da teologia, da filosofia e da metafísica.

Conclusão

O cientificismo, embora influente, é epistemicamente insustentável. Não apenas se autocontradiz, mas também se mostra incapaz de fornecer uma visão completa da realidade. A metafísica, a teologia e a filosofia oferecem formas legítimas de conhecimento, cada uma com sua metodologia própria, voltada a aspectos da realidade que a ciência, por suas limitações constitutivas, não pode alcançar.

É necessário, portanto, reconhecer os limites da ciência e valorizar o papel das outras disciplinas no processo de busca da verdade. A cosmovisão cristã, ancorada em princípios metafísicos sólidos e em uma teologia bem fundamentada, não apenas resiste às investidas do cientificismo, mas oferece um terreno mais firme e abrangente para o conhecimento humano.

Bibliografia utilizada e sugerida

CRAIG, William Lane. God Over All: Divine Aseity and the Challenge of Platonism. Oxford: Oxford University Press, 2016.

LEWIS, C. S. A Abolição do Homem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

POTTER, Douglas E. O que é o Cientificismo e qual é sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

PLANTINGA, Alvin. Where the Conflict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism. Oxford: Oxford University Press, 2011.

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