sábado, 13 de dezembro de 2025

Série Cosmovisões: Definindo o Panteísmo – Parte 2 – Os Tentáculos do Panteísmo

Uma visão abrangente e uma resposta apologética vigorosa à cosmovisão panteísta

Por Walson Sales

O panteísmo está longe de ser uma filosofia marginal. Ele perpassa grande parte das religiões orientais, influencia profundamente movimentos espirituais contemporâneos, invade a cultura popular por meio do cinema, da literatura e das práticas de bem-estar, e molda a mentalidade de milhões ao redor do mundo. Na Parte 1 desta série, abordamos a definição essencial do panteísmo e seu fascínio atual. Nesta Parte 2, aprofundaremos suas principais crenças e faremos uma análise apologética crítica e robusta à luz da cosmovisão cristã.

Baseando-se no texto de Patrick Zukeran, presente na obra Guia Geral da Apologética Cristã, editada por Joseph M. Holden, este artigo apresenta os pilares da visão de mundo panteísta e propõe uma resposta teísta-cristã lógica, ética e teologicamente coerente.

1. A Natureza do Universo: Tudo é Deus

O panteísmo entende que o universo não foi criado ex nihilo (do nada), como ensina o teísmo bíblico, mas que ele emana de Deus (ex deo), como uma teia da aranha que se estende de seu próprio corpo. Deus é a única e verdadeira realidade, e o universo é uma extensão ou manifestação dessa realidade divina. Os Upanixades afirmam:  

> “Tudo neste mundo efêmero pertence ao Senhor, porque todo o universo saiu dele. Ele permeia tudo no universo.”

O panteísmo absoluto, especialmente no budismo, interpreta o universo físico como *maya*, isto é, ilusão. Tudo o que muda é ilusório; a verdadeira realidade é permanente, transcendente e impessoal. Em contraste, o teísmo cristão afirma que Deus criou o universo como algo real, bom, distinto de si mesmo e dotado de sentido e propósito. Deus é o Criador, e o cosmos é sua criação, não sua extensão.

Resposta apologética:

A negação da realidade do mundo físico conduz ao colapso do conhecimento empírico e do senso comum. Se tudo o que percebemos é ilusão, como confiar em qualquer percepção da realidade, inclusive na ideia de que tudo é ilusão? A visão bíblica é epistemicamente mais robusta: ela afirma a realidade do mundo físico e fornece uma base confiável para a ciência, a moralidade e o valor da vida.

2. A Natureza do Homem: O Eu é Ilusão

O panteísmo afirma que o indivíduo humano, o atman, é idêntico ao Brahma. Não existe um “eu” pessoal real, mas apenas um princípio impessoal que precisa ser reconhecido como parte do todo. A expressão hindu "Atman é Brahma" resume essa concepção. O verdadeiro “eu” é impessoal, e a individualidade é vista como ignorância espiritual.

Segundo os Upanixades:

> “Quando um homem se identifica com seu corpo, com todas as suas limitações, então ele é uma criatura minúscula [...]. Quando ele se identifica com seu eu interior, o Atman, que é ilimitado, imortal e feliz, ele alcança a divindade nesta mesma vida.”

Resposta apologética:

Se a individualidade é mera ilusão, desaparece a base para o valor intrínseco da pessoa, a liberdade moral e a responsabilidade ética. A visão cristã, ao contrário, reconhece o ser humano como criatura única, feita à imagem de Deus, dotada de valor, dignidade e individualidade. O cristianismo promove uma ontologia pessoal, na qual o indivíduo tem identidade real e é chamado a um relacionamento pessoal com Deus.

3. Destino Humano: O Ciclo da Reencarnação

No panteísmo, o ser humano está preso ao ciclo do samsara, o ciclo de renascimentos, governado pela lei do carma. As ações realizadas nesta vida — boas ou más — determinam o estado da existência futura. A alma (*atman*) vagueia, reencarnando sucessivamente até alcançar a iluminação que põe fim ao ciclo e absorve o ser no divino.

Resposta apologética:  

A doutrina da reencarnação contradiz a realidade da justiça. Se a dor e a miséria são resultados de más ações em vidas passadas, isso legitima a indiferença diante do sofrimento e perpetua sistemas opressivos. A doutrina bíblica ensina que o ser humano morre uma só vez e, em seguida, enfrenta o juízo (Hb 9.27). O destino eterno é decidido nesta vida e depende da resposta ao chamado de Deus. O cristianismo oferece esperança real, pessoal e redentora, baseada na graça e não no esforço humano.

4. Salvação: Iluminação ou Graça?

No panteísmo, o problema do ser humano é a ignorância de sua identidade divina. A salvação ocorre quando se alcança a iluminação, isto é, o reconhecimento de que o eu é um com o absoluto. Essa salvação é fruto de esforço próprio, de práticas espirituais e ascéticas que buscam a união com o divino.

O estudioso Shyam Shukla afirma:

> “O homem, ao se identificar com seu corpo, é fraco e mortal; ao se identificar com o Atman, alcança a divindade.”

Resposta apologética:

A salvação, segundo o cristianismo, não é alcançada por esforço humano, mas é um dom de Deus, oferecido por meio de Jesus Cristo. O Salvador pagou o preço da redenção humana por sua morte na cruz. A ideia panteísta de que o eu se salva a si mesmo é incoerente com a constatação universal da incapacidade humana de atingir perfeição. Somente o Evangelho oferece uma salvação realista e graciosa.

5. Pluralismo Religioso: Todos os Caminhos Levam a Deus?

O panteísmo sustenta que, já que tudo é um, todas as religiões são manifestações legítimas do mesmo absoluto. O pluralismo é, portanto, consequência lógica. Jesus é visto apenas como um mestre iluminado entre outros, um caminho entre muitos.

Resposta apologética:

A afirmação de que todas as religiões são iguais contradiz as próprias religiões, que fazem reivindicações mutuamente exclusivas. O cristianismo afirma que Jesus é o único caminho, verdade e vida (Jo 14.6). Ou ele é quem disse ser — o Filho de Deus, único mediador entre Deus e os homens — ou foi um impostor ou iludido. O pluralismo dissolve a verdade em nome da tolerância e resulta numa incoerência lógica.

6. Ética: Além do Bem e do Mal?

Embora as tradições panteístas exortem uma vida moral, afirmam que a moralidade é apenas uma etapa no caminho para a iluminação. Uma vez iluminado, o indivíduo transcende o bem e o mal. A Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion explica:

> “Deus está além do bem e do mal, e o homem deve transcendê-los como Deus. A realidade última está além do bem e do mal [...] o bem e o mal são uma ilusão.”

Resposta apologética:

A negação de absolutos morais implica que nenhuma ação pode ser objetivamente errada. Isso anula qualquer base firme para a justiça, os direitos humanos e a condenação de práticas perversas. O teísmo cristão oferece uma base objetiva para a moralidade: Deus é o Legislador Moral, e seu caráter é o padrão do bem. A lei de Deus é refletida na consciência humana e revelada nas Escrituras (Rm 2.14–15).

Conclusão

O panteísmo oferece uma cosmovisão sedutora por sua aparente profundidade espiritual, unidade com o universo e promessa de iluminação. Contudo, sua proposta dissolve a realidade, despersonaliza o ser humano, anula a moralidade e oferece uma salvação impossível por esforço próprio.

A apologética cristã precisa responder com firmeza e compaixão. A visão teísta bíblica afirma um Deus pessoal, criador e distinto do universo, que valoriza cada indivíduo, revela a verdade, estabelece padrões morais e oferece salvação por meio de um relacionamento com Jesus Cristo.

Conforme expressa Norman Geisler:

> “A verdade não pode ser todas as coisas para todas as pessoas ao mesmo tempo. O panteísmo, em sua essência, nega a diferença entre verdade e erro — e, ao fazê-lo, contradiz a própria razão.”

O cristianismo, ao contrário, é uma fé racional, relacional e redentora. A resposta ao panteísmo está na verdade do Deus pessoal e gracioso revelado nas Escrituras.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- ZUKERAN, Patrick. O que é o Panteísmo e qual é a sua falha essencial? In: HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

- SIRE, James W. The Universe Next Door: A Basic Worldview Catalog. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2009.  

- GEISLER, Norman L; WATKINS , William D; Worlds Apart: A Handbook on World Views. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1989. 

- SHUKLA, Shyam. The Upanishads: An Introduction. New Delhi: Oriental Books, 1992. 

- SCHUMAKER, Stephan; WOERNER, Gert (eds). The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion. Boston: Shambhala, 1994.  

- The Upanishads. Tradução de Swami Prabhavananda e Frederick Manchester. Nova York: Penguin Classics, 2007.

Série Cosmovisões: Definindo o Panteísmo

Parte 1 - Panteísmo, uma crença que rege o mundo pagão

Por Walson Sales

Ao longo da história da humanidade, diversas cosmovisões surgiram para tentar responder às grandes questões da existência: Quem somos? De onde viemos? Qual é o sentido da vida? Para onde vamos? Entre essas cosmovisões, destaca-se o *panteísmo*, um sistema de crença milenar que permanece vigoroso no cenário contemporâneo, especialmente através da influência de religiões orientais, movimentos espirituais da Nova Era e da cultura popular ocidental.

Neste artigo — o primeiro de uma série dedicada à análise crítica do panteísmo — faremos uma exposição de sua definição essencial e de seus desdobramentos filosóficos e religiosos, baseando-nos principalmente no texto de Patrick Zukeran, no capítulo "O que é o Panteísmo e qual é a sua falha essencial?", incluído no Guia Geral da Apologética Cristã editado por Joseph M. Holden. Faremos uso também de outras obras como The Universe Next Door de James Sire, a Baker Encyclopedia of Christian Apologetics de Norman Geisler, e a The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion.

1. A presença do panteísmo nas religiões e na cultura moderna

O panteísmo constitui o alicerce de várias tradições religiosas do Oriente, incluindo o hinduísmo, o taoísmo e diversas formas de budismo, além de ter influência direta sobre a Ciência Cristã, a Igreja da Unificação e os sistemas de crença da Nova Era. Com sua ênfase na unidade entre o ser humano, a natureza e o cosmos, o panteísmo apresenta um apelo espiritual e estético que, em tempos recentes, tem sido amplamente difundido por meio da cultura pop.

Filmes como Star Wars e Avatar são exemplos paradigmáticos dessa estética e teologia panteísta. O conceito da "Força" em Star Wars, por exemplo, reflete claramente a ideia de uma energia cósmica impessoal que perpassa todos os seres, semelhante ao conceito hindu de Brahma. Em Avatar, a conexão mística entre todos os seres vivos e a natureza — em especial com a entidade de Eywa — comunica a mesma visão espiritual cósmica de totalidade e unidade.

Além disso, práticas populares como ioga, meditação transcendental, acupuntura, tai chi e outras expressões místicas orientais promovem o panteísmo como uma filosofia de equilíbrio, saúde e conexão com a "energia do universo". Esse movimento ganhou força nos círculos ambientalistas, que frequentemente promovem a ideia de que "somos um com a natureza", o que, embora nobre em termos de conservação ambiental, traz consigo uma cosmovisão metafísica incompatível com o teísmo cristão.

2. A definição essencial do panteísmo

Etimologicamente, o termo panteísmo vem da junção de dois termos gregos: pan (“tudo”) e theos (“Deus”). Portanto, significa literalmente: "Tudo é Deus" ou "Deus é tudo". Essa ideia implica a identidade entre Deus e o universo. Ou seja, não há distinção entre Criador e criação. Deus não é um ser pessoal que transcende o universo, como ensina o teísmo cristão, mas uma força impessoal e imanente que permeia tudo o que existe.

James Sire define o panteísmo da seguinte forma:

> “Deus é a realidade única, infinitamente impessoal e suprema. Ou seja, Deus é o cosmos. Deus é tudo o que existe; não existe nada que não seja Deus” (SIRE, The Universe Next Door).

Esse conceito implica que tudo — árvores, animais, pedras, seres humanos e até mesmo pensamentos — são expressões ou manifestações de Deus. Não há separação entre o divino e o mundo material. A multiplicidade das coisas que percebemos é, para o panteísta, uma ilusão de separação.

3. Deus como força impessoal: a negação da pessoalidade divina

Uma das características centrais do panteísmo é a negação da pessoalidade de Deus. Deus não é um ser consciente, intencional, com vontade e moralidade, mas uma realidade indiferenciada, impessoal, que não pensa, sente ou age com propósito moral.

Segundo a Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, de Norman Geisler:

> “Personalidade, consciência e intelecto são características das manifestações inferiores de Deus, mas não devem ser confundidas com Deus em seu ser essencial.”

Dessa forma, seres humanos ou deuses menores, como os avatares no hinduísmo, podem expressar traços de personalidade, mas esses traços não pertencem à realidade última, que é impessoal. Assim, a experiência de “Deus pessoal” no panteísmo é apenas uma manifestação limitada de algo que, em sua essência, não é nem pessoal nem relacional.

4. Brahma: o conceito impessoal do divino no hinduísmo

O conceito de Brahma, no hinduísmo, é uma ilustração clara da divindade impessoal panteísta. De acordo com a The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion:

> “Brahma é um conceito abstrato que não é acessível à mente pensante [...]. Brahma é um estado de pura transcendência que não pode ser apreendido pelo pensamento ou pela fala.”

Essa citação revela a crença de que Deus está além de qualquer forma de linguagem ou entendimento racional. Essa incompreensibilidade absoluta de Brahma o torna inalcançável e impessoal. Isso contrasta profundamente com o Deus cristão, que se revela pessoalmente* e *racionalmente compreensível, mesmo que em parte, por meio da criação, da consciência humana, da Palavra escrita e, culminantemente, por meio de Jesus Cristo.

5. O apelo do panteísmo e os perigos apologéticos

O apelo do panteísmo está na sua ênfase na unidade de todas as coisas, no sentimento de conexão com o cosmos, e na fuga da distinção entre bem e mal como entidades absolutas. Essa mentalidade é sedutora em um mundo pluralista e subjetivista, pois oferece uma espiritualidade sem culpa, sem juízo, e sem compromisso moral objetivo.

Contudo, apologeticamente, o panteísmo minimiza a realidade da experiência humana, pois nega distinções fundamentais como sujeito/objeto, certo/errado, criador/criatura. Ao ensinar que tudo é um — e que toda distinção é ilusão — o panteísmo entra em colisão com a lógica e com a experiência real do mundo.

Se tudo é um e tudo é Deus, então o mal também é Deus. Isso anula qualquer base moral objetiva. Se o sofrimento é ilusão, como propõem muitos panteístas, o sofrimento das vítimas de violência ou injustiça se torna uma percepção ilusória, não uma realidade a ser enfrentada e reparada.

Conclusão: O panteísmo diante da verdade revelada

Nesta primeira parte de nossa série, ficou evidente que o panteísmo é uma cosmovisão religiosa e filosófica profundamente influente, antiga e contemporânea, com forte apelo emocional e espiritual, especialmente em tempos de confusão moral e existencial.

Entretanto, sua proposta central — a identificação entre Deus e o universo — anula a pessoalidade divina, relativiza a moralidade e dissolve as distinções fundamentais que estruturam a realidade e o pensamento racional. O panteísmo não oferece uma base adequada para a dignidade humana, a moralidade objetiva ou a esperança escatológica.

A Bíblia apresenta um Deus pessoal, criador, distinto da criação, mas profundamente envolvido com ela. Um Deus que é *Pai*, que se revela, que ama, que julga, que salva. E isso é absolutamente oposto à força impessoal e silenciosa do panteísmo.

Na próxima parte, examinaremos as principais falhas lógicas e filosóficas do panteísmo, com base no mesmo autor e em fontes adicionais.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- SIRE, James W. The Universe Next Door: A Basic Worldview Catalog. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2009.

- GEISLER, Norman L. Baker Encyclopedia of Christian Apologetics. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999.

- SCHUMAKER, Stephan; GERT, Werner (Eds). The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion. Boston: Shambhala, 1994.

- ZUKERAN, Patrick. O que é o Panteísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Série Cosmovisões: Definindo o Ateísmo e Demonstrando Suas Fraquezas

Parte 2 – Falhas Racionais e Efeitos Devastadores do Ateísmo

Por Walson Sales

O ateísmo contemporâneo, apesar de seu apelo popular entre setores acadêmicos e culturais, permanece, em sua essência, uma negação. Ele se propõe a negar a existência de Deus, rejeitar a metafísica cristã e a substituir os fundamentos teístas da racionalidade e da moralidade por uma base naturalista. No entanto, conforme demonstrado por David R. C. Deane no capítulo “O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial?” do Guia Geral da Apologética Cristã, essa negação se sustenta sobre alicerces frágeis e autorrefutáveis. Deane nos conduz a uma análise minuciosa da inconsistência interna do ateísmo e dos efeitos corrosivos que sua lógica impõe à razão, à ciência, à moral e à própria existência humana.

Neste artigo, pretendemos explorar e ampliar os argumentos de Deane, demonstrando que o ateísmo não apenas falha racionalmente, mas carrega consigo consequências devastadoras para a cosmovisão humana. Também argumentaremos que a razão e a fé cristã não são inimigas; ao contrário, a razão encontra sua justificação última no teísmo, enquanto o ateísmo não oferece base racional para o conhecimento, uma vez que não consegue justificar sua própria crença fundamental: a negação de Deus. Por fim, indicaremos o caminho para a Parte 3 desta série, na qual compararemos o ateísmo com o teísmo, destacando a superioridade racional, moral e existencial da visão cristã de mundo.

1. A ausência de provas e a carga da argumentação

David R. C. Deane inicia sua análise com uma indagação provocadora: se não há provas positivas da inexistência de Deus, que razões há para se crer que Ele não existe? O argumento ateísta muitas vezes se limita a afirmar que não há boas razões para acreditar em Deus. Contudo, essa posição é duplamente problemática. Primeiro, porque ela exige uma definição de “bom” — o que, por si só, pressupõe um padrão moral ou racional objetivo que o ateísmo não consegue justificar. Segundo, porque ela ignora o fato histórico incontornável de que nunca houve uma sociedade humana sem alguma forma de transcendência ou senso do divino.

Essa universalidade da experiência religiosa humana aponta para uma inclinação natural do ser humano a reconhecer uma realidade que transcende a matéria. Como G. K. Chesterton afirmou com ironia penetrante: “Se não houvesse Deus, não haveria ateus.” O próprio conceito de “ateísmo” só faz sentido se houver algo a ser negado. Assim, o ateísmo já começa seu projeto com uma contradição: ele só pode negar Deus porque, paradoxalmente, deve primeiro assumir uma noção do que está negando.

2. A circularidade irracional do ateísmo

Ao recusar a existência de Deus, o ateísmo se vê forçado a redefinir todos os critérios da razão à luz de uma natureza fechada e materialista. De acordo com Deane, a crença ateísta é anterior e independente de quaisquer razões para a crença de que Deus não existe. Isso equivale a afirmar que o ateísmo é mais uma disposição existencial ou ideológica do que uma conclusão racional.

Essa circularidade se evidencia na crítica de Chesterton: “Se eu disser que um camponês viu um fantasma, eles me dizem que os camponeses são muito crédulos. Se eu perguntar por que são crédulos, a única resposta é que eles veem fantasmas.” Aplicado ao ateísmo, o raciocínio seria: “A crença em Deus é irracional porque não há Deus; e sabemos que não há Deus porque é irracional acreditar nele.” Trata-se de um círculo vicioso que mina a própria razão ateísta e desacredita qualquer juízo que venha dela. Como brinca o cientista e apologeta John Lennox: “Ele não atira apenas no próprio pé, o que é doloroso; ele atira no próprio cérebro, o que é fatal.”

3. As caricaturas do divino e os ídolos da razão naturalista

Livros populares como Deus, um delírio (Richard Dawkins), Deus não é grande (Christopher Hitchens), God: The Failed Hypothesis (Victor Stenger) e outros, apesar de sua retórica poderosa, criticam um deus que o Cristianismo nunca afirmou existir. Criam-se caricaturas de divindades semelhantes a Zeus, Odin ou até ao “Monstro do Espaguete Voador” para, então, ridicularizar a ideia de Deus. No entanto, o Deus cristão não é um ente entre outros entes, uma criatura poderosa ou uma invenção folclórica. Ele é o próprio fundamento do ser, a fonte de toda realidade contingente. Como ensina o Êxodo: “Eu Sou o que Sou” (Ex 3.14).

Ao perguntar “Quem criou o Criador?”, os críticos revelam que ainda operam dentro de um paradigma naturalista. A questão só faz sentido se Deus for uma entidade criada, sujeita ao tempo e espaço. Mas o Deus bíblico é eterno, atemporal, imaterial — não pode ser colocado em um tubo de ensaio ou limitado pelas leis da física que Ele mesmo instituiu.

4. O ateísmo como escravidão da razão ao naturalismo

O compromisso ateísta com a inexistência de Deus força o ateu a submeter toda a razão ao domínio da natureza. Isso significa que todas as explicações devem vir exclusivamente da física, da química ou da biologia — e qualquer noção de propósito, moralidade objetiva ou transcendência é descartada como “ilusória”.

Contudo, esse reducionismo gera consequências dramáticas. Se todos os nossos pensamentos são apenas o produto de reações químicas determinadas, então não há espaço para livre-arbítrio, verdade objetiva ou mesmo confiança racional. Como C. S. Lewis advertiu em Milagres: “Se minha mente é apenas o produto de causas irracionais, então não posso confiar na validade de nenhuma de minhas crenças, incluindo o naturalismo.” Em outras palavras, o ateísmo implode a própria base da racionalidade que pretende preservar.

5. Efeitos devastadores: moralidade, dignidade e sentido

Se Deus não existe, tudo é permitido — essa máxima, atribuída a Dostoiévski, resume bem o dilema moral do ateísmo. Sem um referencial transcendente, a moral se torna subjetiva, relativa, produto de preferências culturais ou impulsos evolucionários. A dignidade humana é reduzida à biologia, e o sentido da vida desaparece no abismo do niilismo.

Deane identifica esse efeito como corrosivo, pois não afeta apenas as ideias, mas toda a vida humana. Quando a cultura adota o ateísmo como fundação, ela perde o solo firme da verdade, da justiça, da esperança. A história dos regimes totalitários do século XX, muitos dos quais fundados sobre uma cosmovisão ateísta (como o comunismo soviético), demonstra o poder destrutivo de sistemas que negam o transcendente.

6. Fé e razão: aliadas no conhecimento

Um dos enganos mais persistentes é a falsa dicotomia entre fé e razão. No entanto, como apontam filósofos cristãos como Alvin Plantinga e William Lane Craig, todo conhecimento envolve crença justificada. A razão não é um substituto da fé, mas seu instrumento. O cristianismo oferece as bases para o uso confiável da razão: a mente humana foi criada por um Deus racional para compreender uma criação ordenada.

O ateísmo, por outro lado, não possui qualquer justificação última para a crença na razão, nem na validade do conhecimento. Como pode confiar na razão alguém que crê ser apenas o produto de forças irracionais da natureza?

Conclusão: o impasse do ateísmo e a promessa do teísmo

O ateísmo, longe de ser uma alternativa racional ao teísmo, se revela um sistema defeituoso, circular, incapaz de justificar sua própria lógica, moralidade ou sentido da existência. Sua tentativa de negar Deus resulta em negar a própria razão — um suicídio intelectual. Como vimos, as falhas racionais do ateísmo não são meramente acadêmicas: elas trazem efeitos devastadores para a cultura, a sociedade e a alma humana.

Em contraste, a cosmovisão teísta cristã sustenta a razão, a moral, a dignidade e a esperança. Ela afirma um Deus eterno e pessoal, fonte de toda verdade e existência, cuja revelação em Jesus Cristo não apenas responde aos anseios da razão, mas também transforma o coração humano.

Na Parte 3 desta série, avançaremos para uma comparação sistemática entre o ateísmo e o teísmo, analisando qual das duas cosmovisões oferece respostas mais coerentes, completas e satisfatórias para as grandes questões da vida: origem, propósito, moralidade e destino.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- DEANE, David R. C. O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.  

- CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.  

- LENNOX, John C. Seven Days That Divide the World: The Beginning According to Genesis and Science. 10th Anniversary Edition. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2021

- CRAIG, William Lane. Em guarda: Defenda a fé cristã com razão e precisão. São Paulo: Vida Nova, 2011.

- PLANTINGA, Alvin. Warranted Christian Belief. Oxford: Oxford University Press, 2000.  

- LEWIS, C. S. Milagres. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2021.  

- GEISLER, Norman L.; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu. São Paulo: Vida, 2008.