Parte 2 – Falhas Racionais e Efeitos Devastadores do Ateísmo
Por Walson Sales
O ateísmo contemporâneo, apesar de seu apelo popular entre setores acadêmicos e culturais, permanece, em sua essência, uma negação. Ele se propõe a negar a existência de Deus, rejeitar a metafísica cristã e a substituir os fundamentos teístas da racionalidade e da moralidade por uma base naturalista. No entanto, conforme demonstrado por David R. C. Deane no capítulo “O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial?” do Guia Geral da Apologética Cristã, essa negação se sustenta sobre alicerces frágeis e autorrefutáveis. Deane nos conduz a uma análise minuciosa da inconsistência interna do ateísmo e dos efeitos corrosivos que sua lógica impõe à razão, à ciência, à moral e à própria existência humana.
Neste artigo, pretendemos explorar e ampliar os argumentos de Deane, demonstrando que o ateísmo não apenas falha racionalmente, mas carrega consigo consequências devastadoras para a cosmovisão humana. Também argumentaremos que a razão e a fé cristã não são inimigas; ao contrário, a razão encontra sua justificação última no teísmo, enquanto o ateísmo não oferece base racional para o conhecimento, uma vez que não consegue justificar sua própria crença fundamental: a negação de Deus. Por fim, indicaremos o caminho para a Parte 3 desta série, na qual compararemos o ateísmo com o teísmo, destacando a superioridade racional, moral e existencial da visão cristã de mundo.
1. A ausência de provas e a carga da argumentação
David R. C. Deane inicia sua análise com uma indagação provocadora: se não há provas positivas da inexistência de Deus, que razões há para se crer que Ele não existe? O argumento ateísta muitas vezes se limita a afirmar que não há boas razões para acreditar em Deus. Contudo, essa posição é duplamente problemática. Primeiro, porque ela exige uma definição de “bom” — o que, por si só, pressupõe um padrão moral ou racional objetivo que o ateísmo não consegue justificar. Segundo, porque ela ignora o fato histórico incontornável de que nunca houve uma sociedade humana sem alguma forma de transcendência ou senso do divino.
Essa universalidade da experiência religiosa humana aponta para uma inclinação natural do ser humano a reconhecer uma realidade que transcende a matéria. Como G. K. Chesterton afirmou com ironia penetrante: “Se não houvesse Deus, não haveria ateus.” O próprio conceito de “ateísmo” só faz sentido se houver algo a ser negado. Assim, o ateísmo já começa seu projeto com uma contradição: ele só pode negar Deus porque, paradoxalmente, deve primeiro assumir uma noção do que está negando.
2. A circularidade irracional do ateísmo
Ao recusar a existência de Deus, o ateísmo se vê forçado a redefinir todos os critérios da razão à luz de uma natureza fechada e materialista. De acordo com Deane, a crença ateísta é anterior e independente de quaisquer razões para a crença de que Deus não existe. Isso equivale a afirmar que o ateísmo é mais uma disposição existencial ou ideológica do que uma conclusão racional.
Essa circularidade se evidencia na crítica de Chesterton: “Se eu disser que um camponês viu um fantasma, eles me dizem que os camponeses são muito crédulos. Se eu perguntar por que são crédulos, a única resposta é que eles veem fantasmas.” Aplicado ao ateísmo, o raciocínio seria: “A crença em Deus é irracional porque não há Deus; e sabemos que não há Deus porque é irracional acreditar nele.” Trata-se de um círculo vicioso que mina a própria razão ateísta e desacredita qualquer juízo que venha dela. Como brinca o cientista e apologeta John Lennox: “Ele não atira apenas no próprio pé, o que é doloroso; ele atira no próprio cérebro, o que é fatal.”
3. As caricaturas do divino e os ídolos da razão naturalista
Livros populares como Deus, um delírio (Richard Dawkins), Deus não é grande (Christopher Hitchens), God: The Failed Hypothesis (Victor Stenger) e outros, apesar de sua retórica poderosa, criticam um deus que o Cristianismo nunca afirmou existir. Criam-se caricaturas de divindades semelhantes a Zeus, Odin ou até ao “Monstro do Espaguete Voador” para, então, ridicularizar a ideia de Deus. No entanto, o Deus cristão não é um ente entre outros entes, uma criatura poderosa ou uma invenção folclórica. Ele é o próprio fundamento do ser, a fonte de toda realidade contingente. Como ensina o Êxodo: “Eu Sou o que Sou” (Ex 3.14).
Ao perguntar “Quem criou o Criador?”, os críticos revelam que ainda operam dentro de um paradigma naturalista. A questão só faz sentido se Deus for uma entidade criada, sujeita ao tempo e espaço. Mas o Deus bíblico é eterno, atemporal, imaterial — não pode ser colocado em um tubo de ensaio ou limitado pelas leis da física que Ele mesmo instituiu.
4. O ateísmo como escravidão da razão ao naturalismo
O compromisso ateísta com a inexistência de Deus força o ateu a submeter toda a razão ao domínio da natureza. Isso significa que todas as explicações devem vir exclusivamente da física, da química ou da biologia — e qualquer noção de propósito, moralidade objetiva ou transcendência é descartada como “ilusória”.
Contudo, esse reducionismo gera consequências dramáticas. Se todos os nossos pensamentos são apenas o produto de reações químicas determinadas, então não há espaço para livre-arbítrio, verdade objetiva ou mesmo confiança racional. Como C. S. Lewis advertiu em Milagres: “Se minha mente é apenas o produto de causas irracionais, então não posso confiar na validade de nenhuma de minhas crenças, incluindo o naturalismo.” Em outras palavras, o ateísmo implode a própria base da racionalidade que pretende preservar.
5. Efeitos devastadores: moralidade, dignidade e sentido
Se Deus não existe, tudo é permitido — essa máxima, atribuída a Dostoiévski, resume bem o dilema moral do ateísmo. Sem um referencial transcendente, a moral se torna subjetiva, relativa, produto de preferências culturais ou impulsos evolucionários. A dignidade humana é reduzida à biologia, e o sentido da vida desaparece no abismo do niilismo.
Deane identifica esse efeito como corrosivo, pois não afeta apenas as ideias, mas toda a vida humana. Quando a cultura adota o ateísmo como fundação, ela perde o solo firme da verdade, da justiça, da esperança. A história dos regimes totalitários do século XX, muitos dos quais fundados sobre uma cosmovisão ateísta (como o comunismo soviético), demonstra o poder destrutivo de sistemas que negam o transcendente.
6. Fé e razão: aliadas no conhecimento
Um dos enganos mais persistentes é a falsa dicotomia entre fé e razão. No entanto, como apontam filósofos cristãos como Alvin Plantinga e William Lane Craig, todo conhecimento envolve crença justificada. A razão não é um substituto da fé, mas seu instrumento. O cristianismo oferece as bases para o uso confiável da razão: a mente humana foi criada por um Deus racional para compreender uma criação ordenada.
O ateísmo, por outro lado, não possui qualquer justificação última para a crença na razão, nem na validade do conhecimento. Como pode confiar na razão alguém que crê ser apenas o produto de forças irracionais da natureza?
Conclusão: o impasse do ateísmo e a promessa do teísmo
O ateísmo, longe de ser uma alternativa racional ao teísmo, se revela um sistema defeituoso, circular, incapaz de justificar sua própria lógica, moralidade ou sentido da existência. Sua tentativa de negar Deus resulta em negar a própria razão — um suicídio intelectual. Como vimos, as falhas racionais do ateísmo não são meramente acadêmicas: elas trazem efeitos devastadores para a cultura, a sociedade e a alma humana.
Em contraste, a cosmovisão teísta cristã sustenta a razão, a moral, a dignidade e a esperança. Ela afirma um Deus eterno e pessoal, fonte de toda verdade e existência, cuja revelação em Jesus Cristo não apenas responde aos anseios da razão, mas também transforma o coração humano.
Na Parte 3 desta série, avançaremos para uma comparação sistemática entre o ateísmo e o teísmo, analisando qual das duas cosmovisões oferece respostas mais coerentes, completas e satisfatórias para as grandes questões da vida: origem, propósito, moralidade e destino.
Bibliografia utilizada e sugerida:
- DEANE, David R. C. O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.
- CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
- LENNOX, John C. Seven Days That Divide the World: The Beginning According to Genesis and Science. 10th Anniversary Edition. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2021
- CRAIG, William Lane. Em guarda: Defenda a fé cristã com razão e precisão. São Paulo: Vida Nova, 2011.
- PLANTINGA, Alvin. Warranted Christian Belief. Oxford: Oxford University Press, 2000.
- LEWIS, C. S. Milagres. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2021.
- GEISLER, Norman L.; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu. São Paulo: Vida, 2008.