Por Walson Sales
A descoberta do Épico de Enuma Elish levantou debates acadêmicos sobre a relação entre esse mito babilônico e o relato bíblico da criação. Muitos críticos sustentam que Gênesis teria se inspirado ou mesmo plagiado elementos do Enuma Elish. Contudo, uma análise detalhada das duas narrativas revela diferenças estruturais, teológicas e filosóficas profundas.
Neste artigo, examinaremos as principais distinções entre os dois relatos, demonstrando que a cosmovisão bíblica não apenas se distancia dos mitos mesopotâmicos, mas apresenta uma concepção única e elevada da criação.
1. Monoteísmo vs. Politeísmo
A distinção mais evidente entre os dois relatos é a visão sobre a divindade.
- Enuma Elish: O mundo surge a partir da interação de várias divindades que personificam elementos da natureza, como Apsu (água doce) e Tiamate (água salgada). Esses deuses são finitos, limitados e sujeitos a conflitos internos.
- Gênesis: Apresenta um Deus único, eterno, transcendente e soberano, que cria o mundo por sua palavra e vontade, sem depender de processos caóticos ou batalhas divinas.
A Bíblia, portanto, não apenas rejeita o politeísmo babilônico, mas também propõe uma visão completamente diferente da origem do universo.
2. Ordem vs. Caos
Outra diferença fundamental é a maneira como a criação é descrita:
- Enuma Elish: A criação resulta de um conflito entre os deuses, especialmente entre Marduque e Tiamate. O cosmos nasce do cadáver de Tiamate, dividida ao meio por Marduque.
- Gênesis: Deus cria o universo de forma ordenada e intencional, organizando cada aspecto da criação em dias específicos, culminando com a criação do homem.
O relato bíblico se distingue por sua clareza e ausência de caos. Deus não precisa lutar contra outras forças divinas para criar; Ele simplesmente ordena, e tudo passa a existir.
3. A Criação do Homem
Os dois relatos também apresentam contrastes marcantes na criação da humanidade:
- Enuma Elish: O homem é criado do sangue do deus derrotado Kingu, como um ser destinado ao trabalho pesado para aliviar os deuses.
- Gênesis: O homem é criado à imagem e semelhança de Deus, recebendo autoridade sobre a criação e chamado a um relacionamento com o Criador.
Na visão babilônica, a humanidade é um subproduto dos conflitos divinos, sem valor intrínseco. Já na Bíblia, o homem tem dignidade e propósito, sendo o ápice da criação.
4. O Propósito da Criação
- Enuma Elish: O mundo e a humanidade são criados para servir aos deuses e justificar a supremacia de Marduque sobre o panteão babilônico.
- Gênesis: A criação é um ato de bondade de Deus, refletindo Sua glória e estabelecendo um ambiente para a comunhão entre Deus e o homem.
A cosmovisão bíblica não apenas difere da babilônica, mas a supera em sofisticação e significado.
Conclusão
A tese de que Gênesis teria sido inspirado no Enuma Elish ignora as profundas diferenças entre os dois relatos. Enquanto o mito babilônico reflete um panteão caótico e antropomórfico, o relato bíblico apresenta um Deus transcendente, pessoal e moralmente perfeito.
As distinções teológicas, filosóficas e narrativas mostram que Gênesis não poderia ser uma mera adaptação do Enuma Elish, mas sim um relato independente e teologicamente superior.
Para um estudo mais aprofundado sobre a relação entre arqueologia e a Bíblia, recomendo a leitura de Arqueologia do Antigo Testamento, de Merrill F. Unger, um excelente recurso para entender como as descobertas arqueológicas reforçam a confiabilidade das Escrituras.
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