segunda-feira, 23 de junho de 2025

O Épico de Enuma Elish e o Relato Bíblico da Criação: Uma Análise Comparativa - Parte 4 – Evidências Históricas e Textuais: Gênesis Copiou o Enuma Elish?

Por Walson Sales

Após compararmos os relatos da criação em Gênesis e no Épico de Enuma Elish, resta uma questão fundamental: há evidências de que o relato bíblico foi inspirado ou copiado do mito babilônico?

Essa pergunta exige uma análise histórica e textual cuidadosa. Nesta última parte, examinaremos:

A. A cronologia dos textos – Qual foi escrito primeiro?  

B. Evidências de dependência literária – Existem provas concretas de que Gênesis copiou o Enuma Elish?  

C. Perspectivas acadêmicas – Como estudiosos conservadores e críticos avaliam essa relação?  

1. Cronologia dos Textos: Qual foi Escrito Primeiro?

O Épico de Enuma Elish é datado do período *babilônico antigo*, por volta de 1100 a.C., mas algumas versões podem remontar ao século XVIII a.C. Já o relato de Gênesis, segundo a tradição judaico-cristã, foi escrito por Moisés por volta de 1400–1200 a.C.

A grande questão é: isso significa que Moisés copiou os babilônios?

Segundo Merrill F. Unger, em Archaeology and the Old Testament, o argumento da prioridade cronológica do Enuma Elish não é suficiente para provar dependência. Ele observa que a mera precedência temporal de um mito não significa que um texto posterior tenha sido baseado nele. Afinal, a tradição oral hebraica pode remontar a um período muito anterior.

Além disso, Kenneth A. Kitchen, em On the Reliability of the Old Testament, argumenta que a cronologia bíblica é compatível com a tradição mosaica e que não há razões para presumir uma influência babilônica direta.

Portanto, o fato de o Enuma Elish ser mais antigo não prova que Gênesis tenha se baseado nele. A transmissão oral e escrita das tradições hebraicas pode ter preservado um relato da criação independente e muito mais antigo.

2. Evidências de Dependência Literária

Muitos críticos afirmam que as semelhanças entre os dois relatos indicam uma dependência literária. No entanto, ao analisar as evidências, essa hipótese se enfraquece.

Diferenças fundamentais no estilo e na teologia

- John H. Walton, em Ancient Near Eastern Thought and the Old Testament, enfatiza que a estrutura e a mensagem de Gênesis diferem radicalmente do Enuma Elish. Enquanto o mito babilônico é um poema mitológico cheio de linguagem figurada e conflitos entre deuses, Gênesis apresenta uma narrativa histórica e teológica coesa, centrada em um Deus único e transcendente.

- Gleason L. Archer, em A Survey of Old Testament Introduction, observa que a linguagem de Gênesis é muito mais sofisticada e apresenta uma ordem lógica e moral que falta no Enuma Elish. Isso sugere que Gênesis não é uma adaptação do mito babilônico, mas uma narrativa original e distinta.  

Semelhanças explicadas por uma fonte comum

Em vez de dependência direta, a melhor explicação para as semelhanças entre Gênesis e o Enuma Elish é a existência de uma fonte comum mais antiga.  

Merrill F. Unger (Archaeology and the Old Testament) e Gleason L. Archer (A Survey of Old Testament Introduction) sugerem que ambas as tradições podem ter se baseado em um conhecimento primitivo da criação, preservado oralmente desde os tempos antediluvianos. Essa visão explica por que encontramos temas semelhantes (como o caos inicial e a separação das águas) em várias culturas antigas, sem necessidade de um plágio direto.

Assim, em vez de ver Gênesis como uma cópia do Enuma Elish, podemos considerá-lo o relato mais fiel e teologicamente refinado de um evento real transmitido desde os tempos antigos.

3. O Que Dizem os Acadêmicos?

A relação entre Gênesis e o Enuma Elish tem sido debatida entre acadêmicos liberais e conservadores.

- Acadêmicos críticos como Hermann Gunkel argumentam que Gênesis foi escrito no período do exílio babilônico (século VI a.C.) e, portanto, teria sido influenciado pelas narrativas mitológicas da Mesopotâmia. Essa visão, porém, ignora evidências arqueológicas que indicam que as tradições hebraicas são muito mais antigas.

- Estudiosos conservadores como Kitchen, Unger, Walton e Archer enfatizam que não há provas de uma dependência direta e que as diferenças entre os relatos são muito mais significativas do que as semelhanças.

A posição mais equilibrada é que Gênesis não depende do Enuma Elish, mas reflete uma tradição independente e superior, que preserva uma visão monoteísta pura da criação.

Conclusão Final da Série

Com base na análise textual, histórica e teológica, podemos afirmar que:

I. Gênesis e o Enuma Elish não têm uma relação de dependência direta. As diferenças entre os relatos são muito mais significativas do que as semelhanças.

II. O fato de o Enuma Elish ser mais antigo não significa que Gênesis foi copiado dele. A tradição hebraica pode ter preservado um relato autêntico da criação, anterior ao mito babilônico.

III. Gênesis apresenta uma cosmovisão radicalmente diferente e teologicamente superior. Enquanto o Enuma Elish descreve um mundo nascido do caos e da violência, Gênesis revela um Deus único, soberano e criador de todas as coisas.  

IV. Estudiosos conservadores refutam a tese de dependência literária. Walton, Unger, Archer e Kitchen demonstram que a narrativa bíblica tem características únicas e independentes. 

Dessa forma, a tese de que Gênesis é um plágio do Enuma Elish é insustentável. Pelo contrário, a narrativa bíblica se destaca como uma explicação racional, ordenada e teologicamente coerente sobre a origem do universo e da humanidade.

Obrigado por acompanhar esta série! Caso tenha alguma dúvida ou queira aprofundar algum ponto, estou à disposição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário