Parte 1 – Definindo e Avaliando o Relativismo Moral
Por Walson Sales
O relativismo moral é uma das ideias mais difundidas no cenário contemporâneo, especialmente em ambientes acadêmicos e culturais onde a subjetividade da verdade moral é considerada uma virtude. Essa visão sustenta que não existem padrões morais objetivos e universais; antes, o que é considerado moralmente certo ou errado depende do indivíduo ou da cultura. Em outras palavras, no relativismo moral, a moralidade não está enraizada em algo externo ou transcendente, mas se constitui a partir de construções sociais ou preferências pessoais.
Sean McDowell, no capítulo “O que é o relativismo moral e qual é sua falha essencial?”, incluído no Guia Geral da Apologética Cristã, editado por Joseph M. Holden, analisa cuidadosamente essa cosmovisão e demonstra suas fraquezas fundamentais. Este artigo, com base em sua exposição, é ampliado por outros autores como C. S. Lewis, Paul Copan e Francis J. Beckwith, propõe-se a definir o relativismo moral, distinguir suas formas e avaliar sua coerência interna, implicações práticas e consequências lógicas.
1. Uma Ilustração Reveladora: A Incoerência Prática do Relativismo
McDowell inicia com uma ilustração pessoal significativa ocorrida em um debate entre alunos cristãos e estudantes ateus/agnósticos sobre temas como o design inteligente, o Jesus histórico e, particularmente, a origem da moralidade. Durante o debate, um estudante do grupo ateu defendeu o relativismo moral individual, negando a existência de valores morais objetivos e, portanto, rejeitando a necessidade de um Legislador Moral — isto é, Deus.
Contudo, ao final do debate, no discurso de encerramento, o mesmo estudante usou o ambiente e a audiência cristã para condenar os cristãos por atitudes homofóbicas, fanáticas e intolerantes. Essa condenação, feita com tons morais absolutos, evidencia uma contradição intrínseca: ao mesmo tempo em que nega a existência de normas morais universais, o estudante as invoca para julgar o comportamento alheio.
Como bem observa McDowell, essa incoerência é sintomática de quem, embora professe o relativismo, vive na prática como se a moralidade objetiva existisse. A crítica moral, por sua própria natureza, implica um padrão que transcende o gosto pessoal ou o costume cultural. Esse tipo de autocontradição demonstra que o relativismo moral não é vivenciável de maneira consistente.
2. O Testemunho de C. S. Lewis: A Consciência Trai o Relativista
A observação feita por McDowell encontra eco nas palavras de C. S. Lewis, em seu clássico *Cristianismo Puro e Simples*. Lewis aponta que, ainda que alguém afirme não crer em certo ou errado objetivos, essa mesma pessoa, diante de uma injustiça sofrida, rapidamente apelará para um senso de justiça comum. Ele afirma:
> “Mesmo que você consiga encontrar uma pessoa que afirme com toda a certeza que não crê que haja realmente o certo e o errado, essa mesma pessoa vai apelar para isso logo em seguida”.
McDowell reforça essa ideia com um princípio aprendido de seu pai: o que revela as crenças morais verdadeiras das pessoas não é o que elas dizem ou fazem, mas o modo como desejam ser tratadas. A reação diante de injustiças mostra que, no íntimo, há um reconhecimento da moralidade objetiva, ainda que negada intelectualmente.
3. Definindo o Relativismo Moral
Para uma análise mais precisa, McDowell distingue dois tipos principais de relativismo moral:
3.1 Relativismo Cultural
Esta forma sustenta que o certo e o errado são determinados pela cultura. Se determinada prática é aceita por uma sociedade, então ela é moralmente correta dentro daquele contexto cultural. Assim, práticas que seriam condenadas em um país podem ser elogiadas em outro, sem que se possa fazer um juízo moral objetivo entre ambas.
3.2 Relativismo Individual
Mais radical, esta variante defende que o indivíduo é a fonte última da moralidade. Cada pessoa decide o que é certo e errado para si mesma, e não existe padrão externo ou universal pelo qual suas escolhas possam ser julgadas.
Ambas as formas compartilham uma característica central: a rejeição da moralidade objetiva. E é exatamente essa rejeição que leva às contradições e incoerências já mencionadas.
4. Relativismo Moral não é Relativismo Religioso ou Histórico
McDowell também destaca que é importante distinguir o relativismo moral de outras formas de relativismo, como o religioso ou o histórico. O relativismo religioso, por exemplo, alega que não existe uma religião verdadeira para todos os povos. Já o histórico defende que os fatos são moldados pela perspectiva de quem os narra.
O relativismo moral, por sua vez, é uma tese ética: trata-se de uma afirmação sobre a fonte do certo e do errado. É, portanto, uma questão profundamente ligada à cosmovisão que adotamos. Se não existe um padrão moral objetivo, então qualquer ação pode, em princípio, ser justificada em nome da preferência pessoal ou cultural.
5. Diferenças Morais Provam o Relativismo?
Um dos argumentos mais comuns a favor do relativismo moral é a existência de divergências entre culturas quanto às práticas morais. Mas McDowell responde a isso com uma distinção crucial: práticas variam, princípios não.
Tome-se o exemplo do aborto. Embora as pessoas discordem intensamente sobre sua moralidade, ambos os lados da discussão invocam princípios como justiça e misericórdia. Os pró-escolha enfatizam a justiça para com a mãe; os pró-vida, para com a mãe e o feto. A disputa não é sobre a existência de valores morais, mas sobre sua aplicação ou mesmo sobre os fatos subjacentes — como a definição de pessoa humana.
Portanto, diferenças de prática não implicam ausência de princípios objetivos. C. S. Lewis comenta que as semelhanças entre códigos morais antigos são mais impressionantes que suas diferenças. Não há civilizações que exaltem a covardia ou que considerem admirável a traição. Valores como coragem, justiça, lealdade e compaixão aparecem em quase todas as culturas.
6. Divergência não Implica Relativismo
Outro erro comum é inferir que, como há desacordo sobre questões morais, então não existe uma verdade moral objetiva. No entanto, como observa McDowell, isso não se aplica nem mesmo a outras áreas do conhecimento humano. Há desacordo em questões científicas, históricas e matemáticas, mas isso não significa que não existam fatos ou verdades nessas áreas.
As divergências em moralidade podem muito bem indicar que alguns estão enganados — não que todos estejam certos à sua própria maneira. Essa distinção é fundamental. Como observa Paul Copan, o simples fato de haver disputa moral não prova o relativismo; ao contrário, é justamente o reconhecimento de que há algo em disputa — um bem verdadeiro — que torna a discordância moral possível e significativa.
Conclusão
O relativismo moral, embora popularmente defendido, é logicamente insustentável e praticamente inviável. Como demonstrado por Sean McDowell, sua falha essencial é a incoerência entre sua proposta teórica e sua vivência prática. Ninguém vive como se todos os valores fossem relativos. As reações humanas diante da injustiça revelam um senso inato do certo e do errado — traço que aponta para uma fonte moral objetiva, exterior ao indivíduo ou à cultura.
A apologética cristã, ao afirmar a existência de valores morais objetivos ancorados no caráter de Deus, oferece não apenas uma explicação coerente para o senso moral humano, mas também uma base sólida para o discurso ético, a justiça e os direitos humanos. A cosmovisão cristã resgata a dignidade da moralidade ao vinculá-la ao Criador, permitindo ao ser humano reconhecer, discernir e viver de acordo com padrões que transcendem o subjetivismo e o relativismo.
A seguir, na Parte 2 desta série, abordaremos as implicações destrutivas do relativismo moral para a sociedade, para os direitos humanos e para a justiça. Veremos como essa cosmovisão, se levada às últimas consequências, mina os próprios fundamentos da civilização.
Bibliografia utilizada e sugerida:
- MCDOWELL, Sean. O que é o Relativismo moral e qual é sua falha essencial? In HOLDEN , Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã, Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.
- LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2012.
- COPAN, Paul. Deus é um monstro moral? Entendendo Deus no contexto do Antigo Testamento. (Tradução Walson Sales). Maceió, Al: Editora Sal Cultural, 2016.
- BECKWITH, Francis J.; KOONS, Robert C. Relativism: Feet Firmly Planted in Mid-Air. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1998.
- GEISLER, Norman L. Christian Ethics: Contemporary Issues and Options. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2010.
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