Parte 2 - Os Erros Principais do Relativismo Cultural
Por Walson Sales
O relativismo cultural é uma das formas mais influentes do relativismo moral, e sua presença tem se tornado marcante no discurso ético e sociopolítico contemporâneo. Essa visão sustenta que não existem valores morais universais, mas que a moralidade é determinada unicamente pelas convenções culturais. Assim, o que é considerado certo ou errado depende dos códigos morais de uma sociedade específica. Em sua análise minuciosa, Sean McDowell (2023) desvela as principais falhas internas dessa perspectiva, revelando sua fragilidade lógica e suas implicações potencialmente destrutivas para os direitos humanos, a justiça e a coesão social.
I. A Incoerência Frente aos Reformadores Morais
A primeira e mais flagrante contradição do relativismo cultural é sua incapacidade de acolher os reformadores morais. Por definição, o reformador é aquele que questiona e critica as normas morais prevalecentes em sua própria cultura, propondo mudanças significativas. McDowell lembra que figuras como Dietrich Bonhoeffer, Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr. e Jesus Cristo foram reformadores morais notáveis que se insurgiram contra sistemas imorais institucionalizados em suas respectivas sociedades.
Contudo, se o relativismo cultural for verdadeiro, então esses reformadores devem ser considerados moralmente errados, pois agiram contra os códigos morais vigentes. Essa conclusão não apenas é contrária à intuição moral comum, como também afronta o senso histórico de justiça, que celebra tais figuras como heróis. É evidente que, se tais pessoas estiveram corretas em desafiar seus contextos, então deve haver um padrão moral superior ao consenso cultural. Caso contrário, a escravidão, o racismo, o nazismo e outras práticas abomináveis não poderiam ser condenadas com validade universal.
Essa incoerência revela uma falha essencial do relativismo cultural: ele mina a legitimidade da crítica à imoralidade cultural e, portanto, priva a sociedade de um dos principais instrumentos de progresso ético.
II. A Impossibilidade de Julgamento Moral Intercultural
A segunda falha é que o relativismo cultural impossibilita a crítica moral a outras culturas. Se a moral é relativa a cada cultura, então não há base objetiva para condenar práticas como a mutilação genital feminina, o genocídio, o terrorismo ou o racismo institucionalizado em outras culturas. O relativista é forçado a aceitar tais práticas como "certas" dentro dos contextos que as aprovam.
Contudo, isso contradiz profundamente a experiência moral humana. McDowell aponta que nossas intuições mais básicas indicam que certas ações são erradas em qualquer lugar, independentemente de normas culturais. A escravidão, por exemplo, é amplamente reconhecida como uma prática moralmente repugnante, mesmo quando legitimada por uma sociedade.
William Lane Craig, em sua obra Em Guarda, destaca que o relativismo, ao remover qualquer referência transcendente de moralidade, transforma os direitos humanos em mera convenção social, e não em verdades invioláveis. Isso torna qualquer tentativa de promover os direitos universais incoerente com a base relativista.
Se é errado criticar uma cultura opressora, como então justificar intervenções humanitárias, cortes internacionais de justiça e convenções dos direitos humanos? O relativismo cultural sabota esses conceitos ao deslegitimar o juízo moral universal.
III. A Contradição da Tolerância Universal
A terceira falha é a tentativa fátua de fazer da tolerância um princípio absoluto. McDowell relata o caso de um professor universitário que, após afirmar que todos os valores são relativos à cultura, sustentou que deveríamos ser tolerantes com as diferenças culturais.
No entanto, esse argumento é autocontraditório. Se a tolerância é apenas um valor relativo a uma cultura, então ninguém está obrigado a ser tolerante fora dessa cultura. Por outro lado, se devemos ser tolerantes universalmente, então há pelo menos um valor moral absoluto: a tolerância. Isso contradiz a base do relativismo moral e o torna logicamente inconsistente.
A verdadeira tolerância, como enfatiza o filósofo Paul Copan em True for You, But Not for Me, não é aceitar todas as opiniões como igualmente válidas, mas respeitar as pessoas enquanto se discorda das ideias. O relativismo distorce esse conceito, promovendo um nivelamento que desvaloriza a verdade e a razão.
IV. Implicações Destrutivas do Relativismo Cultural
As falhas acima descritas têm implicações graves para a sociedade. Se não há um referencial moral objetivo, então todos os valores se tornam negociáveis, inclusive os direitos humanos. A justiça perde sua fundamentação, pois não há padrão externo para julgar o certo e o errado.
A história do século XX demonstra de modo trágico o que acontece quando sistemas inteiros abraçam visões relativistas. O Holocausto, os expurgos soviéticos e os genocídios em Ruanda e no Camboja são exemplos de horrores justificados por "valores culturais" ou por projetos ideológicos internos, sem respeito por um código moral superior.
A sociedade que abraça o relativismo cultural torna-se vulnerável à tirania do consenso e à manipulação moral. Os mais fortes impõem seus valores, e os mais fracos não têm a quem apelar. Como enfatiza Francis Schaeffer em How Should We Then Live?, a decadência moral das civilizações começa quando elas perdem a noção de uma base moral objetiva.
Conclusão
A análise de Sean McDowell revela que o relativismo cultural é insustentável tanto lógica quanto moralmente. Ele falha em acomodar os reformadores morais, é incapaz de julgar interculturalmente práticas aberrantes e contradiz a si mesmo ao tentar promover a tolerância como um valor universal. Suas implicações práticas conduzem à erosão dos direitos humanos, ao colapso da justiça e ao empobrecimento do discurso moral.
A apologética cristã, ao defender a existência de um padrão moral transcendente e objetivo, não apenas fornece uma resposta lógica à crise relativista, como também aponta para a realidade de um Deus moral, cuja imagem foi impressa na consciência humana. É nessa base que se pode, de fato, criticar a injustiça, defender os direitos humanos e promover a verdadeira tolerância.
Bibliografia utilizada e sugerida:
- MCDOWELL, Sean. O que é o Relativismo moral e qual é sua falha essencial? _In_ HOLDEN , Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.
- CRAIG, William Lane. Em Guarda: Defenda a Fé Cristã com Razão e Precisão. São Paulo: Vida Nova, 2014.
- COPAN, Paul. Is It Just Me? or Is Everything Stupid?. Grand Rapids, MI: Baker Books, 2001.
- COPAN, Paul. True for You, But Not for Me: Overcoming Objections to Christian Faith. Minneapolis, MN: Bethany House, 2009.
- SCHAEFFER, Francis A. How Should We Then Live?. Old Tappan, NJ: Fleming H. Revell Company, 1976.
- LEWIS, C. S. A Abolição do Homem. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2011.
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