segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Os inimigos da Bíblia


Parte 1: "Argumentos novos", mas não tão novos assim

Por Walson Sales

Desde seus primórdios, a Bíblia tem sido alvo de críticas, desprezo e interpretações maliciosas por parte de seus detratores. O curioso é que, embora muitos desses ataques sejam apresentados como "novas descobertas" ou "revelações chocantes", uma análise séria e informada revela que se tratam, na maioria das vezes, de argumentos antigos, reciclados com roupagem moderna. Os inimigos da Bíblia, ao longo da história, utilizam-se das mesmas acusações, distorções e escárnios que já foram rebatidos com profundidade pela tradição cristã, pela teologia e pela apologética.

Nesta primeira parte da série, analisaremos alguns dos principais argumentos levantados por críticos históricos como Celso e Porfírio, bem como os ecoados por intelectuais modernos e veículos da mídia secular. Faremos uma exposição cuidadosa de tais críticas, revelando sua fragilidade lógica e evidenciando a riqueza e a solidez da resposta apologética cristã.

1. A acusação de que a Bíblia é literariamente inferior

Desde a antiguidade, os críticos da Bíblia desmerecem seu conteúdo por julgarem-na literariamente inferior. Autores clássicos como Celso zombavam dos escritos cristãos, dizendo que eram "ralé de lendas folclóricas, leis esquisitas, cartas mal escritas e biografias de mágicos milagrosos", especialmente quando comparados à elegância de autores romanos como Cícero e Virgílio. Tertuliano chegou a reconhecer que os homens educados de sua época não se aproximavam das Escrituras, a não ser que já fossem cristãos.

Esse tipo de crítica, porém, revela uma superficialidade de análise. Primeiramente, é necessário compreender a diferença entre gêneros literários. A Bíblia não foi escrita com a pretensão de rivalizar com epopeias greco-romanas; ela é uma coletânea de gêneros diversos: narrativas históricas, poesias, leis, provérbios, profecias, cartas, apocalipses, entre outros. Como bem ressalta Norman Geisler, “o valor de um texto não está apenas em sua forma literária, mas em seu conteúdo, em sua coerência interna e em sua capacidade de transformar vidas” (cf. Enciclopédia de Apologética). Além disso, os Salmos, os Cânticos, os Provérbios e os Evangelhos são frequentemente citados como exemplos de literatura com beleza, profundidade e sofisticação.

Comparar a Bíblia a Cícero ou Homero é como comparar tratados jurídicos com poemas líricos: a crítica falha por não compreender os propósitos distintos de cada texto. Como explica Hutchinson, “uma interpretação apropriada desses textos antigos requer estudo e análise pacientes”.

2. A alegação de que os cristãos primitivos eram bárbaros supersticiosos

Outra acusação recorrente é a de que os primeiros cristãos eram ignorantes, bárbaros e supersticiosos. Críticos diziam que os cristãos cometiam atos de canibalismo e incesto, pois falavam em “comer carne” e “beber sangue”, e se chamavam de “irmãos” e “irmãs”.

Essas acusações foram levantadas com evidente ignorância e má-fé. Os primeiros apologistas cristãos, como Justino Mártir, responderam a essas calúnias já no século II. A acusação de canibalismo, por exemplo, é fruto da incompreensão (ou distorção deliberada) da linguagem simbólica da Ceia do Senhor. No Evangelho de João, Jesus afirma: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6:56), mas trata-se de linguagem espiritual, não literal.

Essas calúnias foram tão maliciosas quanto infundadas, e hoje são desmascaradas até mesmo por historiadores seculares. Rodney Stark, em O triunfo do cristianismo, mostra como os cristãos primitivos, longe de serem bárbaros ignorantes, constituíam um grupo com elevado senso moral e um compromisso notável com o cuidado aos doentes, órfãos e viúvas — comportamento socialmente revolucionário à época.

3. A crítica ao conteúdo “absurdo” das narrativas bíblicas

Celso e Porfírio atacaram os relatos bíblicos com base em seu conteúdo “fantástico” e supostamente absurdo. Celso ridicularizava a narrativa da arca de Noé, chamando-a de uma cópia malfeita do mito de Deucalião, enquanto Porfírio afirmava que Moisés nunca escreveu uma linha sequer da Torá.

Essas críticas são amplamente repetidas por estudiosos modernos que abraçam o ceticismo, o naturalismo metodológico ou as hipóteses documentárias. Contudo, essas suposições carecem de comprovação definitiva. Muitos ataques à autoria mosaica da Torá se baseiam em teorias (como a JEDS) que, embora populares entre certos círculos críticos, não são consenso e vêm sendo crescentemente contestadas.

Geisler e Turek, em Não tenho fé suficiente para ser ateu, mostram como há evidências internas e externas favoráveis à autoria mosaica dos cinco primeiros livros da Bíblia. Além disso, como destaca a Enciclopédia de Apologética, não há evidência conclusiva de que a história do dilúvio tenha sido “plagiada” de mitologias antigas. Pelo contrário, a presença de narrativas semelhantes em diversas culturas pode ser vista como uma confirmação da veracidade de um evento cataclísmico real preservado de forma fragmentada nas tradições humanas.

4. A noção errada de inspiração bíblica

Uma das mais comuns distorções feitas por críticos da Bíblia é a ideia de que os cristãos acreditam que a Escritura foi ditada palavra por palavra por Deus, como os muçulmanos afirmam do Corão. Essa concepção carrega uma caricatura do conceito cristão de inspiração.

O que a doutrina da inspiração bíblica afirma é que Deus, por meio do Espírito Santo, supervisionou o processo de redação das Escrituras de forma que os autores humanos escreveram segundo seus estilos e contextos, mas com fidelidade à vontade divina. Como afirma o apóstolo Paulo, “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3:16), o que implica origem divina, sem negar o instrumento humano. Isso explica variações estilísticas, ênfases diferentes e a diversidade de gêneros literários. A Bíblia, como bem aponta Hutchinson, não foi escrita em laboratório, mas ao longo de séculos, em línguas diferentes e com perspectivas variadas, preservando, no entanto, uma notável unidade teológica.

5. A confusão entre descrição e prescrição

Thomas Paine, em sua obra The Age of Reason, acusa a Bíblia de promover “crueldade”, “vingança” e “indulgência obscena”. Essa crítica, além de moralista, ignora uma distinção básica entre descrição e prescrição. Descrever um fato histórico (como guerras ou traições) não é o mesmo que prescrevê-lo como norma moral.

Muitos dos eventos registrados na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, são relatos da realidade humana em sua condição caída. Como afirma D. James Kennedy em E se Jesus não tivesse nascido, a própria Bíblia fornece o diagnóstico do pecado humano, não o endosso. Quando o texto bíblico narra, por exemplo, as falhas de Davi ou as injustiças cometidas por reis de Israel, ele o faz com a clara intenção de mostrar a consequência do pecado e a necessidade de redenção.

Confundir o registro de falhas humanas com aprovação divina é uma falácia grosseira, mas recorrente nos ataques seculares.

6. A banalização do conhecimento bíblico por parte da mídia e da academia secular

Os meios de comunicação e certos setores da academia costumam tratar questões teológicas complexas de forma simplista e sensacionalista. Um exemplo mencionado por Hutchinson é a "descoberta" de que há mais de um evangelho cristão, como se isso fosse uma revelação bombástica e inédita. O fato é que a existência de quatro evangelhos, com ênfases diferentes, é conhecida e debatida há dois milênios.

Para o cristão que conhece as Escrituras e a história da igreja, tais manchetes soam como tentativa barata de desestabilizar a fé do público incauto. O verdadeiro escândalo está na ignorância de quem propaga tais “novidades”. Como bem observou Thomas Huxley (não confundir com o crítico Aldous Huxley): “A Bíblia tem sido a Carta Magna dos pobres e dos oprimidos. A espécie humana não tem condições de ignorá-la.”

Conclusão

Os ataques feitos à Bíblia e à fé cristã não são exatamente novos. Eles são velhos conhecidos da apologética, remontando aos séculos II e III, e se repetem até hoje com os mesmos erros, distorções e preconceitos. A estratégia dos críticos é simples: ignorar a complexidade do texto bíblico, caricaturar a fé cristã e apresentar dúvidas antigas como se fossem descobertas revolucionárias.

Contudo, a força da apologética cristã reside precisamente em sua robustez histórica, filosófica e textual. Com milhares de páginas escritas em defesa da Bíblia, o cristianismo oferece respostas fundamentadas, acessíveis e convincentes. O crente que se dedica ao estudo sério das Escrituras e da defesa da fé encontra não apenas refúgio para sua alma, mas também instrumentos para desmascarar os ataques dos chamados “inimigos da Bíblia”.

Assim, esta primeira parte nos convida a enxergar os argumentos críticos com discernimento, firmeza e lucidez, conscientes de que a verdade resiste ao tempo e de que a Bíblia continua sendo — apesar dos séculos de ataques — o livro mais lido, estudado, amado e defendido da história da humanidade.

Bibliografia utilizada e sugerida:

GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética: respostas a críticas de descrentes. São Paulo: Vida, 2002.

GEISLER, Norman L.; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu. São Paulo: Editora Vida, 2006.

HUTCHINSON, Robert J. Uma história politicamente incorreta da Bíblia. Tradução Fabíola Moura. Rio de Janeiro: Agir, 2012.

KENNEDY, D. James. E se Jesus não tivesse nascido? São Paulo: Editora Vida, 2003.

STARK, Rodney. The Triumph of Christianity: How the Jesus Movement Became the World's Largest Religion. Harper, San Francisco: HarperOne, 2012.

Calvinismo Moderado x Hipercalvinismo: Um Desabafo de Charles Spurgeon


Um apelo à integridade do evangelho e à responsabilidade humana diante da graça soberana de Deus

Por Walson Sales

A história da teologia cristã é marcada por disputas que, embora muitas vezes motivadas por zelo pela verdade, acabaram distorcendo aspectos fundamentais da fé bíblica. Um desses confrontos ocorreu no século XIX, e o protagonista foi Charles Spurgeon, conhecido como “o príncipe dos pregadores”, que se posicionou com veemência contra uma perigosa distorção doutrinária que ameaçava o coração do evangelho: o hipercalvinismo.

Spurgeon, embora um confesso calvinista, não hesitou em denunciar com lágrimas e indignação a maneira como alguns levaram os ensinos da soberania de Deus a extremos que beiravam a blasfêmia. Para ele, os hipercalvinistas, ao negarem a responsabilidade humana, minimizarem os convites universais do evangelho e, em casos extremos, apresentarem Deus como autor do pecado, não estavam defendendo a verdade, mas deturpando o caráter do próprio Deus.

Este artigo visa apresentar, em profundidade, o desabafo de Spurgeon — um clamor teológico e pastoral — e refletir sobre os perigos do hipercalvinismo e do antinomianismo, destacando a relevância de se pregar todo o conselho de Deus (Atos 20.27), com equilíbrio, humildade e reverência.

1. Definindo os termos: Hipercalvinismo e Antinomianismo

Antes de adentrarmos nas preocupações de Spurgeon, é necessário esclarecer os termos envolvidos.

Hipercalvinismo é uma doutrina que leva os princípios da teologia calvinista a um extremo lógico não bíblico. É caracterizado por negar que os homens tenham responsabilidade de responder ao evangelho, por rejeitar os chamados universais ao arrependimento e à fé e, em alguns casos, por sugerir que Deus é o autor do pecado. Segundo o Dicionário de Teologia (Champlin & Bentes), hipercalvinismo é: 

“A doutrina que nega o oferecimento livre do evangelho a todos os homens e enfatiza tanto a soberania de Deus na eleição que chega a excluir a necessidade de pregação evangelística e de apelos ao arrependimento.”

Antinomianismo, por sua vez, é a ideia de que, uma vez salvo, o cristão está completamente livre da lei moral, de modo que não precisa mais se preocupar com os mandamentos de Deus. O Evangelical Dictionary of Theology, organizado por Walter A. Elwell, da Baker Academic, define assim:

“A crença de que os cristãos, por estarem sob a graça, não estão mais obrigados a obedecer à lei moral, frequentemente resultando em permissividade e negligência com a santidade.”

Ambas as doutrinas, ainda que diferentes em conteúdo, compartilham a mesma raiz de erro: a mutilação do evangelho. E é contra esse mal que Spurgeon ergue sua voz profética.

2. A mutilação do evangelho: uma verdade parcial torna-se um erro mortal

Spurgeon inicia seu desabafo com um diagnóstico severo, mas profundamente realista:

 “Quantos danos têm sido causados às almas dos homens por homens que só têm pregado uma parte, e não todo o conselho de Deus!”

O evangelho, quando reduzido a um único ponto doutrinário — seja ele a soberania de Deus ou a liberdade humana —, torna-se deformado e espiritualmente tóxico. Para Spurgeon, os hipercalvinistas estavam cometendo o erro clássico de enfatizar uma verdade bíblica isoladamente, sem considerar o conjunto da revelação. Ao pregar apenas a eleição divina, sem o chamado ao arrependimento e fé, esses pregadores estavam traindo a missão do evangelho.

Spurgeon sabia que a soberania de Deus é uma verdade bíblica inegociável, mas também cria que o ser humano é responsável por rejeitar ou acolher o evangelho. Ambas as verdades, embora misteriosas, coexistem nas Escrituras e devem ser pregadas com equilíbrio. Ignorar uma em detrimento da outra é, como ele disse, causar deformidade espiritual tanto no crente quanto na igreja.

3. O perigo real: corações cauterizados e consciências mortas

Spurgeon relata com pesar:

 “Meu coração sangra por muitas famílias sobre as quais a doutrina antinomiana conquistou domínio... cujas consciências foram cauterizadas com ferro quente pela fatal pregação a que deram atenção.”

Esse é o impacto direto do hipercalvinismo quando associado ao antinomianismo: ele mata a consciência. Os pecadores, em vez de ouvirem que devem se arrepender e crer, são instruídos a esperar por uma regeneração irresistível e soberana que talvez nunca venha. O resultado? Letargia espiritual, cinismo religioso e, em muitos casos, endurecimento do coração.

Spurgeon denuncia ministros que, dizendo-se pregadores do evangelho, afirmam que Deus odeia alguns homens “infinita e imutavelmente por nenhuma outra razão senão simplesmente porque decide fazê-lo.” Tais afirmações, além de destituídas de respaldo bíblico, mancham a imagem de um Deus justo, amoroso e longânimo. Elas retratam um Deus arbitrário, caprichoso e injusto — algo que nem mesmo os reformadores do século XVI ousaram afirmar.

4. A distorção do caráter de Deus: o Deus do hipercalvinismo não é o Deus da Bíblia

A acusação de que Deus seria o autor do pecado é talvez a mais grave consequência lógica do hipercalvinismo. Ao enfatizar uma soberania sem limites e divorciada de santidade, justiça e bondade, alguns hipercalvinistas chegaram a atribuir a origem do mal diretamente a Deus.

Contudo, a Escritura é clara:

 “Deus é luz, e nele não há treva nenhuma” (1Jo 1.5).

 “Quando tentado, ninguém deve dizer: ‘Estou sendo tentado por Deus’; pois Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (Tg 1.13).

Spurgeon, ao combater essa teologia, não estava apenas defendendo uma tese doutrinária, mas o próprio caráter do Deus que amava. Para ele, o hipercalvinismo era uma afronta à santidade de Deus, uma negação de Sua justiça e uma traição à clareza do evangelho bíblico.

5. O colapso da vida cristã prática: fanatismo, legalismo e letargia

Outro fruto amargo do hipercalvinismo é o impacto devastador na vida cristã prática. Spurgeon observa como jovens crentes, outrora fervorosos e amorosos, ao adotarem uma teologia extremada, tornaram-se fanáticos, críticos, ásperos e legalistas. A obsessão por uma doutrina isolada destrói a beleza do evangelho vivido, e o amor é substituído pela frieza doutrinária.

Spurgeon também denuncia que, quando se ignora a doutrina e se foca apenas no aspecto prático, o resultado é o legalismo. Como os gálatas, os cristãos passam a agir como se fossem salvos pelas obras. Assim, a falta de equilíbrio teológico conduz tanto ao laxismo quanto ao rigorismo — ambos igualmente perigosos.

6. A urgência da pregação plena: “todo o conselho de Deus”

A solução para esse problema é clara: pregar todo o evangelho. Spurgeon insiste que:

“O crente... só será mantido puro, santo, caridoso, semelhante a Cristo, por uma pregação da verdade completa, como se vê em Jesus.”

Isso inclui a soberania de Deus, sim, mas também a responsabilidade do homem. A eleição divina, sim, mas também os convites universais do evangelho. O mistério da predestinação, sim, mas também o chamado à fé. Como pregador, Spurgeon desejava honrar a Palavra como ela é, sem mutilá-la para torná-la mais palatável ou sistematicamente coerente. Ele sabia que Deus honra a fidelidade, não a criatividade humana.

Conclusão: O grito de Spurgeon ainda ecoa

Apesar de ser um convicto calvinista e defensor dos cinco pontos do calvinismo, chegando até mesmo, em alguns momentos, a afirmar equivocadamente que “o calvinismo é o evangelho”, Charles Spurgeon demonstrou clareza e discernimento ao perceber que muitos calvinistas estavam levando sua teologia longe demais. De um calvinismo moderado, passível de debate e reflexão bíblica, passou-se para uma forma extrema que beirava a heresia. Contra esse abuso — e não contra o calvinismo em si — Spurgeon se levantou com firmeza. Ele se opôs ao hipercalvinismo, à negação da responsabilidade humana, à distorção do caráter de Deus e à ideia perversa de que o Senhor seria o autor do pecado. Sua crítica foi uma tentativa de preservar a integridade do evangelho e da pregação livre e sincera a todos os pecadores.

Seu desabafo registrado por Ian H. Murray não é apenas um lamento do passado, mas um alerta para os nossos dias. O evangelho bíblico não é um quebra-cabeça lógico a ser resolvido, mas a gloriosa revelação de um Deus que é soberano, justo, santo, amoroso e que convida todos os homens em todos os lugares ao arrependimento (At 17.30).

O hipercalvinismo, ao negar a responsabilidade humana, mutila o evangelho, distorce o caráter de Deus e desfigura a vida cristã. E isso não pode ser ignorado. Que preguemos, com fidelidade e temor, todo o conselho de Deus, como Spurgeon fez. Que não tenhamos medo do mistério, mas temamos a mutilação da verdade. E que jamais troquemos a glória de um Deus justo e amoroso por um ídolo criado à imagem de sistemas teológicos distorcidos.

Bibliografia utilizada e sugerida

Champlin, R. N.; Bentes, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Hagnos.

Elwell, Walter A. (Org.). Evangelical Dictionary of Theology. 2ª ed. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 2001.

Murray, Ian H. Spurgeon versus Hipercalvinismo: A Batalha pela Pregação do Evangelho. São Paulo: PES, 2006.

domingo, 14 de dezembro de 2025

Cosmovisões em Conflito: Uma Análise Apologética Comparativa

Por Walson Sales

No cerne do debate filosófico e teológico, encontra-se a análise das cosmovisões — estruturas conceituais pelas quais os seres humanos interpretam a realidade, a existência e o sentido da vida. Cada cosmovisão propõe respostas fundamentais às grandes questões da humanidade: Quem somos? De onde viemos? Por que existimos? Existe um Deus? Qual o sentido da vida? Essas perguntas não apenas moldam a cultura e a moralidade de povos e indivíduos, mas têm implicações profundas para o comportamento, a ciência, a política, a religião e a arte. Este artigo oferece uma exposição sistemática das principais cosmovisões apresentadas na literatura apologética clássica e contemporânea, com base em autores renomados como Norman Geisler, William Watkins, James Sire, Joseph Holden, John Ankerberg, John Lennox, Robert Bowman e C. S. Lewis. Após a exposição de sete visões clássicas, acrescentaremos outras perspectivas também relevantes para o debate contemporâneo.

1. A Importância da Filosofia para a Teologia Cristã e a Apologética

A filosofia é indispensável para a teologia cristã e para a prática apologética. Ela fornece as ferramentas conceituais para definir termos, construir argumentos lógicos e detectar falácias. Agostinho, Tomás de Aquino e outros pensadores cristãos demonstraram como a razão pode ser aliada da fé. A boa filosofia fortalece a apologética ao fundamentar racionalmente a cosmovisão cristã e refutar ideias contrárias. Norman Geisler dizia que a filosofia é a melhor aliada da teologia, quando submetida às Escrituras. Autores como C. S. Lewis, John Lennox e William Lane Craig utilizaram argumentos filosóficos robustos para defender a existência de Deus, a confiabilidade da Bíblia e a historicidade da ressurreição. Ignorar a filosofia abre espaço para sofismas que seduzem mentes despreparadas, sobretudo entre os jovens.

2. Teísmo

O teísmo sustenta que um Deus pessoal, infinito e transcendente criou o universo, sustenta sua existência e intervém de modo sobrenatural na história. Essa cosmovisão afirma tanto a transcendência quanto a imanência de Deus. Os teístas creem que Deus é distinto da criação, mas também presente nela. Essa visão é sustentada pelas religiões monoteístas clássicas: Judaísmo, Cristianismo e islamismo.

A apologética cristã tem demonstrado que o teísmo oferece uma explicação coerente para a origem do universo, a existência de leis morais objetivas e a inteligibilidade do mundo. Além disso, a ressurreição de Jesus é apresentada como um evento histórico verificável que confirma a veracidade do cristianismo teísta.

3. Ateísmo

O ateísmo nega a existência de qualquer divindade. O universo é considerado autocontido, eterno ou originado por processos naturais aleatórios. Essa visão encontra representatividade em pensadores como Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Jean-Paul Sartre. O ateísmo propõe uma realidade puramente material, sem propósito ou sentido transcendental.

A crítica apologética destaca que o ateísmo é incapaz de justificar a existência de valores morais objetivos, a racionalidade ou a origem da informação genética. Apologistas como William Lane Craig argumentam que o ateísmo exige mais fé do que o teísmo, ao postular que o universo veio do nada, sem causa ou inteligência.

4. Panteísmo

O panteísmo identifica Deus com o universo. Não há distinção entre Criador e criação. Tudo é Deus, e Deus é tudo. Essa visão está presente em formas do hinduísmo, no budismo zen e no movimento Nova Era.

Embora proponha uma união espiritual com o Todo, o panteísmo dilui a identidade pessoal e nega a realidade do mal como algo objetivo. A apologética cristã aponta que, se tudo é Deus, então o mal também é Deus, o que leva a contradições lógicas insolúciveis.

5. Panenteísmo

No panenteísmo, Deus está no universo como a mente está no corpo. Há um aspecto de Deus que transcende o universo, mas a realidade física é também parte de Sua "natureza". Representado por Alfred North Whitehead e Charles Hartshorne, o panenteísmo combina elementos do teísmo com o panteísmo.

O problema com o panenteísmo, segundo Geisler (2002), é que ele compromete a imutabilidade e a perfeição divina, tornando Deus dependente do universo. Isso conflita com a doutrina cristã de um Deus eterno e autosuficiente.

6. Deísmo

O deísmo afirma que Deus criou o universo, mas não mais interage com ele. Deus é transcendente, mas não imanente. Não há milagres, revelação especial nem intervenção divina. Os deístas defendem uma religião racionalista e naturalista, como exemplificado em Thomas Jefferson e Thomas Paine.

A apologética cristã refuta o deísmo ao demonstrar a confiabilidade histórica das Escrituras e os testemunhos de milagres, especialmente a ressurreição de Cristo. O deísmo reduz Deus a um relojoeiro distante, ignorando a experiência espiritual e as evidências da providência divina.

7. Teísmo do Deus Finito (Finite Godism)

Essa visão sustenta que Deus é pessoal e ativo no mundo, mas limitado em poder. William James e Harold Kushner propuseram essa ideia para lidar com o problema do mal: Deus quer evitar o sofrimento, mas não tem poder para impedi-lo completamente.

A apologética responde que um Deus limitado não pode garantir a redenção nem inspirar verdadeira esperança. O Deus das Escrituras é soberano, onipotente e bom, ainda que permita o mal para fins superiores.

8. Politeísmo

No politeísmo, existem várias divindades finitas e em conflito. Essa visão foi comum na religião greco-romana e persiste em seitas modernas como o mormonismo. Os deuses politeístas são localizados, limitados e muitas vezes antropomórficos.

A apologética demonstra que tal visão é filosoficamente insustentável, pois não responde à questão da causa primeira absoluta nem justifica a unidade e inteligibilidade do universo.

9. Agnosticismo

O agnosticismo afirma que não se pode saber se Deus existe. Essa posição, frequentemente atribuída a Thomas Huxley, evita um compromisso metafísico, mas é internamente instável. Ao afirmar que não se pode saber, assume-se um conhecimento que contradiz sua premissa.

10. Materialismo

O materialismo é a crença de que apenas a matéria existe. Toda consciência, moralidade e pensamento são produtos de reações químico-biológicas. Tal visão é comum no naturalismo científico contemporâneo. Contudo, não consegue explicar a consciência, o livre-arbítrio e a racionalidade.

11. Racionalismo

O racionalismo considera a razão humana como fonte suprema de conhecimento. No entanto, ignora a limitação da mente humana e despreza a revelação divina. A apologética argumenta que a razão deve ser usada em harmonia com a fé, e não como sua substituta.

12. Cientificismo

O cientificismo é a crença de que somente a ciência pode fornecer conhecimento verdadeiro. Essa visão é autocontraditória, pois a afirmação "só a ciência fornece verdade" não é uma proposição científica, mas filosófica. Portanto, o cientificismo refuta a si mesmo.

13. Relativismo moral

O relativismo moral sustenta que não há verdades morais absolutas; o certo e o errado dependem da cultura ou opinião pessoal. Isso é refutado pelo senso comum e por experiências universais de justiça. A apologética mostra que sem valores objetivos, não há como condenar a escravidão, o genocídio ou o abuso.

14. Pós-modernismo

O pós-modernismo nega a existência de metanarrativas e verdades universais. Tudo é construção social e linguagem. Essa visão leva ao niilismo e à irracionalidade, pois mina a própria comunicação e argumentação. A apologética cristã afirma que a verdade é objetiva, revelada e acessível.

15. Monismo

O monismo afirma que tudo é uma única realidade indivisível, seja matéria ou espírito. Essa visão compartilha elementos com o panteísmo. A apologética responde que tal visão anula a distinção entre bem e mal, eu e outro, o que é irracional e incoerente com a experiência humana.

16. Evolucionismo

O evolucionismo, em sua forma mais comum, é a crença de que todas as formas de vida se desenvolveram a partir de um ancestral comum por meio de processos naturais como mutações aleatórias e seleção natural, ao longo de bilhões de anos. Embora haja versões teístas dessa ideia (como a evolução teísta), o evolucionismo naturalista exclui qualquer intervenção sobrenatural, sendo um pilar do naturalismo moderno.

Essa visão propõe uma explicação para a origem e diversidade da vida baseada exclusivamente em mecanismos materiais, o que conduz inevitavelmente ao materialismo filosófico e à negação de um Criador pessoal. Autores como Richard Dawkins e Stephen Jay Gould defendem essa abordagem como a única compatível com uma ciência moderna, rejeitando qualquer inferência inteligente.

A crítica apologética aponta que o evolucionismo falha em vários aspectos. Primeiro, ele não consegue explicar satisfatoriamente a origem da vida (abiogênese), pois os processos evolutivos só se aplicam a organismos vivos. Em segundo lugar, não há evidências suficientes de que mutações aleatórias e seleção natural possam produzir a complexidade irredutível observada em sistemas biológicos, como argumentam Michael Behe e Stephen Meyer. Além disso, a informação genética presente no DNA é mais bem explicada por uma mente inteligente do que por forças cegas e não direcionadas da natureza.

Do ponto de vista teológico, o evolucionismo naturalista contradiz os ensinamentos centrais das Escrituras sobre a criação especial do ser humano, a queda e o pecado original.

Portanto, embora o evolucionismo pretenda oferecer uma explicação científica abrangente para a vida, ele esbarra em limites filosóficos, científicos e teológicos que o tornam uma cosmovisão frágil diante das evidências e da revelação bíblica.

Conclusão

Ao analisar as 16 principais cosmovisões aqui apresentadas, observamos que elas se contradizem mutuamente em suas proposições fundamentais, e portanto não podem todas ser verdadeiras. A apologética cristã, ao se basear na razão, na evidência histórica e na revelação divina, oferece respostas satisfatórias para as grandes questões da vida. O teísmo cristão emerge como a cosmovisão mais coerente, abrangente e esperançosa, capaz de explicar a origem do universo, a existência da moralidade, a consciência, a razão e a esperança de redenção.

Bibliografia utilizada e sugerida:

BEHE, Michael J.

A Caixa Preta de Darwin: O desafio da bioquímica à teoria da evolução. Tradução de Gabriele Greggersen. São Paulo: Jorge Zahar Editor, 1997.

BEHE, Michael J.

Darwin Devolves: The new science about DNA that challenges evolution. New York: HarperOne, 2019.

BEHE, Michael J.

The Edge of Evolution: The search for the limits of Darwinism. New York: Free Press, 2007.

BOWMAN, Robert M.

Faith Has Its Reasons: An integrative approach to defending Christianity. Baker Academic, 2006.

GEISLER, Norman.

Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Vida, 2002.

GEISLER, Norman L.; WATKINS, William D.

Worlds Apart: A handbook on world views. 2. ed. Eugene, Oregon: Wipf and Stock Publishers, 2003.

HOLDEN, Joseph M. (Editor Geral)

Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

LENNOX, John.

Contra a Correnteza: A inspiração de Daniel para uma época de relativismo. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

LEWIS, C. S.

Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2006.

MEYER, Stephen C.

Darwin’s Doubt: The explosive origin of animal life and the case for intelligent design. New York: HarperOne, 2013.

MEYER, Stephen C.

Return of the God Hypothesis: Three scientific discoveries that reveal the mind behind the universe. New York: HarperOne, 2021.

MEYER, Stephen C.

Signature in the Cell: DNA and the evidence for intelligent design. New York: HarperOne, 2009.

SIRE, James.

The Universe Next Door: A basic worldview catalog. Downers Grove: InterVarsity Press, 2009.

Série Cosmovisões: Definindo o Panteísmo

Parte 3 – As Contradições do Panteísmo

Por Walson Sales

O panteísmo, presente nas grandes tradições religiosas orientais como o hinduísmo, o taoismo e o budismo mahayana, propõe que tudo é Deus, e Deus é tudo. Esta cosmovisão, embora revestida de uma linguagem poética e mística, entra em sérias contradições filosóficas, lógicas e existenciais. Neste artigo — com base na análise de Patrick Zukeran em Guia Geral da Apologética Cristã, editado por Joseph M. Holden — serão expostos os principais erros e falhas internas do panteísmo, com uma resposta apologética cristã robusta e racional. A filosofia cristã, enraizada na revelação divina e sustentada pela razão, se mostra superior em coerência, aplicabilidade prática e suporte evidencial.

1. Uma Cosmovisão Autodestrutiva

Zukeran evidencia um problema lógico profundo no cerne do panteísmo: sua natureza autodestrutiva. Se todo ser humano é, em essência, Deus, como pode esse ser, por definição eterno e imutável, esquecer sua verdadeira natureza e passar por mudanças?

Como aponta Norman Geisler:

> "Deus, por definição, é eterno e imutável. No entanto, os humanos se esquecem de que são divinos e devem tornar-se iluminados para o seu verdadeiro eu. Isso significa que eles sofrem mudanças. Se Deus é imutável, como o homem pode ser Deus se o homem progride e muda?" (Geisler, Worlds Apart)

O argumento é devastador. O panteísmo se anula logicamente. Uma entidade mutável não pode ser igual a uma entidade imutável. E se o homem é Deus, então Deus muda, e já não é Deus. Trata-se de uma falácia categorial: confundir dois tipos de seres ontologicamente distintos — o eterno e o temporal, o imutável e o mutável.

A fé cristã, ao contrário, sustenta que o ser humano é criatura, e Deus é Criador. A mudança pertence ao homem, enquanto Deus é eternamente o mesmo (Malaquias 3:6). Essa distinção é lógica, bíblica e filosoficamente coerente.

2. Deus É Incognoscível, Mas Conhecido?

Outro ponto de contradição severa é a inconsistência com que o panteísmo define Deus. De um lado, afirmam que Deus é indescritível e incognoscível. De outro, produzem volumosos tratados tentando descrever exatamente o que Deus é.

Ora, se Deus não pode ser conhecido, como pode ser definido? Essa contradição mina a credibilidade da cosmovisão. Patrick Zukeran aponta essa tensão, e Swami Vivekananda, uma das maiores autoridades do hinduísmo moderno, agrava ainda mais o problema:

> “Como o perfeito pode se tornar quase perfeito; como pode o puro, o absoluto, mudar até mesmo uma partícula microscópica de sua natureza? [...] Não sei como o ser perfeito, a alma, passou a se considerar imperfeita, unida e condicionada pela matéria.” (Vivekananda, citado em Murray, 2014)

Se o próprio líder espiritual confessa ignorância sobre um ponto central de sua doutrina, como pode a base dessa fé ser sustentada? O Cristianismo, em contraste, não apresenta um Deus confuso ou etéreo, mas um Deus que se revelou na história e de forma inteligível — por meio da criação, da consciência moral, das Escrituras e, suprema e pessoalmente, em Jesus Cristo.

3. O Panteísmo Falha na Vivência

O panteísmo afirma que o mundo e o eu individual são ilusões (maya). No entanto, nenhuma pessoa vive de forma coerente com esse conceito. Como afirma Zukeran:

> “Ainda não encontrei um panteísta que não pula fora do caminho de um veículo que se aproxima.”

Se o mundo é ilusão, por que temer a dor, a morte ou o sofrimento? Se o "eu" é ilusão, como explicar as relações interpessoais, a responsabilidade moral, os vínculos familiares?

A cosmovisão cristã é plenamente vivenciável. Reconhece a realidade objetiva do mundo, a distinção entre o eu e o outro, e a validade do sofrimento como parte da experiência humana num mundo caído, mas redimível.

4. O Problema do Mal

Zukeran afirma que o panteísmo é incapaz de lidar satisfatoriamente com o problema do mal. Se tudo é Deus, e Deus é tudo, então o mal também faz parte de Deus?

Geisler apresenta quatro possibilidades:

1. Se Deus é totalmente bom, o mal deve estar fora dEle — mas nada pode existir fora de Deus no panteísmo.

2. Se Deus é totalmente mau, o bem deve estar fora dEle — o mesmo problema.

3. Deus é bom e mau ao mesmo tempo — uma contradição lógica.

4. Bem e mal são ilusões — o que é refutado pela experiência humana.

Dizer que o mal não existe de fato é uma negação cruel da realidade. Como observa Zukeran, panteístas choram a morte de entes queridos, sentem dor, protestam contra injustiças. Isso revela que, intuitivamente, sabem que o mal é real.

A visão cristã é muito mais robusta: o mal é uma corrupção do bem, introduzida pela rebelião da criatura contra o Criador, mas Deus providenciou a redenção em Cristo. Essa é uma explicação lógica, moral e existencialmente satisfatória.

5. As Evidências Apontam para um Criador Pessoal

O panteísmo ensina que o universo é eterno. Contudo, a ciência moderna diz o oposto. O universo teve um início. A teoria da relatividade de Einstein, o desvio para o vermelho (Hubble), o eco da radiação de fundo e as leis da termodinâmica confirmam que o cosmos teve um começo.

Como diz William Lane Craig:

> “Tudo que começa a existir tem uma causa. O universo começou a existir. Logo, o universo tem uma causa.” (Craig, Em Guarda)

Essa causa precisa ser atemporal, imaterial, poderosa e pessoal — atributos do Deus bíblico, não de um “tudo é Deus” impessoal.

6. A Complexidade e o Design do Universo

O universo apresenta evidências de design. A informação contida no DNA, a complexidade do núcleo celular, as constantes físicas do cosmos — tudo aponta para uma Mente inteligente.

Como explica a Baker Encyclopedia of Christian Apologetics:

> “Design exige um projetista.”

O panteísmo não tem espaço para um ser pessoal e intencional. O Cristianismo, sim — e isso torna muito mais racional e coerente crer em um Criador que projetou tudo com propósito e sentido.

7. A Lei Moral Universal

Zukeran destaca que a existência de uma lei moral universal exige um Legislador moral. Não se pode derivar obrigação moral de uma força impessoal, como defende o panteísmo. A moralidade só faz sentido quando está ancorada na natureza de um ser pessoal, santo e justo.

O apóstolo Paulo afirma que a lei está escrita no coração humano (Romanos 2:14-15). Isso confirma o que já é evidente: há um senso moral inato que aponta para um Criador pessoal que se importa com o bem e o mal.

Conclusão

O panteísmo é contraditório, logicamente incoerente, existencialmente impraticável e filosoficamente insustentável. Ele falha em explicar a realidade do mal, a moralidade, a individualidade e as origens do universo. Apesar de sua aparência espiritual e harmônica, é uma cosmovisão que não resiste ao teste da razão e da experiência humana.

Como afirma Zukeran:

> “O Ocidente está arraigado em ideologias pós-modernas, como o relativismo da verdade, o relativismo moral e o pluralismo (todas essas visões têm algum elemento da verdade). Esses dogmas sintetizam bem com a cosmovisão do panteísmo, que fornece o componente espiritual para a visão da realidade. Podemos esperar que o panteísmo continue se espalhando no Ocidente, especialmente porque ativistas progressistas estão popularizando as questões ambientais como sua principal preocupação moral. Portanto, é imperativo que os cristãos entendam essa cosmovisão e se contraponham a ela com argumentos convincentes que levem as pessoas para a verdade de Cristo e seu glorioso evangelho.”

E, como adendo final, é necessário alertar:

Em todas as doutrinas religiosas orientais, como o Panteísmo, o ser humano só descobrirá se o que acreditava era verdade após a morte. Essa é uma aposta perigosa, pois, se estiver errado, já será tarde demais. Blaise Pascal, filósofo e matemático francês, propôs que, diante da incerteza, é mais sensato viver como se o Cristianismo fosse verdadeiro, pois, se for, o ganho é eterno; se não for, nada se perde. O Panteísmo exige uma fé cega no desconhecido, enquanto o Cristianismo oferece garantias históricas, morais e existenciais *antes* da morte. Apostar na doutrina errada pode não custar apenas esta vida — mas a eternidade.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- ZUKERAN, Patrick. O que é o Panteísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

- VIVEKANANDA, Swami. Apud. MURRAY, Abdu. Grand Central Question. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2014.

- GEISLER, Norman; ATKINS, William D. Worlds Apart. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1989.

- GEISLER, Norman. Baker Encyclopedia of Christian Apologetics. Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1999.

- CRAIG, William Lane. Em Guarda. São Paulo: Vida Nova, 2013.

sábado, 13 de dezembro de 2025

Série Cosmovisões: Definindo o Panteísmo – Parte 2 – Os Tentáculos do Panteísmo

Uma visão abrangente e uma resposta apologética vigorosa à cosmovisão panteísta

Por Walson Sales

O panteísmo está longe de ser uma filosofia marginal. Ele perpassa grande parte das religiões orientais, influencia profundamente movimentos espirituais contemporâneos, invade a cultura popular por meio do cinema, da literatura e das práticas de bem-estar, e molda a mentalidade de milhões ao redor do mundo. Na Parte 1 desta série, abordamos a definição essencial do panteísmo e seu fascínio atual. Nesta Parte 2, aprofundaremos suas principais crenças e faremos uma análise apologética crítica e robusta à luz da cosmovisão cristã.

Baseando-se no texto de Patrick Zukeran, presente na obra Guia Geral da Apologética Cristã, editada por Joseph M. Holden, este artigo apresenta os pilares da visão de mundo panteísta e propõe uma resposta teísta-cristã lógica, ética e teologicamente coerente.

1. A Natureza do Universo: Tudo é Deus

O panteísmo entende que o universo não foi criado ex nihilo (do nada), como ensina o teísmo bíblico, mas que ele emana de Deus (ex deo), como uma teia da aranha que se estende de seu próprio corpo. Deus é a única e verdadeira realidade, e o universo é uma extensão ou manifestação dessa realidade divina. Os Upanixades afirmam:  

> “Tudo neste mundo efêmero pertence ao Senhor, porque todo o universo saiu dele. Ele permeia tudo no universo.”

O panteísmo absoluto, especialmente no budismo, interpreta o universo físico como *maya*, isto é, ilusão. Tudo o que muda é ilusório; a verdadeira realidade é permanente, transcendente e impessoal. Em contraste, o teísmo cristão afirma que Deus criou o universo como algo real, bom, distinto de si mesmo e dotado de sentido e propósito. Deus é o Criador, e o cosmos é sua criação, não sua extensão.

Resposta apologética:

A negação da realidade do mundo físico conduz ao colapso do conhecimento empírico e do senso comum. Se tudo o que percebemos é ilusão, como confiar em qualquer percepção da realidade, inclusive na ideia de que tudo é ilusão? A visão bíblica é epistemicamente mais robusta: ela afirma a realidade do mundo físico e fornece uma base confiável para a ciência, a moralidade e o valor da vida.

2. A Natureza do Homem: O Eu é Ilusão

O panteísmo afirma que o indivíduo humano, o atman, é idêntico ao Brahma. Não existe um “eu” pessoal real, mas apenas um princípio impessoal que precisa ser reconhecido como parte do todo. A expressão hindu "Atman é Brahma" resume essa concepção. O verdadeiro “eu” é impessoal, e a individualidade é vista como ignorância espiritual.

Segundo os Upanixades:

> “Quando um homem se identifica com seu corpo, com todas as suas limitações, então ele é uma criatura minúscula [...]. Quando ele se identifica com seu eu interior, o Atman, que é ilimitado, imortal e feliz, ele alcança a divindade nesta mesma vida.”

Resposta apologética:

Se a individualidade é mera ilusão, desaparece a base para o valor intrínseco da pessoa, a liberdade moral e a responsabilidade ética. A visão cristã, ao contrário, reconhece o ser humano como criatura única, feita à imagem de Deus, dotada de valor, dignidade e individualidade. O cristianismo promove uma ontologia pessoal, na qual o indivíduo tem identidade real e é chamado a um relacionamento pessoal com Deus.

3. Destino Humano: O Ciclo da Reencarnação

No panteísmo, o ser humano está preso ao ciclo do samsara, o ciclo de renascimentos, governado pela lei do carma. As ações realizadas nesta vida — boas ou más — determinam o estado da existência futura. A alma (*atman*) vagueia, reencarnando sucessivamente até alcançar a iluminação que põe fim ao ciclo e absorve o ser no divino.

Resposta apologética:  

A doutrina da reencarnação contradiz a realidade da justiça. Se a dor e a miséria são resultados de más ações em vidas passadas, isso legitima a indiferença diante do sofrimento e perpetua sistemas opressivos. A doutrina bíblica ensina que o ser humano morre uma só vez e, em seguida, enfrenta o juízo (Hb 9.27). O destino eterno é decidido nesta vida e depende da resposta ao chamado de Deus. O cristianismo oferece esperança real, pessoal e redentora, baseada na graça e não no esforço humano.

4. Salvação: Iluminação ou Graça?

No panteísmo, o problema do ser humano é a ignorância de sua identidade divina. A salvação ocorre quando se alcança a iluminação, isto é, o reconhecimento de que o eu é um com o absoluto. Essa salvação é fruto de esforço próprio, de práticas espirituais e ascéticas que buscam a união com o divino.

O estudioso Shyam Shukla afirma:

> “O homem, ao se identificar com seu corpo, é fraco e mortal; ao se identificar com o Atman, alcança a divindade.”

Resposta apologética:

A salvação, segundo o cristianismo, não é alcançada por esforço humano, mas é um dom de Deus, oferecido por meio de Jesus Cristo. O Salvador pagou o preço da redenção humana por sua morte na cruz. A ideia panteísta de que o eu se salva a si mesmo é incoerente com a constatação universal da incapacidade humana de atingir perfeição. Somente o Evangelho oferece uma salvação realista e graciosa.

5. Pluralismo Religioso: Todos os Caminhos Levam a Deus?

O panteísmo sustenta que, já que tudo é um, todas as religiões são manifestações legítimas do mesmo absoluto. O pluralismo é, portanto, consequência lógica. Jesus é visto apenas como um mestre iluminado entre outros, um caminho entre muitos.

Resposta apologética:

A afirmação de que todas as religiões são iguais contradiz as próprias religiões, que fazem reivindicações mutuamente exclusivas. O cristianismo afirma que Jesus é o único caminho, verdade e vida (Jo 14.6). Ou ele é quem disse ser — o Filho de Deus, único mediador entre Deus e os homens — ou foi um impostor ou iludido. O pluralismo dissolve a verdade em nome da tolerância e resulta numa incoerência lógica.

6. Ética: Além do Bem e do Mal?

Embora as tradições panteístas exortem uma vida moral, afirmam que a moralidade é apenas uma etapa no caminho para a iluminação. Uma vez iluminado, o indivíduo transcende o bem e o mal. A Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion explica:

> “Deus está além do bem e do mal, e o homem deve transcendê-los como Deus. A realidade última está além do bem e do mal [...] o bem e o mal são uma ilusão.”

Resposta apologética:

A negação de absolutos morais implica que nenhuma ação pode ser objetivamente errada. Isso anula qualquer base firme para a justiça, os direitos humanos e a condenação de práticas perversas. O teísmo cristão oferece uma base objetiva para a moralidade: Deus é o Legislador Moral, e seu caráter é o padrão do bem. A lei de Deus é refletida na consciência humana e revelada nas Escrituras (Rm 2.14–15).

Conclusão

O panteísmo oferece uma cosmovisão sedutora por sua aparente profundidade espiritual, unidade com o universo e promessa de iluminação. Contudo, sua proposta dissolve a realidade, despersonaliza o ser humano, anula a moralidade e oferece uma salvação impossível por esforço próprio.

A apologética cristã precisa responder com firmeza e compaixão. A visão teísta bíblica afirma um Deus pessoal, criador e distinto do universo, que valoriza cada indivíduo, revela a verdade, estabelece padrões morais e oferece salvação por meio de um relacionamento com Jesus Cristo.

Conforme expressa Norman Geisler:

> “A verdade não pode ser todas as coisas para todas as pessoas ao mesmo tempo. O panteísmo, em sua essência, nega a diferença entre verdade e erro — e, ao fazê-lo, contradiz a própria razão.”

O cristianismo, ao contrário, é uma fé racional, relacional e redentora. A resposta ao panteísmo está na verdade do Deus pessoal e gracioso revelado nas Escrituras.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- ZUKERAN, Patrick. O que é o Panteísmo e qual é a sua falha essencial? In: HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

- SIRE, James W. The Universe Next Door: A Basic Worldview Catalog. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2009.  

- GEISLER, Norman L; WATKINS , William D; Worlds Apart: A Handbook on World Views. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1989. 

- SHUKLA, Shyam. The Upanishads: An Introduction. New Delhi: Oriental Books, 1992. 

- SCHUMAKER, Stephan; WOERNER, Gert (eds). The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion. Boston: Shambhala, 1994.  

- The Upanishads. Tradução de Swami Prabhavananda e Frederick Manchester. Nova York: Penguin Classics, 2007.

Série Cosmovisões: Definindo o Panteísmo

Parte 1 - Panteísmo, uma crença que rege o mundo pagão

Por Walson Sales

Ao longo da história da humanidade, diversas cosmovisões surgiram para tentar responder às grandes questões da existência: Quem somos? De onde viemos? Qual é o sentido da vida? Para onde vamos? Entre essas cosmovisões, destaca-se o *panteísmo*, um sistema de crença milenar que permanece vigoroso no cenário contemporâneo, especialmente através da influência de religiões orientais, movimentos espirituais da Nova Era e da cultura popular ocidental.

Neste artigo — o primeiro de uma série dedicada à análise crítica do panteísmo — faremos uma exposição de sua definição essencial e de seus desdobramentos filosóficos e religiosos, baseando-nos principalmente no texto de Patrick Zukeran, no capítulo "O que é o Panteísmo e qual é a sua falha essencial?", incluído no Guia Geral da Apologética Cristã editado por Joseph M. Holden. Faremos uso também de outras obras como The Universe Next Door de James Sire, a Baker Encyclopedia of Christian Apologetics de Norman Geisler, e a The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion.

1. A presença do panteísmo nas religiões e na cultura moderna

O panteísmo constitui o alicerce de várias tradições religiosas do Oriente, incluindo o hinduísmo, o taoísmo e diversas formas de budismo, além de ter influência direta sobre a Ciência Cristã, a Igreja da Unificação e os sistemas de crença da Nova Era. Com sua ênfase na unidade entre o ser humano, a natureza e o cosmos, o panteísmo apresenta um apelo espiritual e estético que, em tempos recentes, tem sido amplamente difundido por meio da cultura pop.

Filmes como Star Wars e Avatar são exemplos paradigmáticos dessa estética e teologia panteísta. O conceito da "Força" em Star Wars, por exemplo, reflete claramente a ideia de uma energia cósmica impessoal que perpassa todos os seres, semelhante ao conceito hindu de Brahma. Em Avatar, a conexão mística entre todos os seres vivos e a natureza — em especial com a entidade de Eywa — comunica a mesma visão espiritual cósmica de totalidade e unidade.

Além disso, práticas populares como ioga, meditação transcendental, acupuntura, tai chi e outras expressões místicas orientais promovem o panteísmo como uma filosofia de equilíbrio, saúde e conexão com a "energia do universo". Esse movimento ganhou força nos círculos ambientalistas, que frequentemente promovem a ideia de que "somos um com a natureza", o que, embora nobre em termos de conservação ambiental, traz consigo uma cosmovisão metafísica incompatível com o teísmo cristão.

2. A definição essencial do panteísmo

Etimologicamente, o termo panteísmo vem da junção de dois termos gregos: pan (“tudo”) e theos (“Deus”). Portanto, significa literalmente: "Tudo é Deus" ou "Deus é tudo". Essa ideia implica a identidade entre Deus e o universo. Ou seja, não há distinção entre Criador e criação. Deus não é um ser pessoal que transcende o universo, como ensina o teísmo cristão, mas uma força impessoal e imanente que permeia tudo o que existe.

James Sire define o panteísmo da seguinte forma:

> “Deus é a realidade única, infinitamente impessoal e suprema. Ou seja, Deus é o cosmos. Deus é tudo o que existe; não existe nada que não seja Deus” (SIRE, The Universe Next Door).

Esse conceito implica que tudo — árvores, animais, pedras, seres humanos e até mesmo pensamentos — são expressões ou manifestações de Deus. Não há separação entre o divino e o mundo material. A multiplicidade das coisas que percebemos é, para o panteísta, uma ilusão de separação.

3. Deus como força impessoal: a negação da pessoalidade divina

Uma das características centrais do panteísmo é a negação da pessoalidade de Deus. Deus não é um ser consciente, intencional, com vontade e moralidade, mas uma realidade indiferenciada, impessoal, que não pensa, sente ou age com propósito moral.

Segundo a Baker Encyclopedia of Christian Apologetics, de Norman Geisler:

> “Personalidade, consciência e intelecto são características das manifestações inferiores de Deus, mas não devem ser confundidas com Deus em seu ser essencial.”

Dessa forma, seres humanos ou deuses menores, como os avatares no hinduísmo, podem expressar traços de personalidade, mas esses traços não pertencem à realidade última, que é impessoal. Assim, a experiência de “Deus pessoal” no panteísmo é apenas uma manifestação limitada de algo que, em sua essência, não é nem pessoal nem relacional.

4. Brahma: o conceito impessoal do divino no hinduísmo

O conceito de Brahma, no hinduísmo, é uma ilustração clara da divindade impessoal panteísta. De acordo com a The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion:

> “Brahma é um conceito abstrato que não é acessível à mente pensante [...]. Brahma é um estado de pura transcendência que não pode ser apreendido pelo pensamento ou pela fala.”

Essa citação revela a crença de que Deus está além de qualquer forma de linguagem ou entendimento racional. Essa incompreensibilidade absoluta de Brahma o torna inalcançável e impessoal. Isso contrasta profundamente com o Deus cristão, que se revela pessoalmente* e *racionalmente compreensível, mesmo que em parte, por meio da criação, da consciência humana, da Palavra escrita e, culminantemente, por meio de Jesus Cristo.

5. O apelo do panteísmo e os perigos apologéticos

O apelo do panteísmo está na sua ênfase na unidade de todas as coisas, no sentimento de conexão com o cosmos, e na fuga da distinção entre bem e mal como entidades absolutas. Essa mentalidade é sedutora em um mundo pluralista e subjetivista, pois oferece uma espiritualidade sem culpa, sem juízo, e sem compromisso moral objetivo.

Contudo, apologeticamente, o panteísmo minimiza a realidade da experiência humana, pois nega distinções fundamentais como sujeito/objeto, certo/errado, criador/criatura. Ao ensinar que tudo é um — e que toda distinção é ilusão — o panteísmo entra em colisão com a lógica e com a experiência real do mundo.

Se tudo é um e tudo é Deus, então o mal também é Deus. Isso anula qualquer base moral objetiva. Se o sofrimento é ilusão, como propõem muitos panteístas, o sofrimento das vítimas de violência ou injustiça se torna uma percepção ilusória, não uma realidade a ser enfrentada e reparada.

Conclusão: O panteísmo diante da verdade revelada

Nesta primeira parte de nossa série, ficou evidente que o panteísmo é uma cosmovisão religiosa e filosófica profundamente influente, antiga e contemporânea, com forte apelo emocional e espiritual, especialmente em tempos de confusão moral e existencial.

Entretanto, sua proposta central — a identificação entre Deus e o universo — anula a pessoalidade divina, relativiza a moralidade e dissolve as distinções fundamentais que estruturam a realidade e o pensamento racional. O panteísmo não oferece uma base adequada para a dignidade humana, a moralidade objetiva ou a esperança escatológica.

A Bíblia apresenta um Deus pessoal, criador, distinto da criação, mas profundamente envolvido com ela. Um Deus que é *Pai*, que se revela, que ama, que julga, que salva. E isso é absolutamente oposto à força impessoal e silenciosa do panteísmo.

Na próxima parte, examinaremos as principais falhas lógicas e filosóficas do panteísmo, com base no mesmo autor e em fontes adicionais.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- SIRE, James W. The Universe Next Door: A Basic Worldview Catalog. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 2009.

- GEISLER, Norman L. Baker Encyclopedia of Christian Apologetics. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1999.

- SCHUMAKER, Stephan; GERT, Werner (Eds). The Rider Encyclopedia of Eastern Philosophy and Religion. Boston: Shambhala, 1994.

- ZUKERAN, Patrick. O que é o Panteísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Série Cosmovisões: Definindo o Ateísmo e Demonstrando Suas Fraquezas

Parte 2 – Falhas Racionais e Efeitos Devastadores do Ateísmo

Por Walson Sales

O ateísmo contemporâneo, apesar de seu apelo popular entre setores acadêmicos e culturais, permanece, em sua essência, uma negação. Ele se propõe a negar a existência de Deus, rejeitar a metafísica cristã e a substituir os fundamentos teístas da racionalidade e da moralidade por uma base naturalista. No entanto, conforme demonstrado por David R. C. Deane no capítulo “O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial?” do Guia Geral da Apologética Cristã, essa negação se sustenta sobre alicerces frágeis e autorrefutáveis. Deane nos conduz a uma análise minuciosa da inconsistência interna do ateísmo e dos efeitos corrosivos que sua lógica impõe à razão, à ciência, à moral e à própria existência humana.

Neste artigo, pretendemos explorar e ampliar os argumentos de Deane, demonstrando que o ateísmo não apenas falha racionalmente, mas carrega consigo consequências devastadoras para a cosmovisão humana. Também argumentaremos que a razão e a fé cristã não são inimigas; ao contrário, a razão encontra sua justificação última no teísmo, enquanto o ateísmo não oferece base racional para o conhecimento, uma vez que não consegue justificar sua própria crença fundamental: a negação de Deus. Por fim, indicaremos o caminho para a Parte 3 desta série, na qual compararemos o ateísmo com o teísmo, destacando a superioridade racional, moral e existencial da visão cristã de mundo.

1. A ausência de provas e a carga da argumentação

David R. C. Deane inicia sua análise com uma indagação provocadora: se não há provas positivas da inexistência de Deus, que razões há para se crer que Ele não existe? O argumento ateísta muitas vezes se limita a afirmar que não há boas razões para acreditar em Deus. Contudo, essa posição é duplamente problemática. Primeiro, porque ela exige uma definição de “bom” — o que, por si só, pressupõe um padrão moral ou racional objetivo que o ateísmo não consegue justificar. Segundo, porque ela ignora o fato histórico incontornável de que nunca houve uma sociedade humana sem alguma forma de transcendência ou senso do divino.

Essa universalidade da experiência religiosa humana aponta para uma inclinação natural do ser humano a reconhecer uma realidade que transcende a matéria. Como G. K. Chesterton afirmou com ironia penetrante: “Se não houvesse Deus, não haveria ateus.” O próprio conceito de “ateísmo” só faz sentido se houver algo a ser negado. Assim, o ateísmo já começa seu projeto com uma contradição: ele só pode negar Deus porque, paradoxalmente, deve primeiro assumir uma noção do que está negando.

2. A circularidade irracional do ateísmo

Ao recusar a existência de Deus, o ateísmo se vê forçado a redefinir todos os critérios da razão à luz de uma natureza fechada e materialista. De acordo com Deane, a crença ateísta é anterior e independente de quaisquer razões para a crença de que Deus não existe. Isso equivale a afirmar que o ateísmo é mais uma disposição existencial ou ideológica do que uma conclusão racional.

Essa circularidade se evidencia na crítica de Chesterton: “Se eu disser que um camponês viu um fantasma, eles me dizem que os camponeses são muito crédulos. Se eu perguntar por que são crédulos, a única resposta é que eles veem fantasmas.” Aplicado ao ateísmo, o raciocínio seria: “A crença em Deus é irracional porque não há Deus; e sabemos que não há Deus porque é irracional acreditar nele.” Trata-se de um círculo vicioso que mina a própria razão ateísta e desacredita qualquer juízo que venha dela. Como brinca o cientista e apologeta John Lennox: “Ele não atira apenas no próprio pé, o que é doloroso; ele atira no próprio cérebro, o que é fatal.”

3. As caricaturas do divino e os ídolos da razão naturalista

Livros populares como Deus, um delírio (Richard Dawkins), Deus não é grande (Christopher Hitchens), God: The Failed Hypothesis (Victor Stenger) e outros, apesar de sua retórica poderosa, criticam um deus que o Cristianismo nunca afirmou existir. Criam-se caricaturas de divindades semelhantes a Zeus, Odin ou até ao “Monstro do Espaguete Voador” para, então, ridicularizar a ideia de Deus. No entanto, o Deus cristão não é um ente entre outros entes, uma criatura poderosa ou uma invenção folclórica. Ele é o próprio fundamento do ser, a fonte de toda realidade contingente. Como ensina o Êxodo: “Eu Sou o que Sou” (Ex 3.14).

Ao perguntar “Quem criou o Criador?”, os críticos revelam que ainda operam dentro de um paradigma naturalista. A questão só faz sentido se Deus for uma entidade criada, sujeita ao tempo e espaço. Mas o Deus bíblico é eterno, atemporal, imaterial — não pode ser colocado em um tubo de ensaio ou limitado pelas leis da física que Ele mesmo instituiu.

4. O ateísmo como escravidão da razão ao naturalismo

O compromisso ateísta com a inexistência de Deus força o ateu a submeter toda a razão ao domínio da natureza. Isso significa que todas as explicações devem vir exclusivamente da física, da química ou da biologia — e qualquer noção de propósito, moralidade objetiva ou transcendência é descartada como “ilusória”.

Contudo, esse reducionismo gera consequências dramáticas. Se todos os nossos pensamentos são apenas o produto de reações químicas determinadas, então não há espaço para livre-arbítrio, verdade objetiva ou mesmo confiança racional. Como C. S. Lewis advertiu em Milagres: “Se minha mente é apenas o produto de causas irracionais, então não posso confiar na validade de nenhuma de minhas crenças, incluindo o naturalismo.” Em outras palavras, o ateísmo implode a própria base da racionalidade que pretende preservar.

5. Efeitos devastadores: moralidade, dignidade e sentido

Se Deus não existe, tudo é permitido — essa máxima, atribuída a Dostoiévski, resume bem o dilema moral do ateísmo. Sem um referencial transcendente, a moral se torna subjetiva, relativa, produto de preferências culturais ou impulsos evolucionários. A dignidade humana é reduzida à biologia, e o sentido da vida desaparece no abismo do niilismo.

Deane identifica esse efeito como corrosivo, pois não afeta apenas as ideias, mas toda a vida humana. Quando a cultura adota o ateísmo como fundação, ela perde o solo firme da verdade, da justiça, da esperança. A história dos regimes totalitários do século XX, muitos dos quais fundados sobre uma cosmovisão ateísta (como o comunismo soviético), demonstra o poder destrutivo de sistemas que negam o transcendente.

6. Fé e razão: aliadas no conhecimento

Um dos enganos mais persistentes é a falsa dicotomia entre fé e razão. No entanto, como apontam filósofos cristãos como Alvin Plantinga e William Lane Craig, todo conhecimento envolve crença justificada. A razão não é um substituto da fé, mas seu instrumento. O cristianismo oferece as bases para o uso confiável da razão: a mente humana foi criada por um Deus racional para compreender uma criação ordenada.

O ateísmo, por outro lado, não possui qualquer justificação última para a crença na razão, nem na validade do conhecimento. Como pode confiar na razão alguém que crê ser apenas o produto de forças irracionais da natureza?

Conclusão: o impasse do ateísmo e a promessa do teísmo

O ateísmo, longe de ser uma alternativa racional ao teísmo, se revela um sistema defeituoso, circular, incapaz de justificar sua própria lógica, moralidade ou sentido da existência. Sua tentativa de negar Deus resulta em negar a própria razão — um suicídio intelectual. Como vimos, as falhas racionais do ateísmo não são meramente acadêmicas: elas trazem efeitos devastadores para a cultura, a sociedade e a alma humana.

Em contraste, a cosmovisão teísta cristã sustenta a razão, a moral, a dignidade e a esperança. Ela afirma um Deus eterno e pessoal, fonte de toda verdade e existência, cuja revelação em Jesus Cristo não apenas responde aos anseios da razão, mas também transforma o coração humano.

Na Parte 3 desta série, avançaremos para uma comparação sistemática entre o ateísmo e o teísmo, analisando qual das duas cosmovisões oferece respostas mais coerentes, completas e satisfatórias para as grandes questões da vida: origem, propósito, moralidade e destino.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- DEANE, David R. C. O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.  

- CHESTERTON, G. K. Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.  

- LENNOX, John C. Seven Days That Divide the World: The Beginning According to Genesis and Science. 10th Anniversary Edition. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2021

- CRAIG, William Lane. Em guarda: Defenda a fé cristã com razão e precisão. São Paulo: Vida Nova, 2011.

- PLANTINGA, Alvin. Warranted Christian Belief. Oxford: Oxford University Press, 2000.  

- LEWIS, C. S. Milagres. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2021.  

- GEISLER, Norman L.; TUREK, Frank. Não tenho fé suficiente para ser ateu. São Paulo: Vida, 2008.

Série Cosmovisões: Definindo o Ateísmo e Demonstrando Suas Fraquezas

Parte 3 - Breve Comparação entre Ateísmo e Teísmo: O que Explica Melhor a Realidade?

Por Walson Sales

A presente análise encerra a série sobre o "Ateísmo", culminando na comparação entre o ateísmo e o teísmo cristão, com base no texto de David R. C. Deane, incluído no livro Guia Geral da Apologética Cristã, editado por Joseph M. Holden. Esta comparação visa avaliar qual dessas cosmovisões oferece uma explicação mais coerente e abrangente para a realidade.

1. Divergência Fundamental: A Natureza de Deus

A separação entre ateus e teístas cristãos ocorre na concepção da natureza de Deus. Enquanto o ateísmo considera Deus como uma construção imaginária, o teísmo cristão o reconhece como uma realidade transcendente e pessoal. Deane enfatiza que, para um diálogo significativo, é essencial compreender a natureza de Deus conforme revelada nas Escrituras.

2. A Realidade Aponta para uma Causa Sobrenatural

A estrutura do universo sugere uma causa sobrenatural:

-Tempo Criado: Implica um criador eterno.

-Espaço Criado: Indica um criador transcendente.

-Matéria Criada: Sugere um criador imaterial.

-Complexidade do Universo: Aponta para uma inteligência suprema.

-Seres Humanos Pessoais: Revelam um criador pessoal.

-Moralidade Humana: Reflete uma fonte moral absoluta.

Esses aspectos corroboram a visão teísta de um Deus criador e sustentador de todas as coisas. 

3. A Coerência do Teísmo Cristão

O teísmo cristão oferece uma explicação abrangente para a realidade:

-Origem do Universo: Deus cria ex nihilo.

-Ordem e Design: A criação reflete a sabedoria divina.

-Consciência e Moralidade: Derivam de um Deus pessoal e moral.

-Sentido e Propósito: Encontrados na relação com Deus.

Essa cosmovisão integra razão e fé, ciência e espiritualidade, oferecendo uma compreensão holística da existência.

4. Limitações do Ateísmo

O ateísmo, ao negar a existência de Deus, enfrenta dificuldades em explicar:

-Origem do Universo: Sem uma causa primeira, a existência do universo permanece inexplicada.

-Ordem e Complexidade: Atribuir a complexidade à aleatoriedade carece de fundamento.

-Consciência e Moralidade: Sem uma fonte transcendente, valores morais tornam-se relativos.

-Sentido e Propósito: A vida carece de significado intrínseco.

Essas limitações evidenciam a insuficiência do ateísmo em fornecer uma explicação satisfatória para a realidade.

5. Fé e Razão: Aliadas na Busca pela Verdade

Contrariando a visão de que fé e razão são opostas, o teísmo cristão as vê como complementares. Alvin Plantinga argumenta que a crença em Deus pode ser uma crença básica, racional e justificada. Além disso, a fé cristã é fundamentada em evidências históricas e experiências pessoais, integrando-se à razão na busca pela verdade. 

Conclusão

A análise comparativa entre o ateísmo e o teísmo cristão revela que o teísmo oferece uma explicação mais coerente e abrangente para a realidade. Ele responde satisfatoriamente às questões fundamentais sobre a origem, ordem, moralidade e propósito da vida. Ao integrar fé e razão, o teísmo cristão proporciona uma cosmovisão que não apenas explica o mundo, mas também oferece sentido e esperança.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- DEANE, David R. C. O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

- PLANTINGA, Alvin. God and Other Minds: A Study of the Rational Justification of Belief in God. Cornell University Press, 1967.

- LENNOX, John C. Seven Days That Divide the World: The Beginning According to Genesis and Science. Zondervan, 2011.

- DAWKINS, Richard. The God Delusion. Houghton Mifflin Harcourt, 2006.

- HARRIS, Sam. The End of Faith: Religion, Terror, and the Future of Reason. W. W. Norton & Company, 2005.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Série Cosmovisões: Definindo o Ateísmo e demonstrando suas fraquezas

Parte 1 – Definindo o Ateísmo e os fundamentos da “crença” ateísta

Por Walson Sales

Refletir sobre o ateísmo como cosmovisão é uma tarefa desafiadora, mas absolutamente necessária em uma era marcada pelo ceticismo, pelo relativismo e pelo avanço de correntes filosóficas que negam a centralidade de Deus na explicação da realidade. Este artigo tem por objetivo analisar, com rigor filosófico e apologético, os fundamentos do ateísmo contemporâneo, tomando como base o texto de David R. C. Deane no capítulo “O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial?”, presente na obra Guia Geral da Apologética Cristã, organizada por Joseph M. Holden.  

Tenho a honra de abordar esse tema após escrever três livros diretamente voltados ao estudo crítico do ateísmo e dois outros que lidam com implicações profundas da visão de mundo ateísta. As obras Ateísmo: Respostas às Objeções à Veracidade do Cristianismo (Editora Beréia), A existência de Deus e os ateus: uma apologética com diálogo* (Editora Fasa) e A visão de mundo ateísta (Fasa), somadas aos dois volumes de Apologética para Hoje (Amazon KDP), fornecem um pano de fundo sólido que sustenta a abordagem crítica e embasada que será apresentada neste texto.

Como toda cosmovisão, o ateísmo tenta responder a, pelo menos, onze aspectos fundamentais da realidade: Deus, metafísica, ética, epistemologia, antropologia, história, origem, identidade, propósito, moralidade e destino. As seis primeiras áreas são destacadas por Ronald H. Nash em sua clássica obra Questões Últimas da Vida: Uma Introdução à Filosofia, enquanto os cinco últimos aspectos são sistematizados por Frank Turek e Norman Geisler em Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu, livros, portanto, que recomendo veementemente.

1. A história complexa do ateísmo e suas metamorfoses conceituais

David R. C. Deane inicia sua análise com uma observação precisa e pertinente: o ateísmo não é um conceito fixo e estático, mas sim uma ideia que sofreu diversas alterações ao longo do tempo. Na Antiguidade e na Idade Média, o termo era frequentemente utilizado como acusação, não como identidade. Sócrates, por exemplo, foi condenado por “ateísmo”, embora sua “culpa” estivesse relacionada à recusa em adorar os deuses do panteão grego. Curiosamente, os primeiros cristãos também foram chamados de “ateus” pelos romanos por se recusarem a reverenciar os múltiplos deuses da religião oficial do império.

A modernidade, com sua ruptura epistemológica e seu entusiasmo pela razão e pela ciência, foi o solo fértil para o crescimento do ateísmo como cosmovisão. Entre os séculos XV e XVII, as revoluções científicas, filosóficas e sociais criaram um ambiente em que o ateísmo deixou de ser meramente uma acusação ou marginalidade intelectual e se tornou um sistema articulado de negação de Deus.

Essa transformação levou o ateísmo a adquirir força como um sistema filosófico que se sustenta na negação das realidades transcendentais. Deane aponta que o ateísmo moderno não surgiu isoladamente, mas como resultado da convergência de diversas filosofias naturalistas e humanistas. Essa convergência criou uma base ideológica comum: o naturalismo secular, que considera a natureza como o fato último e único.

2. A definição de ateísmo e a necessidade de coerência conceitual

Deane adota a definição de ateísmo proposta por Stephen Bullivant e Lois Lee no *Oxford Dictionary of Atheism* (2016), que compreende o ateísmo como “uma crença na inexistência de um Deus ou deuses, ou (mais amplamente) na ausência de crença em sua existência.” O autor restringe sua análise ao primeiro sentido: a crença na inexistência de Deus, especificamente no contexto do teísmo cristão.

O ponto é fundamental. O ateísmo não pode se esconder sob a indefinição conceitual. Para ser tratado como uma cosmovisão, ele precisa oferecer respostas, sustentar afirmações e arcar com o ônus da prova. Como Phillip Johnson expressa de forma contundente:  

> “Aquele que nega um conjunto específico de crenças é, na verdade, um crente em um outro conjunto específico de crenças.”

Essa frase ilustra uma realidade que muitos ateus modernos procuram evitar: negar Deus é assumir uma posição metafísica alternativa. O ateísmo não é neutro, mas está comprometido com uma determinada visão da realidade – geralmente naturalista, materialista e imanente. Como tal, precisa ser tratado com o mesmo rigor crítico que qualquer outra cosmovisão.

3. A crença ateísta como construção racional e suas bases frágeis

Deane destaca que a crença, para ser considerada conhecimento, precisa ser uma "crença verdadeira justificada", conceito já presente na epistemologia de Platão. Assim, a questão não é apenas o que o ateu crê, mas com que fundamento ele crê. E aqui se revela uma fragilidade estrutural do ateísmo: sua base epistêmica repousa sobre a negação de uma realidade que, por definição, ele não pode provar inexistente.

Como Austin Farrer observa, a disputa entre o crente e o ateu não é sobre o sentido de buscar um “fato final”, mas sobre qual fato final se sustenta: para o teísta, esse fato é Deus; para o ateu, é o universo. Trata-se, portanto, de uma disputa entre dois fundamentos ontológicos distintos. E o ônus de justificar a ausência de Deus repousa igualmente sobre quem afirma sua inexistência, mesmo que muitos ateus tentem escapar disso com jogos semânticos.

4. Agnosticismo disfarçado: uma fuga do ônus da prova

Muitos ateus, confrontados com o ônus da prova, recuam para o agnosticismo, alegando não ter certeza da inexistência de Deus, mas apenas uma ausência de crença. Contudo, essa posição é, muitas vezes, uma camuflagem conceitual. Como Deane observa, há uma diferença lógica entre dizer “não acredito que Deus exista” e “acredito que Deus não existe”. O primeiro é uma posição de dúvida; o segundo é uma afirmação positiva e exige justificação racional.

A tentativa de redefinir o ateísmo como “mera ausência de crença” é um recurso conveniente para escapar da responsabilidade argumentativa. Contudo, se o ateísmo quiser ser levado a sério como cosmovisão (e não como uma identidade meramente negativa ou social), ele precisa se comprometer com argumentos robustos e responder às grandes questões da vida.

5. O ateísmo como cosmovisão: respostas insuficientes às questões fundamentais

Toda cosmovisão precisa oferecer respostas plausíveis às 11 questões mencionadas anteriormente. Quando analisamos o ateísmo à luz dessas categorias, vemos que ele fracassa em fornecer uma estrutura coerente e abrangente:

- Deus: nega Sua existência sem justificativa conclusiva.

- Metafísica: reduz tudo à matéria, eliminando o transcendente.

- Ética: não oferece fundamento objetivo para valores morais universais.

- Epistemologia: depende de processos mentais supostamente racionais, sem explicar a origem da razão em um universo irracional.

- Antropologia: reduz o ser humano a um animal avançado, negando dignidade intrínseca.

- História: vê os eventos como aleatórios, sem propósito final.

- Origem: propõe explicações naturalistas frágeis e especulativas.

- Identidade: não fornece base sólida para o “eu” consciente e pessoal.

- Propósito: afirma que a vida não tem propósito objetivo.

- Moralidade: adota relativismo moral ou utilitarismo, ambos instáveis.

- Destino: oferece apenas o niilismo como destino final.

Conclusão

O ateísmo, longe de ser uma posição neutra ou meramente cética, é uma cosmovisão com pressupostos bem definidos e implicações profundas. Como toda visão de mundo, ele busca responder às grandes perguntas da existência, mas o faz com bases epistemológicas e ontológicas frágeis. Sua tentativa de escapar do ônus da prova por meio de redefinições e recuos ao agnosticismo revela uma postura mais ideológica do que racional.

David R. C. Deane, com precisão e equilíbrio, desmascara as ambiguidades conceituais do ateísmo contemporâneo, oferecendo ao leitor cristão um mapa para compreender, criticar e responder a essa cosmovisão de forma sólida. Ao publicar este artigo, desejo não apenas divulgar os conteúdos valiosos do texto de Deane, mas também reforçar a necessidade de treinarmos a nova geração com argumentos racionais, lógicos e fundamentados na verdade da fé cristã.

Este artigo é apenas a primeira parte de uma série de três artigos que se dedicará a demonstrar as fraquezas lógicas, morais e existenciais do ateísmo, fortalecendo a apologética cristã em tempos de batalha intelectual intensa.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- DEANE, David R. C. O que é o Ateísmo e qual é a sua falha essencial? In HOLDEN, Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.

- JOHNSON, Phillip. Reason in the Balance: The Case Against Naturalism in Science, Law and Education. InterVarsity Press, 1995.

- NASH, Ronald H. Questões Últimas da Vida: Uma Introdução à Filosofia. Cultura Cristã, 2007.

- TUREK, Frank; GEISLER, Norman L. Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu. Vida, 2014.

- CRAIG, William Lane. Em Guarda: Defenda a Fé Cristã com Razão e Precisão. Vida Nova, 2011.  

- SALES, Walson. Ateísmo: Respostas às Objeções à Veracidade do Cristianismo. Editora Beréia.  

- SALES, Walson. A Existência de Deus e os Ateus: uma Apologética com Diálogo. Editora Fasa. 

- SALES, Walson. A Visão de Mundo Ateísta. Editora Fasa.  

- SALES, Walson. Apologética para Hoje: Respostas Racionais para Fortalecer a Fé em Tempos de Batalha Intelectual, Volumes 1 e 2. Amazon KDP.

Série Cosmovisões: Definindo o Relativismo Moral e Demonstrando Suas Fraquezas

Parte 4 – A Autodestruição do Relativismo e a Necessidade de um Fundamento Moral Transcendente

Por Walson Sales

Tendo examinado a definição do relativismo moral (Parte 1), sua crítica lógica (Parte 2) e os erros específicos do relativismo individual (Parte 3), nesta Parte 4 concluiremos nossa análise abordando as implicações finais e devastadoras dessa cosmovisão. O relativismo, embora popularizado sob o manto da tolerância e da liberdade pessoal, revela-se uma filosofia autodestrutiva, tanto em nível racional quanto prático. Aqui, será demonstrado como essa visão colapsa sob seu próprio peso e como ela mina os pilares da moralidade, da justiça, dos direitos humanos e da própria dignidade humana.  

1. O Relativismo é Autorefutável

A primeira grande fraqueza do relativismo moral é sua autocontradição lógica. Quando alguém afirma que "toda verdade moral é relativa", está fazendo uma *afirmação absoluta* sobre a moralidade. Em outras palavras, o relativista moral nega a existência de verdades absolutas ao fazer uma declaração que, em si, pretende ser absoluta. Isso é logicamente incoerente.

Francis J. Beckwith e Gregory Koukl, em sua obra Relativism: Feet Firmly Planted in Mid-Air, afirmam que o relativismo “acaba por serrar o próprio galho no qual está sentado”. Se todas as afirmações morais são relativas, então a própria proposição “todas as afirmações morais são relativas” também é apenas uma opinião relativa, sem qualquer autoridade objetiva — o que torna o relativismo inútil como sistema moral.

2. Relativismo e a Destruição da Justiça

O relativismo moral remove qualquer base sólida para a justiça. Sem um padrão objetivo de certo e errado, não há como condenar o genocídio, o estupro, a escravidão ou o racismo como intrinsecamente errados. Tais práticas passam a ser apenas "desagradáveis para alguns", mas não moralmente condenáveis em si mesmas.

Isso cria um vácuo jurídico e ético. Como legislar leis justas sem um padrão superior à vontade humana? Se a moralidade é subjetiva, o que impede uma maioria opressora de impor seus valores? O filósofo cristão William Lane Craig explica: “Se Deus não existe, então os direitos humanos não passam de convenções sociais inventadas, não havendo obrigação moral real de segui-los.” A justiça torna-se, então, um produto do consenso social, o que é perigosamente frágil.

3. Direitos Humanos Sem Fundamento?

A ideia moderna de direitos humanos pressupõe que todo ser humano possui dignidade intrínseca, independentemente de raça, sexo, status social ou opinião. Contudo, essa visão está fundamentada na cosmovisão judaico-cristã, que ensina que todos são criados à imagem de Deus (Gênesis 1:26-27).

O relativismo moral, ao rejeitar um fundamento transcendente, mina os próprios direitos que afirma defender. Como argumentar contra a tortura, o tráfico humano ou o infanticídio se não há um padrão superior a ser invocado? A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU assume princípios objetivos que não podem ser justificados dentro de uma cosmovisão relativista.

4. O Caso de Jeffrey Dahmer: Quando “Tudo é Permitido”

O caso do assassino e canibal americano Jeffrey Dahmer ilustra tragicamente as consequências práticas do relativismo. Em seu julgamento, Dahmer declarou:

> “Se não existe Deus, então qual o sentido de tentar modificar o comportamento? Se não existe um Deus, então tudo está permitido.”

Essa afirmação ecoa a famosa ideia de Fiódor Dostoiévski, no clássico Os Irmãos Karamázov:

> “Se Deus não existe, então tudo é permitido."

Dahmer cometeu assassinatos hediondos, estuprou e devorou partes de suas vítimas. Ele afirmou que perdeu completamente o senso de certo e errado porque, em sua visão, o universo era moralmente indiferente. Aqui vemos como a negação de Deus e de um padrão moral objetivo pode abrir as portas para os piores horrores da humanidade.

5. O Relativismo e o Problema do Mal

Curiosamente, muitos relativistas utilizam o problema do mal como argumento contra Deus: “Como Deus pode existir, se há tanto mal no mundo?”. No entanto, como bem observa Sean McDowell, ao fazer tal afirmação o relativista apela para um padrão moral objetivo que ele, como relativista, nega existir. Isso é uma incoerência profunda. Se o mal é real, então há um bem real. Se o bem é real, então há um padrão moral superior — o que o relativismo nega. Assim, o relativismo não apenas falha como argumento, mas acaba confirmando, de forma não intencional, a existência de um padrão moral absoluto.

6. A Moralidade Aponta para Deus

Toda vez que alguém diz “isso é injusto!”, “isso está errado!”, “isso é desumano!”, está, ainda que implicitamente, afirmando que existe um padrão de justiça, de bondade e de humanidade que está sendo violado. Esse padrão precisa estar acima dos seres humanos, pois, do contrário, seria apenas preferência pessoal ou convenção social.

Como afirma C.S. Lewis em Cristianismo Puro e Simples:

> “Um homem não chama uma linha de torta a não ser que tenha alguma ideia do que é uma linha reta.”

A existência da “linha reta” — o bem objetivo — aponta para uma mente moral transcendente, ou seja, Deus.

Conclusão

O relativismo moral, especialmente em sua forma individual, é logicamente incoerente, psicologicamente impraticável, socialmente destrutivo e moralmente inaceitável. Ele tenta sustentar um universo moral flutuante, mas acaba naufragando na incoerência. Os próprios relativistas traem sua filosofia ao viver como se certas ações fossem realmente erradas e outras realmente boas.

Na ausência de um padrão moral objetivo e transcendente, tudo se torna permitido — e a história tem mostrado os horrores que resultam quando homens e sociedades decidem ser seus próprios deuses. A apologética cristã, ao expor a falência do relativismo e defender a existência de valores morais objetivos fundamentados no caráter de Deus, se revela não apenas intelectualmente satisfatória, mas também vital para a saúde moral e espiritual da sociedade.

Bibliografia utilizada e sugerida:

- MCDOWELL, Sean. O que é o relativismo moral e qual é sua falha essencial? _In_ HOLDEN , Joseph M. Guia Geral da Apologética Cristã. Porto Alegre, RS: Chamada, 2023.  

- BECKWITH, Francis J.; KOUKL, Gregory. Relativism: Feet Firmly Planted in Mid-Air. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1998.

- CRAIG, William Lane. On Guard: Defending Your Faith with Reason and Precision. Colorado Springs, CO: David C. Cook, 2010.  

- LEWIS, C. S. Cristianismo Puro e Simples. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2009.  

- DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Irmãos Karamázov. São Paulo: Editora 34, 2001.  

- Declaração Universal dos Direitos Humanos, Organização das Nações Unidas, 1948.

- Entrevistas e transcrições do julgamento de Jeffrey Dahmer (1992).